Educar com sentido para uma Educação dos Sentidos
|(Comentário das palestras do ensaísta, poeta e biblista português José Tolentino Mendonça, na Unicap)
Por Artur Peregrino
Mestre em Antropologia pela UFPE; prof. do Curso de Teologia na Unicap; integrante do Instituto Humanitas Unicap; pesquisador do Grupo de pesquisa UNICAP/CNPq Religiões, identidades e diálogos, na linha de pesquisa Diálogos inter-religiosos. E-mail: arturperegrino@gmail.com
Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso (Fernando Pessoa).
A Bíblia é um grande código do homem ocidental. Não é preciso ser crente para ler a Bíblia. Muitas vezes desconhecemos o que é substantivo. Bíblia sagrada. Bíblia é substantivo e não adjetivo. Devemos olhar para a Bíblia não só como um texto confessional, mas como um grande laboratório de humanidade, dizia-nos Tolentino. Um texto é sempre um espelho e uma janela. Cada texto é como um rasgão que se abre na parede. “O texto está aí em silêncio”.
Ler é expor-se ao texto. A leitura da Bíblia deve aceitar a complementaridade. Ler a Bíblia é uma situação de pobreza. Sempre sabemos menos que o texto.
É possível aproximar São Paulo de Fernando Pessoa? Interpelou nosso palestrante, o qual iniciou falando de São Paulo e cita o livro dos Atos dos Apóstolos, capítulo 17. Paulo vai a Atenas. No discurso do Areópago, Paulo elogia a sabedoria dos atenienses. Fazer ver o que aparece é o diálogo entre fé e cultura. Paulo valoriza o que encontra. Quando vem de Jerusalém não quer acabar com o que encontra em Atenas.
Jerusalém era uma cidade compacta, onde há a junção dos elementos essenciais para uma cidade autossuficiente, ou seja, uma cidade-modelo para a humanidade. Enquanto Atenas é uma junção de muitas culturas, Atenas é a cultura de todos os tempos. É aí que Paulo procura fazer um discurso numa linguagem inteligente e inteligível. Tolentino faz ver que hoje se tem muitos documentos eclesiásticos que são inteligíveis. Hoje, há uma dificuldade de linguagem.
Paulo valorizava a cidade de Atenas e a respeitava por ser uma cultura de todos. Uma civilização diferente. Paulo percebe que a cultura, a literatura, torna-se a grande questão de diálogo e propõe um discurso que supõe o diálogo. Usa a expressão “mesmo tateando procuramos Deus”. Pedagogicamente Paulo vai falar do altar, em Atenas, “ao Deus desconhecido” (Atos 17,23), cita poetas, não cristãos, para legitimar o seu discurso. A partir daí Tolentino afirma que o teólogo não pode conhecer somente o seu quintal. É de fundamental importância ver a arte, não para enfeitar, mas para manifestar a verdade. São Paulo nos ensina que a literatura é um lugar teológico.
Tolentino passou a falar de Fernando Pessoa afirmando que ele é uma pessoa universal. Pergunta: como foi possível acontecer? É que Fernando Pessoa mostra, diante do ponto de vista espiritual, a crise do mundo moderno. Coloca questões para o homem moderno. Revela a dificuldade do Ser Humano moderno de SER, de se definir como pessoa.
Um dado curioso é que Fernando Pessoa tinha uma excelente biblioteca sobre a pessoa de Jesus Cristo. Descrevendo a pessoa de Fernando Pessoa, Tolentino cita Terêncio: “Nada do que é humano me é indiferente”. Isso para dizer que Fernando Pessoa viveu essa dimensão. Cita, como poema mais famoso, Tabacaria. “Eu ouvi a voz de Deus num poço fechado, na capoeira…”. Tolentino enfatiza que, hoje, o sagrado se encontra em muitos sítios. Hoje não está no normativo. A literatura prepara o coração humano para viver o espiritual. Deus não é invisível. Mostra a fé como um estado fisiológico. Literatura, poesia e arte. Os artistas são importantes porque não reduzem a verdade a uma questão moral. O forte é tomar a verdade na experiência.
É fundamental adquirir a capacidade de entender sem reduzir. Cada pessoa é indecifrável. Fernando Pessoa é indecifrável.
Tolentino insistiu no treinamento dos sentidos. Exercitar os sentidos. Seguir o ritmo da vida: tocar, emocionar… Valorizar as interpelações do cotidiano. Estabelecer os laços com o lugar. O jardim está aí, dizia ele. Os sentidos e os contatos são terapêuticos. Na comunidade, aprendemos a interdependência. Dependemos uns dos outros. E nessa estrada passamos por quatro fazes. A saber: 1. Eu perdi a vergonha de pedir ajuda; 2. Transformar a vulnerabilidade em força; 3. Transformar a vida em poesia; 4. Aprender a tocar a realidade.
Li o livro A leitura infinita: A Bíblia e a sua interpretação de José Tolentino Mendonça (PE, Unicap / SP, Paulinas, 2015). Um escrito de erudição e simplicidade. A caminho dos 75 anos da Unicap, a melhor forma de caminhar é de mãos dadas, oxalá, saibamos perscrutar o sacramento do caminho.