Pouco antes de se apresentar para a foto desta página, ontem à noite, o estudante Jardiel Ferreira da Silva virou chacota entre trabalhadores da obra de reforma na escola onde faz a 1ª e 2ª série do Programa Travessia (equivalente ao ensino médio), em Paulista. “Veado” foi o mínimo que ele ouviu nas piadinhas. Infelizmente, o constrangimento não é uma imposição rara ao rapaz, de 21 anos. Nos corredores e na sala de aula, Jardiel, homossexual, convive com a homofobia, preocupação de dois encontros que vão acontecer no Recife, até a próxima terça-feira.
Jardiel, conhecido por Gabriel ou Gabi na escola, vestiu a camisa da farda para fazer a foto. “Prefiro calça e capri, para não chamar atenção. Tenho que tomar cuidados, para eu mesmo não me rebaixar”, resigna-se o rapaz sobre o simples uso da peça feminima que inspirou a chacota dos trabalhadores da escola. “Geralmente, fico com essas ofensas para mim. Não respondo. Se passo de dia na frente da escola, os alunos soltam gracinha. Já fui até vaiado. A coisa mais constrangedora que sofri”, desabafou Jardiel, que passou seis anos sem estudar, porque, entre outros motivos, era discriminado.
Evasão escolar e desempenho irregular acompanham, na maioria dos casos, a vítima de homofobia. “O índice de travestis analfabetos é muito alto. Chega a 90%. Essas pessoas são expulsas das salas de aula por outros alunos e até professores”, observa o educador do Instituto Papai, Thiago Rocha, que, hoje e sábado, participa do 1º Encontro Estadual da Diversidade Sexual, promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe).
“Professores e equipes pedagógicas, em geral, sejam de escola pública ou privada, não assumem a responsabilidade de falar de sexualidade e gênero com alunos. Afirmam que são assunto somente para pai e mãe. Por que um professor de matemática, por exemplo, não pode fazer cálculo usando como exemplo uma família com dois pais ou duas mães?”, provoca o educador. “A escola é fundamento para a cidadania. Se, nesseambiente, a intolerância à diversidade sexual é produzida e reproduzida, estamos descuidando não só a educação, mas a saúde de crianças e jovens”, alerta Thiago Rocha.
Para a diretora da secretaria para assuntos de gênero do Sintepe, Geny Neves, professores terminam por permitir a homofobia porque ignoram o que cerca o problema. “A maioria dos educadores não consegue lidar com o preconceito, que pode levar à morte. Dizem que não recebem ou não sabem onde buscar informação”, justifica Geny. “Sem falar quando os próprios educadores são alvo de homofobia”, acrescenta.
Homofobia é um termo criado para expressar o ódio, aversão ou a discriminação contra os homossexuais
Fobia significa medo. Medo de quê? Em geral, temos medo daquilo que não conhecemos. O medo é, assim, a raiz do preconceito. Muitas vezes, como reação, o medo e o preconceito podem produzir a raiva, a discriminação e a violência.
A homofobia é a discriminação e a violência contra os homossexuais, gays ou lésbicas, baseada na ignorância, ou seja, desconhecimento.
O silêncio dos livros
Nada ou quase nada é impresso no material didático usado nas escolas públicas do Brasil que aborde a diversidade sexual e suas consequências. A incômoda ausência ou omissão foi sentida na pesquisa que analisou 67, dos 99 títulos distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) às unidades do país (incluindo Pernambuco), do Ministério da Educação (MEC), responsável por fornecer o material à educação básica da rede pública.
“Adiversidade sexual não é retratada nos livros. Há um silêncio absoluto sobre esse tema, o que é insuficiente para uma política que se propõe a enfrentar a homofobia”, observa a coordenadora da pesquisa, Tatiana Lionço, doutora em psicologia Tatiana Lionço, da Universidade de Brasília. De acordo com a pesquisadora, esse silêncio também produz preconceito e prejudica o desempenho do estudante homossexual. “O silêncio tem uma dimensão produtiva porque ele diz que não se pode falar sobre homossexualidade na sociedade. A homofobia é uma experiência de extrema solidão porque os espaços que seriam de proteção social, como a escola, mantêm a dinâmica homofóbica”, avalia. A coordenadora-geral de Direitos Humanos do MEC, Rosiléa Wille, afirma que abordagens da diversidade sexual já foram incluídas no PNLD. “É preciso elaborar editais mais qualificados, para que as editoras passem a incluir a homossexualidade e homofobia nas obras”. O estudo de análise dos 67 livros foi financiado pelo Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde e pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc).
Fonte: Diário de Pernambuco