AS IDENTIDADES CONTEMPORÂNEAS DE LUCILA NOGUEIRA
Palavras-chave:
Poesia contemporânea, Poesia contemporânea , Lucila NogueiraResumo
Lucila Nogueira, poeta carioca-pernambucana, teve os pés bem fincados em Pernambuco, mas com as antenas ligadas no mundo inteiro. Viveu e influenciou diversos panoramas literários, da Geração 65 à literatura contemporânea. Assumindo uma voz feminina emancipada (embora não abraçando, diretamente, o feminismo) com aspectos de performance e teatralização (dramaticidade), tomou posturas corajosas, inclusive em sua vida pessoal. Lucila Nogueira, em sua primeira fase (de Almenara (1979) até Imilce (2000)) trabalhou História e Mitologia. Por outro lado, na sua fase pós-moderna, especialmente os livros Refletores (2002) e Desespero blue (2003), a autora cria personagens fragmentários, vazios, tediosos, ansiosos e niilistas, com identidades indefinidas, bem ao estilo contemporâneo. Mesmo sendo livro de estreia de Lucila, Almenara (1979) já traz uma poesia madura, demonstrando profundo eruditismo e senso do papel indispensável de poeta como tradutor do mais sublime e intraduzível em linguajares cotidianos. Assim, seu livro mereceu os seguintes elogios de críticos como Audálio Alves: Lucila Nogueira, publicando o seu primeiro livro sob o título Almenara, conseguiu um feito bastante singular: oferece-nos uma poesia isenta de facilidades, aguda e, sobretudo, sem sinais denunciadores da sua situação estreante (NOGUEIRA, 1979, p. 103). Em concordância com Alves, Feliciano de Mira, em comentário ao livro organizado por Cervinskis (2021), comentará acerca da linguagem simbólica e o uso de conotações, trabalhadas em toda sua obra, indicando a expressão de identidades múltiplas, como a galaico-portuguesa: As figuras da linguagem poética de Lucila Nogueira estão carregadas de simbolismos arcaicos e metáforas que apresentam múltiplas significações e grande musicalidade, dentro de uma imaginação vivencial com rupturas comprometidas, mas sem subverter a gramática normativa. [...] É nesse sentido que encontramos, nos seus escritos, referências que remetem para a identidade ancestral galaico-portuguesa, para a busca de outras Américas ou para a rota de navegação africanista (MIRA citado por CERVINSKIS, 2021). Igualmente, num tom melancólico bem lusitano, como uma liturgia de horas, Livro do Desencanto (1991) foi a quinta obra da autora, ainda na fase inicial de sua carreira, logo após Almenara (1979), Peito Aberto (1983), Quasar (1987) e antes de A Dama de Alicante (1990). Assim, desde os primórdios de sua criação poética, a autora revela esse caráter fragmentado, oscilante, feliz e triste, num ciclo constante de abertura e fechamento às realidades duras de trabalho, família, do “mundo transitório” dos versos citados anteriormente (“Pedir condenação num mundo transitório/ tirar de sua casa, trabalho, amada ou filhos”), demonstrando uma falta de aceitação de coisas desagradáveis que a cercam desde a infância. Isso ajudará na análise do desenvolvimento de suas personas poéticas pós-modernas e contemporâneas. Sob o aspecto mitopoético da obra de Lucila Nogueira, em resumo, todas essas personificações, na verdade, demonstram uma só personagem literária. A “dama de Alicante” é a mesma apresentada em Ilaiana, que é a mesma que já aparecia em Almenara, através de diversas representações, e consolidar-se-á no restante da tetralogia ibérica nos livros Imilce (2000) e Amaya (2001). Nesse sentido, entre outros, um de seus livros mais emblemáticos – tanto pelos aspectos interculturais quanto mitológicos, Estocolmo (2004) representa o fechamento do ciclo mítico performático, a partir de falas deambulatórias pelas ruas da capital sueca, que dialogam com vários tempos e personagens do século XVIII, culturas arcaicas desde os livros de Odin sobre as quais paira a alegoria da völva, figura emblemática, que se confunde com a própria poesia em seu uso de sibilas para profetizar. Sua fase pós-moderna, especialmente nos livros Refletores (2002) e Desespero blue (2003), desvenda a criação de