Boletim Unicap

Juiz Baltasar Garzón participa de congresso internacional sobre os 50 anos do golpe na Unicap

O Congresso Internacional 50 anos do Golpe e a Nova Justiça de Transição no Brasil, que é realizado na Universidade Católica de Pernambuco pelo Instituto Humanitas Unicap, Gajop, Governo Federal e Governo do Estado, chegou ao quarto dia com um concorrido debate sobre a anistias, impunidade e os crimes contra a humanidade. Paulo Abrão, que é presidente da Comissão de Anistia, coordenou a mesa.

O auditório G2 da Unicap estava completamente tomado por pessoas que queriam ouvir as palestras do coordenador-geral da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara, Fernando Coelho; do procurador federal da Argentina, Pablo Parenti; da cientista política  da Universidade de George Mason e Wola nos Estados Unidos, Jo-Marie Burt; e do juiz da corte interamericana de direitos humanos, Roberto Caldas.

O grande destaque da manhã desta quinta-feira (13) foi o renomado juiz espanhol Baltasar Garzón, que ficou conhecido mundialmente ao emitir uma ordem de prisão na década de 1990 contra o ex-presidente do Chile Augusto Pinochet  pela morte e tortura de cidadãos espanhóis. Ele falou sobre a relação da sociedade com o terrorismo e a relação do governo com a sociedade sob a ótica da Justiça.

Em entrevista ao jornalista Tércio Amaral, do Diario de Pernambuco, ex-aluno de Jornalismo da Unicap, Garzón disse ver nas comissões da Verdade instaladas no Brasil um componente a mais para a reparação do que foi vivido nos anos da ditadura militar (1964-1985). O trabalho delas, assim como a anistia ainda em vigor no Brasil, segundo ele, não deve substituir a ação da Justiça. “As comissões da verdade são, digamos, um mecanismo de Justiça restaurativa que deve ser completado com alguma ação da Justiça que proponha uma reparação inteira da vítima”, disse.
O ex-juiz disse enxergar nas comissões da verdade um avanço. O mesmo não aconteceu na Espanha no período em que o general Francisco Franco esteve no poder (1939-1976), apesar das atrocidades registradas na época.”O franquismo segue presente, e no momento em que deixam ele se manifestar, ele se manifesta. Perdura a sensação de que não foi um regime mal, que trouxe coisas boas”, disse.
Confira a entrevista: “As dificuldades são as mesmas”Qual sua avaliação sobre o trabalho das comissões da verdade e da Lei da Anistia ainda em vigor no Brasil? Hoje se fala muito da reparação histórica, mas há grupos que defendem que os torturadores sejam levados para trás das grades. Como o senhor avalia isso? A reparação histórica é suficiente?
O trabalho das comissões da Verdade e também a anistia são componentes a mais de reparação. Não quer dizer que tenha que substituir a ação da Justiça. Mas quando ela não se produz, as comissões da Verdade são um instrumento válido de reparação. Porém, do meu ponto de vista, (esse trabalho) sempre tem que ser completado durante e depois ou antes com a ação da Justiça. As comissões da Verdade são um mecanismo de Justiça restaurativa que deve ser completada com alguma ação da Justiça que proponha uma reparação inteira da vítima.

Houve prisões de gente importante em países da América Latina, como Argentina e Chile. No Brasil isso não aconteceu. O que faltou para a Justiça avançar no país?
O que se sucedeu no Brasil é que durante muito tempo a ação, a aplicação da Lei de Anistia foi total e absoluta e a ação da justiça não foi questionada. Em 2010, quando a Corte Interamericana decidiu no caso da Guerrilha do Araguaia que uma Lei da Anistia não impede a investigação nem pode eliminar o dever de investigar, iniciou-se todo um movimento muito importante que reivindica as ações de uma justiça restaurativa e da Justiça Penal. Acredito que todas as ações contribuem para acontecer em casos em que existam elementos comprobatórios, uma resposta da Justiça. Cada país é diferente. O que acontece na Argentina dificilmente vai se reproduzir em outro país. Porém eu creio que estamos em tempo de buscar essas respostas e, sobretudo, para que os culpados tenham a obrigação de prestar contas diante das vítimas e isso deve ser em esfera judicial.

O senhor ficou famoso no mundo inteiro por causa do mandato de prisão de Augusto Pinochet, em 1998, mas o senhor saiu do judiciário na Espanha e não é mais juiz. Hoje, como advogado, identifica os principais gargalos da Justiça em punir esses crimes da ditadura?
As dificuldades seguem sendo as mesmas. O poder Judiciário geralmente é um poder conservador e isso o leva a tomar decisões pouco comprometidas no sentido de que sempre possam estar de parte da não investigação, de deixar para depois qualquer decisão que possa significar um risco para o status quo. O que sucede é que, às vezes, a ação de um fiscal, de um juiz põe em movimento todo um mecanismo. Isso é o que ocorreu a seu momento na Espanha, o que ocorreu em Guatemala e o que ocorre em Argentina, Chile… Quer dizer, às vezes a ação de apenas um determina que um mecanismo se ponha em movimento e aí não para mais. É como vejo as coisas de um lado e de outro. Evidentemente, o Judiciário tem o poder da decisão, de determinar investigação. De alguma forma, você marca esses limites da decisão dentro da legalidade. Você pode cumprir a lei fazendo pouco ou fazendo muito. No meu caso, sempre pensei que no campo de proteção aos direitos humanos sempre é preciso fazer tudo o que é possível. E desde o ponto de vista do ativismo dos direitos humanos e como advogado, defensor dos direitos humanos, é possível fazer muito e exigir essa dinâmica de proteção integral das vítimas.

Em relação à Espanha, faz um tempo que o franquismo acabou. Mais tempo que a ditadura no Brasil. Só que não há comissões da Verdade lá como existem no Brasil. Qual a questão na Espanha?
O problema é que na Espanha o franquismo não acabou. O franquismo segue presente e no momento em que deixam ele se manifestar, ele se manifesta. Perdura essa sensação de que não foi um regime mal, que trouxe coisas boas. Essa falta de sensação de repressão que se pôs, ainda mais quando considera algo que já passou, nos conduz a mais clara impunidade. Os progressistas pensaram em um determinado momento que a transição e o “olhar para a frente” era o melhor para a Espanha e, sem dúvida, creio que se equivocaram porque seguimos no mesmo lugar falando da memória e da justiça sem avançar. Somente um pequeno avanço houve que seria a Lei da Memória Histórica, de 2007, mas que hoje o atual governo a mantém praticamente paralisada por falta de recursos.

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