Boletim Unicap

A relação de Dom Helder Camara com as artes é tema de livro lançado na Unicap

O livro “Andar às voltas com o belo é andar às voltas com Deus: a relação de Dom Helder Camara com as artes”, organizado pelo professor do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Unicap, Newton Darwin de Andrade Cabral, e pela historiadora Lucy Pina Neta, foi lançado no dia 27 de novembro, no Auditório Dom Helder Camara, no térreo do bloco A.

Além dos organizadores, a obra reúne textos de diversos autores, como César Augusto Sartorelli, Walter Valdevino do Amaral, Helder Remigio de Amorim, Elizabet Soares de Souza Remigio, Carlos André Silva de Moura, João Luiz Correia, José Afonso Chaves Júnior, Alexandre Figueirôa, Cláudio Bezerra, Stella Maris Saldanha, Percy Marques Batista, Silvério Pessoa, Péricles Andrade, Charlisson Silva de Andrade e Cícero Williams da Silva.

Durante o evento, integrantes do MBP Unicap interpretaram canções sobre as quais Dom Helder escreveu a respeito; o professor Alexandre Figueirôa exibiu trechos de filmes que Dom Helder assistiu e comentou; a professora Stella Maris leu poemas de autoria do ex-arcebispo de Olinda e Recife; e, por último, houve a audição do VI Movimento de A Sinfonia dos Dois Mundos, a mais famosa produção do artista de Dom Helder Camara.

Para Lucy Pina Neta, co-organizadora do livro, Dom Helder é um grande ser humano. “Para ser um grande sacerdote, é preciso ser gente, sendo gente ele se irmana, se coloca na mesma posição do seu rebanho. Então, ele primeiro é um grande ser humano. Depois disso, ele é um homem divertidíssimo, um homem com um senso de humor extraordinário, que ri, também se chateia, se entristece. Eu acho que falta essa percepção. Agora, com esse processo de beatificação, as pessoas o consideram ainda mais santo, ainda mais inalcançável, quando, na verdade, a santidade dele é justamente porque ele é igualzinho a gente, em tudo, inclusive na humanidade”, explica Lucy Pina Neta.

“Esta obra especifica os aspectos das artes na vida de Dom Helder Camara e esse é um viés de total ineditismo. Até agora, nenhum dos estudiosos de Dom Heder, no mundo inteiro, explorou o Helder artista. É muito conhecido o Helder profeta, o Helder líder da Igreja, o Helder que enfrentou a ditadura militar, o Helder místico, mas o Helder artista, esse absolutamente não. Então, é isso que o livro explora”, destacou professor Newton Cabral.

Abaixo segue um resumo de cada um dos onze capítulos do livro:

CAPÍTULO 1
No primeiro capítulo, “A arte e as religiões”, César Augusto Sartorelli faz um percurso panorâmico que remonta à Pré-história, e destaca formas de visualização de tal relacionamento desde os vestígios arqueológicos, passando por representações espiritualizadas de seres humanos, em civilizações antigas e clássicas, até chegar nas modernas e contemporâneas. Basta que nos lembremos da música, que tem um papel fundamental nos rituais, evocando transes em que o eu é transcendido em nome de algo muito mais amplo. Pitágoras descobriu uma relação matemática entre som e harmonia, mostrando que os sons que chamamos de harmônicos obedecem a uma relação matemática simples. Som, forma e número foram unificados no conceito de harmonia, unindo o homem com o restante do cosmo por meio da arte como veículo de transcendência.

CAPÍTULO 2
A seguir, Lucy Pina Neta e Walter Valdevino do Amaral, em “Helder Pessoa Câmara: uma vida em permanente contato com as artes”, discutem o gênero biografia, uma vez que a finalidade do capítulo é destacar aspectos da vida do Dom em sua relação com as artes, a partir das três grandes fases cujos referenciais são as cidades onde viveu em sucessivas etapas de estudos e trabalhos: Fortaleza (1909-1936), Rio de Janeiro (1936-1964) e Recife (1964-1999).

