Boletim Unicap

Palestra faz releitura do fascismo no Brasil

Releituras do fascismo no Brasil: da Ação Integralista Brasileira aos dias atuais foi o título de palestra promovida na noite desta quarta-feira (17), no auditório do loco J, promovida pelo Instituto Humanitas Unicap e pela Associação dos Docentes da Unicap (Aducape). O evento contou com a participação do presidente da entidade, Prof. Dr. Natanael Sarmento (do curso de Direito); e do coordenador da especialização em Ciência Política, Prof. Dr. Afonso Chaves.

Natanael fez a abertura relembrando fatos históricos do período entre as Grandes Guerras na Europa, indicou um vídeo explicativo sobre a I Guerra Mundial e explicou contexto que fez surgir o fascismo na Itália como nacionalismo exacerbado, fragilidade das instituições, crise econômica, fragmentação de demandas sociais. “É o Estado totalitário e arbitrário que quer unificar em um único partido, em um único estado a totalidade da realidade econômica, política, cultural e social”.

Ele apontou características do fascismo na propaganda direcionada a jovens, no ensino militarizado e até na pedagogia utilizada em sala de aula na Alemanha nazista. “Na Alemanha se ensinava matemática utilizando os números que representavam para o orçamento público o custo para o Estado para se tratar de um deficiente físico para dizer que não tinha que haver deficiente físico, era para ter uma raça pura perfeita germana e sem deficiência porque essa é a prova da eficiência da raça alemã. Na Itália, na hora de alfabetizar, a silabação, tudo era em torno do ‘grande Duce’ Mussolini. Tudo para enfatizar a figura do grande líder.”

Em outro momento, ele falou das influências dessa ideologia no Brasil, a exemplo da Ação Integralista Brasileira liderada por Plínio Salgado. Segundo Natanael, “um intelectual orgânico no sentido gramsciano e com mais bagagem que Mussolini”. Ainda segundo o professor, o fascismo traz para o campo da política a tríade Deus, Pátria e Família. “O lema nazista era um único deus, um único füher, uma única pátria. Quando se traz essa tríade para o campo da política ideológica, que são configurações importantíssimas na vida de todas as pessoas, o fascismo se utiliza dessas simbologias para encampar aqui que ele tem de mais perverso e mais destrutivo que é o seu caráter de intolerância, totalitário, militarizado, que não admite a diferença”.

O presidente da Aducape relembrou ainda de outro momento histórico em que o Brasil esteve sob influência do fascismo. De acordo com ele, o ex-presidente Getúlio Vargas foi um entusiasta dessa ideologia e a implementou quando criou o chamado Estado Novo, em 1937, interrompendo eleições presidenciais. Nesse período, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o Congresso Nacional deixou de funcionar e uma nova Constituição “de teor nazista” foi outorgada. “O fascismo e o nazismo não levaram a humanidade à soluções, levaram à 2ª Guerra Mundial”, concluiu Natanael.

Na sequência, o professor Afonso Chaves voltou a falar dos sinais do fascismo antes da chegada ao poder. “A consciência do crime é um sintoma da preservação da humanidade de alguém”, disse ele citando Dostoevski ao iniciar sua explanação. “Em função de muita coisa que vem sendo dita, de atitudes que vêm sendo tomada, essa consciência do crime começa a se desvanecer, pelo menos por parte de alguns. Isso tem muito a ver com o fascismo”.

De acordo com Afonso, que é doutor em sociologia, o fascismo não está restrito à experiência italiana. As práticas podem surgir em outras sociedades. Ele citou como exemplo um caso de uma médica do Rio Grande do Norte que rasgou uma receita médica da paciente que tinha uma preferência política diferente da sua. “Isso está embutido na sociedade quando alguém pergunta ‘que camisa é essa que você está vestindo?’ Eu assisti a isso e não foi agora por esses dias. Foi de antes. Isso é bom para a gente saber que este cenário que a gente vivencia ele não nasceu nesta véspera de segundo turno não. Isso já vem sendo produzido, vem sendo alimentado.

Ele enfatizou também que o fascismo não se dá apenas com a chegada ao Poder. “Ele se compõem como imaginário social, os indivíduos se sentem motivados por aquilo e tomam aquilo como sendo o caminho da verdade e passam a replicar. O fascismo, em todos os lugares em que foi implementado, em boa medida, teve muita anuência da sociedade. Só um lugar em que o fascismo se implantou onde houve uma disputa muito aguerrida, sangrenta, que foi na Espanha”.

Afonso explicou ainda que o fascismo consiste em querer eliminar aquilo que é ponto de discordância daquilo que é convencionado como verdade por esta ideologia. “Podem abrir suas redes sociais e observar que quem não comunga dessa escolha (ele se refere a Bolsonaro) vai ser tratado por ‘imundo’, ‘bandido’, ‘corrupto’, ‘criminoso’…é uma linguagem violenta e procura, de alguma forma, apagar o outro da paisagem social”.

Ao final da sua explanação, Afonso fez uma análise sobre essa nova onda conservadora que está se manifestando em várias partes do mundo a exemplo da eleição de Trump, o Brexit, a crise dos refugiados na Europa central. Para ele, a crise do mercado imobiliário americano em 2008 ainda provoca consequências na política. “Eu desconfio que a explosão dessas alternativas ‘fascistizantes’ ao redor do mundo de corre disso. O dinheiro vem procurando uma forma política que dê conta de sua necessidade de acúmulo”.

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