Boletim Unicap

Memória de Padre Antônio Henrique celebrada durante evento na Unicap 

O Auditório Dom Helder Câmara ficou lotado de admiradores, políticos e amigos do Padre Antônio Henrique Pereira, morto no Recife no período da ditadura militar de 1968. O Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, não pode comparecer, mas gravou um vídeo exclusivamente para o evento realizado na última sexta-feira (24), cumprimentando e agradecendo ao público presente, dentre eles, as personalidades religiosas, os integrantes do Instituto Humanistas Unicap, a Comissão de Justiça e Paz e o Fórum de Articulação de Leigos e Leigas.

Dom Fernando Saburido evocou a memória e a história do jovem religioso, trazendo informações sobre os três anos e sete meses do seu sacerdócio. “É muito justa, portanto, a celebração dos 50 anos do martírio desse irmão presbítero que ainda poderia estar no meio de nós”. Dom Fernando ainda enfatizou a real motivação do assassinato do Padre Antônio: “o que se queria mesmo era atingir o pastor dos pobres e excluídos, Dom Helder Câmara”.

Fotos: Pedro Borges

A presença da irmã do Padre Antônio Pereira, a professora da UFPE Isaíras Pereira, foi emocionante. Com 72 anos de idade, ela disse se sentir jovem e cheia de vigor e mesmo aposentada fez outro concurso para continuar ensinando jovens, como fez o seu irmão. A professora ainda deu uma aula motivacional aos mais idosos, afirmando não ser a idade cronológica a essência da juventude. “Eu vi hoje aqui que vocês ainda são jovens espiritualmente e que ainda tem muito para pregar liberdade, juventude e ideais de justiça”.

Emocionado, o assessor da CNBB Padre José Ernanne Pinheiro fez a abertura falando dos momentos dolorosos em que acompanhou Dom Helder até o necrotério para fazer o reconhecimento do corpo do Padre Henrique. Ernanne relembrou outros momentos difíceis da trajetória do padre recifense nascido em 28 de outubro de 1940, formado em psicologia nos Estados Unidos e ordenado padre aos 25 anos por Dom Helder em 25 de dezembro de 1965.

A frente do projeto intitulado Os Jovens, a Fé e o Desenvolvimento Vocacional, Padre Henrique assumiu a liderança da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Olinda e Recife, levando a sua dedicação sacerdotal aos estudantes de nível médio e universitários em início de curso. Sua missão junto à juventude que o procurava para intermediar os diálogos familiares e orientação pessoal começou a ser perseguida pelo regime militar.

Durante a mesa redonda, foi lida pelo assessor uma carta escrita pela psiquiatra Lavinia Lins, uma das participantes de grupos de juventude formado por Antônio Henrique com informações sobre a vida e a obra de padre. No documento, Lavinia relata a intensa atividade social e cultural do religioso até ser visto pela ultima vez na emboscada armada que interrompeu sua jornada.

Uma mensagem de Dom Helder Câmara, pronunciada logo após assumir o seu apostolado, ainda foi lida durante a mesa por José. “Ninguém se escandalize quando me vê frequentando criaturas tidas como indignas e pecadoras. Quem não é pecador? Quem pode jogar a primeira pedra? “Em outro momento da mensagem de Dom Helder se coloca aberto ao diálogo a partidário. “Ninguém pretenda prender-me a um grupo, me darem um partido, tendo como amigos os seus amigos e querendo que eu adote as suas inimizades, minha porta e meu coração estarão abertas a todos, absolutamente a todos”.

Padre Henrique teria siso executado por volta das 19h do dia 27 de maio de 1969. O crime repercutiu nacionalmente e mobilizou organismos eclesiásticos e oficiais de direitos humanos, além de uma multidão no Recife que protestou contra a perseguição política no período conhecido como Anos de Chumbo.

Segundo Padre Ernanne, a Campanha da Fraternidade da época com a canção Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão se tornou um símbolo no cortejo fúnebre de Padre Antônio e nas missas em sua homenagem. Ainda segundo ele, foram fortemente vigiados por militares e orientados por Dom Helder para que todos se mantivessem em silêncio de paz e não violência.

A luta pela democracia e o respeito aos direitos do povo do campo por meio da reforma agrária eram também ideais defendidos por Padre Antônio Henrique e uma das causas das constantes ameaças feitas pelo Comando de Caça ao Comunismo (CCC). É o que revelam as cartas escritas por Dom Helder lidas durante a missa de 7º dia. Em 1975, ele reafirma isso em depoimento.

Durante o memorial, foi cogitada por Padre Ernani a possibilidade de o Vaticano reconhecer o Padre Antônio Henrique como o próximo mártir da Igreja Católica perseguido pela ditadura, tendo em vista já haver dois padres mártires latino-americanos. Neste momento, o público aplaudiu em sinal de apoio.

Ainda durante o evento, o jurista Roberto Franca, na época da ditadura com 18 anos, também trouxe várias lembranças dos episódios políticos revelando, por meio da Comissão da Verdade em Pernambuco, informações sobre grupos de milicianos, vítimas, documentos oficiais e responsáveis pelos atentados ao Padre Antônio.

Franca revelou ter sido aluno do religioso no Colégio Nobrega e esclareceu uma estratégia truculenta usada pelos grupos paramilitares a favor dos responsáveis por seu assassinato. ”Procuraram dizer que ele foi assassinado por toxicômanos com quem convivia”. Ele ainda disse que se a Igreja e os movimentos sociais não tivessem se manifestado com determinação em defesa da dignidade do caráter do Padre, sua memória poderia ter sido marginalizada. A reflexão de Henrique foi relacionada ao atual cenário político brasileiro.

Outro momento esclarecedor trazido pelo Secretário Geral da Comissão Estadual de Memória e Verdade Dom Helder Câmara, Henrique Mariano, revelou a verdadeira intenção do governo Nilo Coelho ao instalar a Comissão Judicial de Inquérito para apurar em pouco dias as causas da morte de Padre Henrique. “Isso não foi um ato de benevolência à época. É porque a pressão e a repercussão nacional e internacional do assassinato do Padre Antônio Henrique foi imensa”. Segundo ele, a Comissão de Inquérito, embora tenha sido uma “farsa” para conter a pressão popular, teve os seus méritos ao ter como presidente o juiz Aluízio Xavier.

Ao final de sua exposição, o advogado esclareceu as medidas tomadas pelo Poder Judiciário de Pernambuco e outros órgãos oficiais responsáveis por revelar a verdade, apontado os verdadeiros culpados pela tragédia que matou não só o Padre Antônio, mas dezenas de pessoas.

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