CAPÍTULO 3
Depois, em “ ‘Se eu perder o contato com os artistas, não serei mais eu’: a marcante sensibilidade de Dom Helder”, os autores Helder Remigio de Amorim e Elizabet Soares de Souza Remigio escrevem, sobretudo, a partir da fase recifense da atuação helderiana. Mostram que, mesmo na situação adversa dos tempos de ditadura, o arcebispo manteve contato com os artistas e sempre os apoiou em suas iniciativas, pois, para ele, as artes favoreciam o diálogo entre a Igreja e a sociedade e, simultaneamente, contestavam a ordem vigente.

CAPÍTULO 4
No capítulo “ ‘A casa do bispo marcando a presença de Cristo no mundo da inteligência e da cultura’: as noitadas no Solar de São José dos Manguinhos”, Newton Darwin de Andrade Cabral e Carlos André Silva de Moura buscaram um único recurso documental: os registros existentes nas Cartas Circulares que Dom Helder escrevia nas madrugadas. Daí o texto conter uma discussão acerca da importância de correspondências como fontes para a história, estudando algumas questões relevantes: as preocupações do arcebispo em ampliar o uso do palácio episcopal por diversos segmentos sociais, entre eles, os  intelectuais; os temas que eram abordados naqueles encontros e as pessoas envolvidas; as justificativas do arcebispo acerca da validade dos esforços empreendidos e algumas críticas que foram feitas à iniciativa; e, por fim, a análise de motivos que conduziram à finalização das noitadas.

CAPÍTULO 5
Em “O místico poeta dos pobres e da libertação”, o autor, João Luiz Correia Júnior, explora o veio poético de Dom Helder Camara que, na sua produção literária, recorreu aos versos como uma das formas de interpelar situações existentes e disseminar visões alternativas de mundo. Também alicerçado nas Cartas Circulares, no texto são apresentados e analisados alguns poemas da lavra helderiana, a partir de três aspectos que caracterizaram este viés do escritor arcebispo: a mística; a opção pelos pobres; a mensagem poética da libertação.

CAPÍTULO 6
No capítulo “O cronista da cidade sonhada”, José Afonso Chaves faz rápida explanação acerca deste gênero literário e, após destacar dados da produção do cronista Helder Camara, e de como parte dela foi dada a conhecer ao público em programa radiofônico e publicações, foca sua reflexão na crônica “Mocambos: Cristo na lama”, escrita a partir da realização do roubo do sacrário de uma igreja do Recife que resultou em irem as hóstias consagradas parar na lama. Em decorrência, Dom Helder fez uma correlação com a situação dos muitos arquidiocesanos que vivem na lama e vislumbrou o sonho de uma nova cidade. A crônica está analisada a partir de movimentos e conceitos da leitura figural do processo histórico proposta pelo romancista alemão Erich Auerbach.

CAPÍTULO 7
Em “O Dom e o cinema: entre o pragmatismo e o sonho”, Alexandre Figueirôa também usa os volumes já publicados das cartas circulares como fonte. Destaca que o cinema era, para Dom Helder, tanto um elemento possibilitador da aproximação entre os homens e uma espiritualidade fundada nos valores cristãos, quanto uma ferramenta potencializadora da difusão dos ensinamentos da Igreja e da disseminação de mensagens em prol da justiça. São destacados o papel do cinema e da comunicação na vida religiosa, bem como do cinema como fonte de reflexão e alegria. Comentários feitos pelo arcebispo acerca de filmes a que assistia também estão presentes, notadamente sobre “O Evangelho Segundo São Mateus”, de Pier Paolo
Pasolini, “Agonia e Êxtase”, de Carol Reed, “Zorba, o Grego”, de Michael Cacoyannis e “Mary Poppins”, de Robert Stevenson.

