Boletim Unicap

Padre Paulo Meneses por ele mesmo

Quem foi o Padre Paulo Meneses? Com certeza não irão faltar adjetivos para descrevê-lo. Abaixo você confere o texto escrito pelo próprio religioso e publicado no livro Homilias Dominicais sobre seus 50 anos servindo a Cristo e ao seu evangelho.

50 ANOS DE ALEGRIAS

Quando, em 1990, completei 50 anos de jesuíta, respondi a uma insistente pergunta: que fazia eu para, nessa idade, estar ainda em boa forma, como se tanto tempo não tivesse passado. Agora, quando faço 50 de sacerdócio e 80 de vida, a estranheza continua, e a minha resposta é a mesma que dei então: é porque tenho sido muito feliz na vida religiosa e no sacerdócio, e quando se está feliz, o tempo desliza mas não desgasta, como sucede na angústia e no “stress”. Fui feliz na Serra de Baturité – Ceará -, que era então um paraíso ecológico, nos dois anos de noviciado e nos outros dois estudando letras clássicas. Os mestres eram bondosos e dedicados e nos incentivavam a mergulhar no estudo do Latim e do Grego, a escrever com estilo e falar com persuasão; e as literaturas clássicas e modernas proporcionavam viagens de deslumbramento.

Em 1944, fui ser feliz em Friburgo, primeiro aprofundando-me nas ciências exatas com um extraordinário sábio e pessoa humana admirável, Pe. Xavier Roser. Em seguida, foi a revelação da filosofia, que até hoje me fascina. Tive a orientação, e logo o diálogo que durou vida afora, até o ano passado, com o Pe. Henrique Vaz, o maior filósofo brasileiro e meu melhor amigo. É difícil comunicar-lhes a felicidade que o estudo filosófico me trouxe: mas podem crer que S. Tomás estava certo quando dizia que as alegrias do espírito são as maiores de todas.

Em 1947, vim para o Recife, onde estou até hoje, pois de cada transferência que tinha de fazer voltava sempre para cá, como se fosse o centro de minha vida; e de fato é o lugar em que me sinto em casa. Ensinei no Nóbrega uma variedade de disciplinas, pois, então, quase todos os professores eram da Companhia de Jesus. Já no começo de 51, fui fazer teologia em São Leopoldo. Quatro anos de descobertas e alegrias, aprofundando o estudo da bíblia e dos santos padres gregos e latinos, e tomando S. Tomás por guia de meus estudos. No fim de 53, recebi, com enorme emoção e alegria, o sacerdócio, que foi o sonho de minha vida, desde que o Pe. Tabosa, o santo do Ceará, pôs a mão em minha cabeça, quando eu tinha dez anos, e profetizou para minha mãe: “Esse menino vai ser um santo padre jesuíta”. O “santo” ainda estou devendo, mas em 53, já era, como sou, há meio século, sacerdote jesuíta.

Entretanto a Universidade Católica de Pernambuco se tinha constituído, e vim trabalhar nela pelo resto de minha vida. Quanta felicidade a Unicap me proporcionou, a começar pela alegria de estar contribuindo para que uma obra desse porte se firmasse em nossa terra. Interrompi meu ensino para fazer estudos em Paris (ciências políticas e direito público) e posso dizer que tive ali um dos períodos mais felizes e fecundos de minha vida.Voltei em 62, mas, já em 64, veio a ditadura militar, que exigiu minha saída do Recife e mesmo do país. Nada eu tinha feito de errado a não ser defender a doutrina social da igreja e, em especial, as novas Encíclicas de João 23, “Mater et Magistra”“Pacem in Terris” e podem crer que me senti feliz ao “sofrer perseguição por causa da justiça”, pois essa é uma das bem-aventuranças do sermão da montanha.

No meu exílio, ensinei em Portugal e no Chile, estudei no Líbano, países hospitaleiros em que fiz tantos amigos. Como os militares não me deixavam voltar ao Recife, fiquei uns anos no Rio, onde fundei um Instituto de Pesquisas, e me dei tão bem naquele mundo carioca, que ninguém acreditava que eu poderia sair de lá. Mas voltei para o Recife em 76, estive duas vezes na Amazônia estudando as culturas indígenas e, desde 78, trabalho na minha Universidade de sempre, com um breve intervalo de três anos para traduzir a enciclopédia do filósofo Hegel, de quem há mais de dez anos traduzi o livro mais famoso, Fenomenologia do Espírito. E fico muito feliz em ver que, com isso, dei uma contribuição das mais importantes para os estudos filosóficos no Brasil. Voltando de Baturité ao Recife, fundei um “Núcleo de Estudos para a America Latina”, lá na Unicap.

Tive a alegria de estar aqui, no Centro de Evangelização de Aldeia, desde o princípio, e de ter consagrado sua linda capela. Sou feliz em celebrar meus 50 anos de sacerdócio e 80 anos de vida com essa comunidade, a que me tenho dedicado com tanta alegria.

E se alguém me perguntasse se valeu a pena esse meio século no serviço de Cristo e de seu evangelho, responderia, adaptando Fernando Pessoa: “Valeu a pena? Tudo vale a pena / quando a causa não é pequena”. E pode haver a mínima dúvida de que nada se compara com a construção do reino de Deus, com a edificação do corpo místico de Cristo? Desde pequeno, meu pai me passou esta ideia, que norteara toda a sua vida: “nada há tão belo, tão grandioso, como abraçar a causa de Cristo, participar de sua missão redentora”. E nada mais feliz – eu não sabia então -, mas tive a vida toda para verificá-lo. Assim, tudo o que tenho a dizer é: “Graças a Deus”.

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