O conceito “consciência negra” surge com a organização de Estudantes da África do Sul (SASO), que teve como principal difusionista Steve Biko na luta contra a discriminação racial e, sobretudo, contra a política do apartheid sofrida pela população negra sul-africana.
O termo consciência negra está estreitamente ligado ao da consciência política. Para fazer avançar a luta dos povos negros era necessário, primeiramente, promover a auto-estima e o auto-conhecimento desses povos que ainda estavam aprisionados a uma história de opressão colonial, geradora de uma consciência de inferioridade e de subserviência. A essa consciência oprimida era necessária a sobreposição de uma consciência libertária, infundindo auto-estima, orgulho de ser negro e luta de resistência.
A exemplo das lutas dos povos sul-africanos, afro-americanos, entre outros, surge no Brasil, a partir da década de 30, diferentes movimentos de organização dos negros voltados, inicialmente, para as questões relativas à cultura nacional e, posteriormente, para as lutas organizadas contra a discriminação racial e social e a inclusão dos negros enquanto cidadãos brasileiros.
Nessa luta foi importante o reconhecimento e a instituição pelo Movimento Negro Brasileiro, do dia 20 de novembro – data em que foi assassinado o grande guerreiro Zumbi de Palmares – como o marco histórico das lutas de resistências dos povos negros no Brasil, em contraposição ao 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura. A esta última data está subjacente a ideologia oficial de que a emancipação negra não foi um produto de lutas e conquistas de protagonistas sociais negros, mas uma concessão do dominador branco.
Recentemente, a lei N.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu esse dia 20 de novembro no calendário escolar, aprofundando a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.
Portanto, há muitas conquistas, muitas vitórias a serem celebradas, mas há muitos desafios a serem enfrentados.
DESAFIOS PARA CONSTRUIR UMA NOVA CONSCIÊNCIA
1º – Romper o silêncio sobre o racismo no meio acadêmico brasileiro porque, como bem o observou o antropólogo José Jorge de Carvalho, “uma parte das resistências sobre a adoção de ações afirmativas, hoje, no Brasil se deve à ignorância e à desinformação, resultados do silêncio que a academia branca impôs a si mesma e à sociedade durante mais de um século, sobre a sua realidade interna de inclusão racial. Poderosos mecanismos de disfarce e silenciamento do racismo foram acionados constantemente no interior da academia. Somente agora, com a discussão das cotas, começa a abrir-se a cortina do racismo acadêmico propriamente dito. Já é hora, portanto, de perguntar: por que, após tanto tempo, temos universidades ainda tão brancas”?
2º – Apoiar as ações afirmativas para grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais e as mulheres, entendendo que tais políticas devem se consolidar nas universidades e em muitos outros espaços, em torno da adoção de regras, as mais adequadas possíveis e em diálogo com as avaliações das várias experiências concretas. As ações afirmativas, como políticas compensatórias, cumprem uma finalidade pública decisiva no projeto democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. São medidas concretas que tornam viável o direito à igualdade com a certeza de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e no reconhecimento da diversidade.
3º – Apoiar ações afirmativas significa dar apoio às políticas de reconhecimento. Sem dúvida, reconhecimento é um conceito fundamental para a nossa convivência social e política e uma necessidade vital para a democracia, pois implica reconhecimento entre iguais, inclui a preocupação com a dignidade humana e propõe o diálogo. O reconhecimento ativa o princípio da cidadania como “o direito a ter direitos”. Trazer este princípio para o centro de nossas atenções, significa preparar o terreno para derrubar o mito da democracia racial e construir, em seu lugar, uma democracia de direito e de fato, isto é, para todos.
4º – Erradicar o racismo que se disseminou por todo o mundo, caracterizando as políticas locais, nacionais e mundiais, o que levou Immanuel Wallerstein a afirmar que “nenhum canto do planeta está livre do racismo”. Este fato, se de um lado coloca a exigência de “fazer do anti-racismo a medida definidora da democracia”, por outro lado, impõe uma pedagogia política que define o modo mais eficaz para começar a lutar contra esse racismo que se globalizou, qual seja, tentar erradicá-lo do espaço local em que atuamos e onde ele tem se reproduzido secularmente: nas universidades brasileiras e nos discursos das nossas Ciências Humanas e Sociais.
5º – Dar respostas à sociedade brasileira que passou por um recente processo de democratização e que agora, mais do que nunca, olha para a academia não apenas à espera de soluções, mas com a expectativa daqueles que exigem um tratamento pautado por noções de igualdade, justiça como eqüidade, – isto sim, algo, até agora, alheio à nossa tradição histórica. Esses cinco desafios, assumidos pelo CEAB como pauta de sua agenda de prioridades, se somam à perspectiva de sua equipe que é a de CONSTRUIR UMA NOVA CONSCIÊNCIA que seja capaz de forjar novas práticas políticas e novas concepções teóricas acerca do problema racial no Brasil.
Centro de Estudos África-Brasil (Ceab) da Universidade Católica de Goiás
Goiânia, 20 de novembro de 2006
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