Pesquisador belga analisa sinais de perversão na sociedade
|O pesquisador belga Jean Pierre Lebrun é uma referência na Europa quando o assunto é relação familiar. Ele está na Universidade Católica de Pernambuco participando do Colóquio Sobre Metapsicologia da Perversão, que será realizado até esta quarta-feira (28), em parceria com a Universidade Católica Oeste Angers (França). Atendendo a um convite do Laboratório de Psicopathologia Fundamental e Psicanálise do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Unicap, Lebrun ministrou um minicurso e entre uma conferência e outra concedeu uma entrevista especial ao Boletim Unicap.
Boletim Unicap – O que caracteriza a perversão?
Jean Pierre Lebrun – A perversão é uma estrutura psíquica que visa essencialmente à satisfação. Ela se serve do outro, sem perguntar o ponto de vista, se estar de acordo, o que quer que seja. Ela desmente também a diferença de sexo ou de geração. Esse é o perverso doente. Mas hoje existe essa noção de perversão que pode também designar sujeitos sem serem doentes, mas organizados por este funcionamento. Trata-se de uma tendência, sem que haja uma patologia.
B.U – O senhor poderia dar exemplos práticos de sujeitos sem sinais de patologia, mas que manifestam algum tipo de perversão?
Lebrun – Por exemplo, o sujeito obeso (saliento que isso não vale para todos os obesos). Mas a pessoa que se deixa comer até tornar-se obesa perverte de qualquer modo aquilo que venha a servi-la, no caso, o comer.
B.U – Como a clínica psicanalítica vem lidando com a perversão ao longo do tempo?
Lebrun – O analista, frequentemente, não identifica os grandes perversos. Ele os conhece quando os perversos praticam atos repreensíveis, passivos de serem punidos pela sociedade. O doente perverso não tem necessidade do psicanalista. Em contrapartida, o perverso mais democrático, esse o qual eu chamo “comum” é alguém que sofre por conta dessa perversão. Exemplo: a criança que não resiste em parar de comer sofre por sua obesidade. Tal sofrimento vem quando a obesidade impede um contato social interessante.
B.U – A sexualidade parece ser um terreno fértil no campo da perversão. Por quê?
Lebrun- De fato, a perversão é um campo fecundo para a sexualidade porque desde Freud nós sabemos que a criança é, como ele disse, um perverso polimorfo. Ele quis dizer com isso que existe uma sexualidade na criança. Que a maneira dela se satisfazer, parcialmente, é a de encontrar maneiras de fazer perversões, como a obesidade, o sadismo… Em contrapartida, Freud insistiu bastante que nós não compreenderíamos a sexualidade adulta se não se compreende o que é esta prática perversa. Elas (as perversões) fazem parte da sexualidade humana.
B.U – O senhor traçou um panorama da sexualidade em formação. Por que depois de adulto, muitas pessoas buscam no sexo uma maneira concreta de pervertir seja pela pedofilia, necrofilia, zoofilia, práticas condenáveis pela sociedade?
Lebrun – Evidentemente, é preciso ver caso a caso. Mas pode se todo modo pensar que na patologia perversa todas as satisfações são submetidas inteiramente a ele mesmo, ao perverso. Ele não leva em conta nada além disso. Para o pedófilo, a criança só lhe interessa enquanto objeto de satisfação. Evidentemente, neste momento, ele se choca contra a lei. O perverso doente só pensa em si mesmo e por ele mesmo.
B.U – Saindo do âmbito da sexualidade, podemos encontrar sinais de perversão em outros contextos sociais, como no consumo?
Lebrun – Eu penso que cada vez que uma atividade humana é desviada de seu objetivo, de trocas inter-humanas, quer dizer, de relações com o outro, tem se o modelo da perversão. Quando objeto que você quer comprar, que deve servir pra você ou que você deseja oferecer como presente, não satisfaz esse objetivo, acaba sendo um modo de perversão.
B.U – Então podemos concluir que a perversão é parte importante na ‘psiquè’ humana?
Lebrun – Sim, absolutamente. A perversão é de todo modo algo muito importante. Não podemos deixar de levá-la em consideração. É uma maneira que nós temos de funcionar e que, hoje em dia, parece estar colocado na dianteira, ao analisar pelo funcionamento de nossa sociedade.