Estamos celebrando doze anos do nosso Observatório e dez anos do seu Fórum Inter-religioso. Nesse tempo, desenvolvemos estudos e pesquisas procurando contextualizar as tradições de fé para favorecer a tradução e o aprofundamento dos significados simbólicos das suas crenças. Procuramos também mobilizar intervenções pedagógicas para unir as religiões no espaço público contra a intolerância cultural e em favor da ética do cuidado pela vida, inclusive sensibilizando as diversas religiosidades para pontos cegos de suas trajetórias, como as questões levantadas pelos sacrifícios rituais, pelos desafios ministeriais das mulheres e outros gêneros, pelo sentido contemporâneo dos mitos e doutrinas, pela liberdade de expressão e laicidade.
Todavia, um caminho que tem se destacado em nossa missão de refletir sobre a vivência pluralista do sagrado e favorecer ensaios de uma mística trans-religiosa é o das artes. Já promovemos encontros sobre cinema e religiões e sobre arte e religião, com grande sucesso. Por isso, neste período de aniversário, estamos ganhando um presente de Adélia Carvalho, uma das meninas do nosso grupo de estudos: a mostra das suas pinturas na Biblioteca da UNICAP, aberta ao público de 12 a 30 de setembro. Com o mote “O vento sopra onde quer“, a exposição conta também com banners das religiões e dos valores comuns às tradições espirituais, resultantes dos estudos do Observatório, tem uma acolhida carinhosa de Jaíse Leão e a sua equipe de bibliotecárias e a curadoria de Zélito Passavante.
E a artista? A irmã Adélia é missionária salesiana e também artista plástica: transmite espiritualidade pela arte, como pinta a sua vida religiosa com a maior beleza. É uma Artista da Caminhada, retrata em seus quadros engajados a vida sofrida das nossas Severinas e Severinos, mas sobretudo simboliza a esperança do povo afrolatíndio de alcançar justiça socioambiental, em uma sociedade de Bem Viver. A irmã é também animadora de Comunidades Cristãs de Base e facilitadora do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, onde desenvolve aprendizagens lúdicas para sermos mais descentrados e cuidadosos com os outros.
Seus quadros, como os dos textos sagrados bem interpretados, destacam as figuras humanas: para revelar que ali na esquina está o divino e nos olha, naquela prisão, hospital ou favela… Onde a carne sofre, aí está Jesus, crucificado; onde a carne ama, cuida e se relaciona, aí está o Cristo, glorificado.
Adélia é uma pessoa íntegra, de gestos ternos e traços que encantam. Ensaia a estética de um outro mundo possível, onde a própria espiritualidade cristã transborda e se torna relacional e inclusiva, rompendo fronteiras entre sagrado e profano, criando pontes alterativas entre identidades que se estranham. Suas figuras tão humanas, que só podem ser divinas, vivem fazendo roda e dançando ciranda, criando um vazio entre diferentes culturas e religiões. A pintura de Adélia sugere sempre espaço para um misterioso “terceiro”, entre e além, entre-lugar. E por isso desperta para a mais autêntica mística.
Esse “terceiro incluído” na sua arte remete à busca de um outro nível de realidade, àquela ética de amorosidade, que pode religar pessoas antagônicas em uma fé que se faz silêncio ou atitude de cuidado pelos outros e pelo nosso meio ambiente. A Irmã Adélia ajuda a gente a entrecruzar caminhos entre e para além das religiões formais. Pois, afinal, os templos apontam para o além: se ficarmos apenas olhando os templos, perderemos o céu estrelado e o seu reflexo: em nosso interior, na natureza e na história, nos olhos do outro. Obrigado, Adélia!
Gilbraz Aragão,
Coordenador do Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife.