“Bela, Realizada e Feliz” – O estereótipo que oprime as mulheres no séc. XXI.

Por Andrea Almeida Campos
Professora de Direito – UNICAP
Conselheira da Cátedra Dom Hélder Câmara de Direitos Humanos
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O estereótipo de fato, opressor, ditatorial e angustiante para a mulher do séc. XXI é o “Bela, Realizada e Feliz”  Fácil detectar esse fenômeno quando sabemos que vivemos, atualmente, na sociedade do espetáculo, da imagética, do narcisismo dos “selfies”. E, claro, que o estereótipo também esmaga os homens. A primeira vez que constatei de modo incontroverso o fenômeno, eu ainda morava em São Paulo. Não havia ainda o Facebook, mas a febre da revista Caras. Um amigo meu, profissional famoso, teve o seu filho sequestrado. Ele quase foi aniquilado pela dor. Acompanhei como amiga o seu desespero. Uma semana depois que o seu filho havia sido resgatado, lá estava ele estampando um evento social na revista Caras, sorrindo, titular de uma vida perfeita. Choquei-me, mas, principalmente, tive pena dele. Pena, por ele não ter tido o direito, sequer, de se recuperar, em paz, de um trauma. Pena, por ele ter que estar violentando a si mesmo para corresponder a uma imagem do que esperam dele e a uma imagem que ele precisa vender para angariar os seus clientes. Mas, voltemos às mulheres que é o foco dessa reflexão, mas que está inserida nessa mesma problemática. Quanto à ditadura da beleza, essa sempre existiu desde tempos imemoriais, em todas as sociedades, quer seja ocidentais ou orientais. O que hoje me causa espanto é a profunda carência, a profunda solidão, a necessidade e a dependência de reiterados elogios, ainda que falsos e amarelos, e de “curtidas”. Isso fica patente aqui na Internet, principalmente, nas redes sociais. Essa dependência revela um vácuo afetivo, um vazio emocional assustador. E elogios e curtidas não vão saná-los. O que os sana são relações afetivas presenciais, sinceras, de qualidade. As mulheres precisam priorizar as suas relações pessoais acima de priorizar “selfies” e admiração virtual. As adolescentes estão mais angustiadas do que nunca, fazendo plásticas, sucessivos branqueamentos dentários e implantes de cabelos, para tão somente “saírem bem na foto”. E as adultas, principalmente, as que se sentem frustradas ou solitárias, escravizam-se, também, a essa penosa situação. Todas fazem uso do que as oprimem como uma droga: “postei, fui elogiada, fui curtida, senti-me um pouco melhor, até dobrar a próxima esquina e cair, novamente, num profundo vazio…”. Na vida presencial, a opressão é perpetuada e entre as próprias mulheres. Ao encontrarmos com uma conhecida, muitas não querem saber como está a sua vida, mas fazem logo uma análise perfunctória de seu cabelo, de seus dentes, de seu corpo e de sua roupa, para só depois, dizer com alívio “é, ainda bem que estamos todas bem”… Eu só fico com cara de “como é que é?” rs. Por óbvio que se for uma amiga íntima eu vou logo abrir o debate e chamá-la à reflexão. Se bem que fui agora pensar em minhas amigas íntimas e constato com alegria que estão todas dando de ombros pra tudo isso rs. Quanto ao ser uma “mulher realizada”, o estereótipo não é ‘Ser do Lar”, a ditadura atual é a de a mulher ser a super-profissional, a super-competente, a super bem-sucedida. Não é, primaziamente, trabalhar porque gosta, porque se sente útil, mas trabalhar para ser “admirada”. Ouvi isso de uma aluna enquanto, juntas, tomávamos um café: “quero ser uma excelente profissional para ser admirada”. Na hora, eu não disse nada, fiquei muda, estupefata. Ela é uma menina ótima, e logo vi que estava caindo em uma armadilha, que estava sendo catapultada pelo estereótipo. Na hora, também, não disse nada porque gosto de ouvir as pessoas sem ser professoral e eu queria ouvi-la mais para aquilatar a extensão do problema, a extensão da opressão. Quanto ao aparentar ser “feliz”, uma outra armadilha. A dor, o sofrimento, fazem parte da vida, por que negá-los? Negá-los é de certa forma, ser conivente com eles e não enfrentá-los, não debelá-los. O que me preocupa é, justamente, essa dor que está por debaixo dessa necessidade de autoafirmação de aparente felicidade. Quem, de fato, sente que leva uma vida não digamos feliz, mas satisfatória, tem essa necessidade de autoproclamar-se feliz? Se uma pessoa de minhas relações pessoais assim me dissesse, eu logo lhe diria “querida, o que está te passando?”, “posso te ajudar?”.

Por fim, eu sei que, às vezes, a realidade da vida de uma pessoa está tão insuportável, que nada como espalhar a imagem do “Bela, realizada e feliz” para tentar se sentir, nem que seja por alguns instantes, um pouco melhor. Mas isso é pouco. A vida pede mais e nós podemos, sim, ter mais da vida. E ter mais pode se resumir a desescravizar-se dos estereótipos, de não se sentir compelida a se adequar aos padrões para ser digna de atenção e de amor. Alforriar-se. Perceber a mágica que é estar aqui, agora, presente neste mundo, neste dia e nesta hora, e receber de alguém que está ao seu lado, um olhar e um sorriso de afeto e até quem sabe, dar e receber um beijo. E até quem sabe, sentir-se consigo mesma, até quem sabe, mesmo, feliz.

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