CAPÍTULO 8
No capítulo seguinte, “Um profeta escolhido pelo teatro”, Cláudio Bezerra e Stella Maris Saldanha visaram a evidenciar que na relação entre Dom Helder e o teatro deu-se uma mudança no conteúdo de uma frase muito repetida pelos que se dedicam às atividades teatrais: “eu escolhi o teatro, mas ele também me escolheu”. Os fatos elencados no texto conduzem à certeza de que Dom Helder escolheu o sacerdócio, mas foi escolhido, desde tenra idade, pelo teatro. Assim, são revistos elementos dessa aproximação: menino, era levado pelo tio (diretor de teatro) para assistir a ensaios de peças, tornando-se apreciador e leitor de dramaturgos, incentivador de Grupos de Teatro e de apresentações – inclusive cedendo espaços do Palácio dos Manguinhos para encenações. Revelam, ainda, ter sido ele autor – uma vez que escreveu um Auto (inédito) – e culminam suas análises com a constatação de que, ceifadas estas possibilidades, após sua morte Helder Câmara tornou-se personagem: dois espetáculos já foram montados levando aos palcos aspectos da trajetória do arcebispo.

CAPÍTULO 9
Percy Marques Batista escreve sobre “Variados tons de um Dom: a intimidade entre Dom Helder e a MPB”. A condição de prelado católico e as cidades nas quais assim atuou, o Rio de Janeiro e o Recife, são destacadas, pelo autor, como elementos propiciadores da proximidade que Dom Helder estabeleceu com a música, expressão artística na qual via refletida a alma do povo. Ouvinte assíduo, ia a shows, promovia encontros para audições e discussões e escrevia, em suas Cartas Circulares, numerosos comentários acerca das férteis produções componentes da Música Popular Brasileira. O texto enfatiza canções que fizeram parte dos antigos festivais promovidos por emissoras de televisão e, aos comentários do Dom, são acrescidas curiosidades acerca de aspectos do processo composicional das músicas citadas. O texto torna evidente uma grande identificação – quase predileção, embora não exclusiva – do arcebispo para com as composições de Chico Buarque e, muito especialmente, com os sentimentos de esperança existentes em canções como “Pedro Pedreiro” e “A Banda”.

CAPÍTULO 10
Em “Voz dos tambores: a música da Missa dos Quilombos”, Silvério Pessoa, Péricles Andrade e Charlisson Silva de Andrade comentam que, no seu governo à frente da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder não apenas participou diretamente de iniciativas no campo das artes, ele também propiciou que, nela, acontecessem significativas celebrações litúrgicas; algumas, fazendo intenso e eficaz uso de manifestações artísticas, alcançando dimensões que as tornaram odes à liberdade e libelos a opressões nas quais a Igreja teve graus de cumplicidade. Este foi o caso da Missa dos Quilombos, celebrada no pátio da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, com a presença de bispos do Norte e Nordeste do Brasil, que teve em Milton Nascimento o
intérprete de sua música, cujo conteúdo é analisado pelos autores, a partir do viés do silêncio teológico sobre a escravidão e das atuais discussões acerca de uma Teologia Negra. A “Invocação à Mariama”, da homilia de Dom Helder, é destacada no texto.

CAPÍTULO 11
Finalmente, no capítulo “Dois mundos e uma Sinfonia: o apogeu do artista Helder Camara”, Cícero Williams da Silva analisa percepções do Dom, tais como a busca pela clareza acerca de quais eram as mais perniciosas fronteiras na separação da humanidade em blocos antagônicos: a primeira, e mais conhecida divisão, recaía na questão ideológica, opositora do leste socialista ao oeste capitalista; a segunda, de viés econômico e social, delimitava divisões entre o norte rico e o sul pobre. Convencido do maior poder letal desta última, o arcebispo dedicou-se a pregar a necessidade da sua superação e sonhou um mundo justo e harmônico em suas diferenças. Instado pelo músico suíço Pierre Kaelin, acedeu à proposta de uma Sinfonia que sintetizasse suas principais ideias e, assim, surgiu a “Sinfonia dos Dois Mundos”, formada por seis movimentos sonhados pelo Dom, que recebeu arranjos musicais compostos para solistas, recitantes e coros, acompanhados de grandiosa orquestra, cujo conteúdo é brevemente analisado. Esta obra é considerada ápice na análise do Helder Camara.

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