A história da tradução da Bíblia para o português marca abertura da Semana de Estudos Bíblicos

Os desafios da tradução da Bíblia e o histórico das edições nacionais do livro sagrado marcaram a abertura da Semana de Estudos Bíblicos na tarde desta segunda-feira (4), no auditório Dom Helder Camara. O evento, que tem programação até esta quarta-feira (6), é promovido pelo mestrado e pela graduação em Teologia da Universidade Católica de Pernambuco. Os temas foram debatidos pelo vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, Prof. Dr. José Tolentino; e pelo coordenador do Mestrado em Teologia da Unicap, Cláudio Vianney.

Tolentino é um biblista que se tornou bastante conhecido no Brasil a partir do livro Leitura Infinita, lançado aqui na Unicap em 2015. Nas discussões de hoje, ele fez um mergulho histórico na obra de João Ferreira de Almeida, considerado o primeiro autor lusitano a traduzir a Bíblia para o português. Tolentino organizou a explanação em três partes: na primeira, fez uma introdução ao contexto que levou João a decidir por traduzir a Bíblia; na segunda, abordou a história da tradução; e na terceira, tratou dos aspectos inovadores da tradução. “Uma grande aventura de fé e grande aventura de cultura. O tradutor mostra como a Bíblia é um livro aberto”.

Para o pesquisador português, a Bíblia foi essencial para a construção da consciência moderna. “O movimento de secularização é o movimento de afastamento do cristianismo, do judaísmo e da tradição bíblica”. Na visão de Tolentino, é justamente essa guinada na orientação que marca a modernidade. Entre os protagonistas dessas tentativas de mudanças, Tolentino citou o filósofo holandês Baruch Espinoza, considerado o fundador do criticismo bíblico. “A partir de cidades como Amsterdam e Rotterdam, o humanismo do renascimento passou a reivindicar a renovação dos estudos da teologia, da filosofia e as esquecidas línguas do livro”. Tal renovação passa necessariamente por uma revisitação às origens da Bíblia e é o que vai contribuir para a (re)significação dos escritos. “Para ser teólogo, é preciso mergulhar nas línguas antigas, nas línguas do texto. É preciso ir na fonte”.

O fato de João Ferreira de Almeida ser de uma região afastada dos grandes centros urbanos de Portugal, sem escolas ou bibliotecas, faz da obra dele uma verdadeira proeza. “Não se sabe muito sobre ele, como foi sua instrução e como ele ganhou competência linguística para traduzir a Bíblia. Há uma tradição que diz que ele era sobrinho de um eclesiástico e que esse tio teria o instruído para a tarefa que ele faria mais tarde”, explicou Tolentino, que falou sobre a hipótese de João ter sido judeu pelo fato de deixar Portugal para ir para a Holanda.

Ainda jovem, João Ferreira de Almeida seguiu para as Ilhas Índias, onde iniciou os trabalhos de tradução num contexto completamente adverso. “Ele vai traduzir a Bíblia para a nossa língua pago pelos holandeses porque o português naquele tempo era o inglês de agora. Os holandeses estavam interessados numa colonização comercial. Eles não queriam fazer uma inculturação e, por isso, deixaram que o português continuasse a ser a língua das Índias Ocidentais e Orientais”.

Percy e Luciana

Tolentino explicou ainda que, em certo momento, a nacionalidade portuguesa representou um problema para João Ferreira porque a confraria calvinista suspeitava que ele poderia ser um espião. “Os testemunhos que temos dele é impressionante. Ele visitava doentes, depois virou catequista e pregador. Mas o grande trabalho dele foi mesmo o de traduzir para a língua portuguesa o texto bíblico. Uma tarefa imensa que ele vai abraçar como a tarefa de sua vida”.

João mergulhou profundamente em pesquisas sobre as línguas gregas, hebraica e castelhana. Em 1652, na região hoje conhecida por Indonésia, nasceu a primeira tradução do Novo Testamento para língua portuguesa. Em 1681, saiu a primeira versão impressa do seu Novo Testamento. Mas o que seria uma proeza se mostrou uma grande decepção. “O livro estava cheio de gralhas e vai ser um sofrimento enorme para João Ferreira de Almeida. Ele vai emendar à mão a primeira edição”, detalhou Tolentino. João morreu em 1691, tempo suficiente para conseguir traduzir o Antigo Testamento até o livro de Ezequiel.

Brasil – A palestra teve continuidade com o Prof. Dr. Cláudio Vianney, que abordou as traduções da Bíblia feitas aqui no Brasil. O estudo é fruto de uma pesquisa que teve a colaboração de vários alunos ligados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). “A edição mais comum no Brasil, que mais exemplares tem, é justamente a de João Ferreira de Almeida. A Sociedade Bíblica do Brasil é a maior editora da Bíblia do mundo. Ela publica em diversas línguas e exporta”.

Vianney relatou várias traduções da Bíblia no Brasil. A primeira foi feita entre 1845 e 1847, sobre o Novo Testamento, no estado do Maranhão, e teve como tradutor o bispo Dom Frei Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré. Era português de nascimento. A segunda foi feita pelos franciscanos da Bahia, em 1900, a partir do 1º Congresso Católico Brasileiro. Traduziu-se o Novo Testamento e do Antigo, o Livro dos Salmos e do livro de Jó. A terceira se chama Traducção Brazileira e foi feita pelos protestantes com tradução do livro sagrado na íntegra. Começou a ser publicada em 1908 e foi terminada em 1917, com revisão de Rui Barbosa.

“Na década de 50 e 60, tivemos a Bíblia Ave Maria, a Bíblia que hoje se chama Mensagem de Deus, e a Bíblia Vozes. Nas décadas de 70 e 80, surgiram A Bíblia na Linguagem de Hoje e a Bíblia da Edição Pastoral. Na década de 90, foi a vez da Bíblia da CPB (Casa Publicadora Brasileira), a Bíblia de Aparecida e a última a Bíblia Paulinas, na qual trabalhei e o professor Tolentino também”.

Música – O público da abertura da Semana de Estudos Bíblicos foi recebido por Percy Marques no violão e a cantora carioca Luciana Marinho. Eles interpretaram duas canções de Fernando Pessoa (Na Ribeira deste Rio e Entre Sono e Sonho). Atendendo ao pedido do público de ‘mais uma’, eles terminaram a apresentação ao som de Carinhoso.

Publicado originalmente no Boletim Unicap.

Daniel França | 4 de setembro de 2017 | Últimas

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