A Associação Brasileira de Antropologia, por meio de sua Comissão de Assuntos Indígenas, vem a
público manifestar-se sobre a inédita sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
condenando o Estado Brasileiro por violações de direitos humanos no processo de demarcação e
regularização fundiária da Terra Indígena do povo Xukuru do Ororubá. Avaliamos este caso, como de
singular importância para a garantia dos direitos indígenas no Brasil.
O caso da demarcação da Terra Indígena do povo Xukuru não pode ser tomado como uma situação
isolada no contexto da política indigenista brasileira. É representativo do que acontece com diversos
outros povos indígenas – a exemplo dos Guarani, Guarani-Kaiowá, Terena, Kaingang, Pataxó, Pataxó-
Hã-Hã-Hãe, Tupinambá, Tapeba, Tremembé, Potiguara, Fulni-ô, Gamela, Munduruku, Anacé, Tuxá e
Pankararu. Todos esses ocupam hoje áreas diminutas, superpovoadas e intensamente invadidas e
degradadas, em vários estados da federação.
Consideramos que o aparato jurídico-institucional de amparo aos direitos indígenas no Brasil – em que
pesem os avanços da Constituição Federal de 1988 – vem sofrendo um ataque coordenado nos últimos
anos, com tentativas emanadas de diversos setores e poderes de suprimir ou cercear a realização desses
direitos, seja no âmbito administrativo, seja no judicial.
Mesmo que a legislação brasileira traga importantes garantias aos direitos indígenas, isso, por si só, não
é suficiente para a concretização desses direitos. É necessário ter instrumentos de estado eficazes e se
empenhar na materialização desses direitos. Infelizmente, observamos que os órgãos responsáveis pela
proteção destes direitos se encontram muito vulneráveis às pressões e ingerências de setores antiindígenas.
A demora na conclusão dos processos demarcatórios de Terras Indígenas é resultado de uma conjunção
de fatores que tem prejudicado imensamente a efetivação dos direitos dos povos indígenas. Podemos
destacar o sucateamento orçamentário e de pessoal do órgão indigenista; os lobbys e pressões de
grupos contrários aos interesses indígenas, tanto no Congresso Nacional (PEC-215, entre outras
medidas), quanto em esferas da administração pública. O resultado é a instrumentalização de espaços
políticos para a anulação ou redução de terras já demarcadas. Tais são os casos das “mesas de diálogo”
e do parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), que determina a adoção do “marco
temporal” nos processos de demarcação, bem como o indiciamento de lideranças e movimentos
indígenas e a impunidade de crimes cometidos contra os povos indígenas.
Frente a esse contexto político nacional extremamente negativo, a notícia dessa condenação em tribunal
internacional sinaliza para a reprovação das práticas legais e extralegais mobilizadas pelo Estado e/ou
por grupos que têm acesso privilegiado a este, na tentativa de tolher a concretização dos direitos
territoriais dos povos indígenas.