A vacinação é uma escolha ou obrigação?

No mês de setembro, o atual Presidente da República afirmou que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, em referência a futura campanha de vacinação contra a covid-19. A declaração foi criticada por médicos, infectologistas e constitucionalistas. Segundo eles, desestimular a vacinação é inconstitucional e pode trazer graves prejuízos ao combate à pandemia e outras doenças.

Vacina: saúde, direito e cidadania

Aliadas da população na prevenção de adoecimentos e mortes, as vacinas têm a missão de proteger o corpo humano: elas “ensinam” o sistema imunológico a combater vírus e bactérias. Febre amarela, poliomielite, gripe, sarampo, rubéola, rotavírus, coqueluche, meningite, tuberculose e hepatites são alvos do calendário de vacinação brasileiro, com oferta gratuita de imunização pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em cerca de 40 mil unidades básicas de saúde em todo o país.

A vacinação não beneficia somente a pessoa que recebeu a dose. Com a diminuição da circulação dos vírus e bactérias que causam as doenças, a vacina beneficia a população como um todo – incluindo aquelas pessoas que tenham algum tipo de restrição ao uso da vacina, como alergias ou doenças imunes, e até recém nascidos. Exemplo de êxito da imunização, a varíola se tornou a primeira doença erradicada do planeta. Anteriormente, a doença, capaz de matar cerca de 30% dos infectados, dizimou boa parte da população do Rio de Janeiro no início do século 20.

Vacinação contra Covid-19

Se por um lado a fala do Presidente pode incentivar ainda mais o crescimento do movimento antivacina, por outro ela está equivocada e seria inconstitucional.

A Constituição brasileira permite, sim, que o governo crie mecanismos para obrigar que as pessoas se vacinem — não só pode, como tem o dever de fazê-lo. Isso porque, em casos como esse, a Justiça coloca na balança dois direitos: de um lado, a liberdade individual e, de outro, a saúde pública — e, no caso de epidemias de doenças que são uma clara ameaça à saúde pública, como a covid-19, o direito à saúde pública é prevalente.

Há diversos dispositivos na legislação brasileira que permitem a vacinação obrigatória — da Constituição a uma lei assinada pelo próprio Presidente da República em fevereiro, a Lei 13.979, que autoriza autoridades a tomar medidas como tornar compulsória a vacinação.

Direito coletivo à saúde

O governo não pode criar uma vacinação em que as pessoas sejam fisicamente forçadas a se vacinar. O esforço de uma vacinação obrigatória é feito através de mecanismos (para que elas se vacinem), como o condicionamento do exercício de certos direitos à vacinação. Ou seja, é possível criar normas que restrinjam o acesso a direitos — como viagens, benefícios do governo etc. — caso a pessoa se recuse a se vacinar.

Isso, na verdade, já é previsto na legislação brasileira em diversos casos. As normas que regulam a distribuição do Bolsa Família, por exemplo, determinam que para entrega do benefício é preciso algumas condições, entre elas manter a vacinação das crianças em dia.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 14, também estabelece que os pais têm o dever de vacinar as crianças, e podem ser multados caso não o façam.

Acreditar em teorias da conspiração (como a de que vacinas causam autismo, algo falso, de acordo com a ciência) não é um motivo legítimo para pôr a saúde das outras pessoas em risco.

E eventualmente, quando as autoridades de saúde brasileira aprovarem a vacina contra a covid-19, recomendarem seu uso e garantir sua segurança, não há nenhum motivo para um indivíduo argumentar que a vacina fere seus direitos individuais.

📝 Maria Luna

📸 Allan Stephen – AFP

 

 

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