personagens fragmentários, vazios, tediosos, ansiosos e niilistas, com identidades indefinidas, bem ao estilo contemporâneo. Lucila Nogueira cria personagens que encarnam estéticas pós-modernas, com a espetacularização que caracteriza grande parte da poesia atual. Sem dúvida, tal característica de superação poética faz parte de sua personalidade peculiar e especial, que encantava seu público leitor, despertando amor e inveja, mas nunca indiferença, para com a sua poesia. Com Refletores (2002), Lucila Nogueira lança-se à empreitada de mudar o rumo de sua poesia, ao abraçar características pós-modernas, afastando-se das perspectivas histórico-mitológica de seus primeiros livros. “Punk” e intercultural (Estocolmo, 2004; Poesia em Houston, 2013) ou “camp” (Refletores, 2004), niilista/tediosa (Desespero blue, 2003) e provinciana ou virgem, como em Casta Maladiva (2009). Por outro lado, podemos perceber fortemente, na poeta, a tendência de misturar os gêneros épico, dramático, lírico e narrativo, especialmente com a criação e personagens em obras como Imilce (2000), Ilaiana (1997), Ainadamar (1996) e Amaya (2001), além de elementos em livros de sua primeira fase poética: Almenara (1979), A Dama de Alicante (1990) e O Livro do Desencanto (1991). O fundamental é que essa passagem do semântico para uma espécie de estado vital do significante, tal como a aparição de novos signos (GLUSBERG, 2009), seja através de temas clássicos ou contemporâneos, como uma música de Beethoven ou a personagem que foge do namorado e dorme no telhado no poema XI de Refletores (2002). Desse modo, trabalhando temas clássicos e contemporâneos, a autora assume uma postura aberta para o novo, conciliando contrastes, numa poética que ressignifica espaços e tempos, transformando-se, por exemplo, numa “cantora pop”. É numa atitude que não deixa de ser pop e, portanto, transgressora das convenções, reconhece em si uma cantora que vê em seus próprios poderes um perigo à vista. [...] bate Beethoven/ amo-te assim na boca do teclado/ subindo pela cauda de um piano azul” (NOGUEIRA, 2002, p. 14). Thiago Soares (apud NOGUEIRA, 2002) classifica tal personagem que a poeta assume, nesses livros da fase contemporânea, como “camp”; ou seja, extravagante e exagerada, à semelhança do estilo queer (transsexuais artistas) em seus shows. Comparando Lucila à personagem Dulce Veiga (Caio Fernando Abreu) e Maria Bethânia, como também a outras divas da MPB, Soares vai perceber em seus versos um cunho “cinematográfico, teatral e televisivo”. Essa “mise-em-sciene” pós não nos surpreende. Como vimos um pouco atrás, desde A dama de Alicante, Lucila Nogueira cria personagens em seus poemas, numa hibridização de gêneros lírico, dramático e epopeico (como em Imilce, 2000), numa atitude não muito convencional entre os escritores de sua geração. Especialmente em Refletores, a personificação é de uma cantora, uma performer, uma artista que se embriaga em seu palco com aplausos e perturbação de seu público ao demonstrar toda sua ousadia e talento Com base em Baudrillard (2001), Hutcheon (1991) e Glusberg (2009), defendemos que a poética de Lucila Nogueira é representada por múltiplas identidades, com feições multiculturais e globalizadas, através da mimetização de personagens mítico-historiográficos e performáticos. Nossa análise basear-se-á na fortuna crítica de Lucila Nogueira, formada principalmente pelas orelhas e prefácios de seus livros, além de Hoffman (2007) e Cervinskis (2008; 2021a; 2021b; 2023). Assim, detentora de uma poética toda diversificada e original, a autora é um dos grandes nomes da nossa literatura nacional, representando internacionalmente o país, realizando intercâmbios culturais em Recife e fora desta cidade com poetas do mundo inteiro.É uma das grandes vozes de nossa poesia contemporânea (entendendo-se esse período de recorte de 1960 para os dias atuais do século XXI), relacionando o mito e o pós-modernismo, o clássico e o novo, as narrativas ancestrais e hodiernas.
Referências
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