Quando música e religião podem transformar a realidade

Alto da Mina, comunidade pobre da Região Metropolitana do Recife, periferia de Olinda, onde o Pastor Paulo César Pereira (parceiro nosso, egresso do Mestrado em Ciências da Religião da Unicap), desenvolve atividades através da 1ª Igreja Batista dos Bultrins. Comprometido, motivado por figuras como Pe. Comblin (já falamos dele por aqui), Irmã Dorothy Stein, Dom Helder, dentre outros, desenvolve ações libertadoras naquela comunidade, das quais uma delas é a recuperação de crianças e adolescentes em um projeto musical com o violinista e maestro Israel de França. Todavia, além de necessitar de apoio para manter o projeto funcionando, como alimentação, fardas, instrumentos, manutenção, ajuda de custo para monitores e outras dívidas, Israel de França e Paulo César precisam de dinheiro para levar 25 crianças e adolescentes da orquestra para a Europa ainda neste ano, para continuar a perspectiva de esperança na transformação da realidade de uma vida melhor para esta comunidade. Veja a matéria completa publicada no Diário de Pernambuco, por Marcionila Teixeira.

Maestro Israel França quer levar sua orquestra a Granada, na Espanha, onde ele foi vítima de preconceito

O vento é fartura naquele morro. No mais, falta tudo no Alto da Mina, no bairro dos Bultrins, em Olinda. Composta por ladeiras íngremes e sem calçamento, a base do monte já teve água minando, daí o nome. Mas isso acabou há cerca de 20 anos. Sem opções de atividades de lazer e cultura na comunidade, crianças e adolescentes ficam desocupados no contraturno escolar. Em ambientes marcados pela ausência do Estado, é uma ociosidade perigosa.

Perto do ponto mais alto, é possível avistar uma pequena revolução. Ela se dá pela música. Mas precisa de ajuda para continuar. Há dois anos, Anderson Felipe Ferreira, com 14 anos, sentiu-se desafiado a entrar naquele projeto que punha nas mãos de jovens como ele instrumentos musicais. Viu alguém mais novo tocar um violino e disse para si mesmo: “Se ele consegue, eu consigo também”. Hoje, está entre os mais talentosos da Orquestra de Câmara do Alto da Mina. O próprio instrumento comprou graças à mobilização da mãe, familiares e amigos.

A orquestra é regida pelo maestro Israel de França, 52, que, na década de 1980, ainda menino, virou notícia internacional ao ser detido por policiais militares quando corria perto do Parque 13 de Maio, no Centro do Recife, com um violino nas mãos. Ele não queria se atrasar para uma apresentação musical. Na época, somente foi liberado após tocar o instrumento para provar que era realmente o dono. Nascido negro e pobre em Peixinhos, periferia de Olinda, virou adulto e, em 2012, viu o ato racista se repetir, desta vez na Espanha, onde mora há duas décadas.

Maestro e violinista da Orquestra de Camara Ciudad de Granada, ele foi espancado por policiais do Corpo Nacional de Polícia da Espanha quando caminhava por uma das ruas do bairro de Zaidin. Nunca houve explicação para a agressão. “Hoje, me vejo em cada um desses meninos e meninas. Também comecei pobre, com 13 anos”, diz o músico, que agora tenta angariar apoio para levar seus jovens alunos a se apresentar, junto com ele, na cidade que um dia foi símbolo de dor e decepção.

 

Apoio
Ao decidir ensinar música a meninos e meninas de periferia, o maestro tentou levar o projeto da orquestra para o bairro de Peixinhos, onde começou sua história como instrumentista, mas não conseguiu. O apoio no Alto da Mina veio do pastor Paulo César Pereira, 53, da 1ª Igreja Batista dos Bultrins. Há dez anos, a congregação tem uma casa na comunidade que funciona como base para os jovens do lugar. Somente há dois anos, o projeto de Israel chegou. As atividades acontecem de segunda a sexta-feira no horário da tarde. Os alunos também contam com apoio psicológico. “Antes do projeto, o pessoal não tinha outras possibilidades, a não ser o envolvimento com drogas”, analisa a psicóloga Thais Lopes, que trabalha há dois anos no atendimento.

Além de precisar de apoio para manter o projeto funcionando, como alimentação, fardas, instrumentos, manutenção, ajuda de custo para monitores e outras dívidas, Israel de França precisa de dinheiro para levar 25 crianças e adolescentes da orquestra para a Europa ainda neste ano. A hospedagem, diz ele, está garantida. Falta o dinheiro para as passagens, principalmente. “Na Espanha eles teriam aulas e fariam concertos ao longo de dez dias. Seria um grande aprendizado”, ressalta.

Alto da Mina resiste enquanto espera uma realidade melhor

O instituto capitaneado pelo maestro Israel acolhe hoje 50 estudantes de 7 a 17 anos. A iniciativa contrasta com o restante do cenário do Alto da Mina. O único espaço público de lazer para os 1,8 mil moradores é uma quadra inacabada. O serviço, dizia uma placa posta no lugar, custaria R$ 130 mil. O governo municipal, no entanto, fez apenas um chão de cimento. Faltou todo o resto. Intervenções indispensáveis, como telas de proteção, pintura, assentos e traves. Um dia, a quadra pela metade terminou ocupada por inteiro por uma população cansada de esperar.

Agora a quadra tem festa de swingueira, futsal, acrobacias com motos e também já teve assassinato, supõe-se que ligado ao tráfico de drogas. “Além disso, é o local onde a população coloca o lixo domiciliar que será recolhido pela prefeitura, sempre com irregularidade. Os problemas daqui são os mesmos de todas as comunidades carentes. Uso de drogas, desemprego, subemprego, ausência de serviços públicos. Não existe escola, posto médico, esgoto ou calçamento. Também falta perspectiva de um olhar com esperança para o futuro. Temos tentado mudar isso nos jovens”, enumera o pastor Paulo César.

Em nota, a Prefeitura de Olinda informou que o terreno localizado no Alto da Mina foi desapropriado pela gestão passada com a promessa de transformar o espaço em área de lazer e para prática de esportes, mas não deu andamento à obra. A atual gestão, através da Secretaria de Obras de Olinda, adiantou que encaminhou projeto para a comissão permanente de licitação. “A expectativa é que, em três meses, o processo seja concluído para que os serviços sejam iniciados no local”.

Enquanto aguardam uma nova realidade para sua comunidade, os meninos da orquestra, como a violoncelista Flavyane Kaline de Oliveira, 15, seguem esperando o dia em que viverão o sonho de se apresentar para outras plateias, longe de casa. “Estou muito ansiosa para viajar porque vai ser uma oportunidade para conhecer cidades novas e pessoas diferentes”, resume a musicista.

SERVIÇO
Quem quiser colaborar com a viagem da Orquestra de Câmara do Alto da Mina para a Europa pode depositar qualquer valor na conta do Instituto Maestro Israel de França

Banco do Brasil
Agência: 2365-5
Conta corrente: 77557-6
CNPJ: 24.669.270/0001-5

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