Humanizar o Humano
No dia 22 de março de 1983, Dom Helder Camara esteve na Universidade Católica de Prenambuco parareceber o título de Doutor Honoris Causa. Naquela ocasião, a universidade completava 40 anos de sua fundação, e nada mais adequado que dar-se o presente de contar com Dom Helder em seus quadros de honra. No discurso de agradecimento, Dom Helder falou sobre a humanização do homem, ou do humano, diríamos em linguagem mais atual, em compatibilidade com a busca por expandir os direitos humanos sem condicionantes de gênero.
“A pessoas desavisadas poderia parecer pleonasmo indicar como preocupação e preocupação prioritária da Universidade humanizar o homem”, falou Dom Helder, justificando suas palavras nos mais de 2/3 da Humanidade “correndo o risco diário de sub-humanizar-se pela Miséria” e nos quase 1/3 restantes “correndo o risco efetivo de desumanizar-se, pelo excesso de conforto e luxo.”
Ao receber a honraria, Dom Helder resolveu propor que a Universidade Católica de Pernambuco instituísse a disciplina Justiça, cuja idealização inicial vinculava a universidade a uma educação libertadora e conectada com os problemas mundiais. Eram (como continuam sendo) “tantas e tão graves as injustiças em nosso tempo”, que só valia à pena pensar em uma disciplina, com este título e propósito, se ela tivesse condições de mobilizar “pessoas capazes, sensíveis e de boa vontade” para articular universidades nordestinas, brasileiras e latino-americanas para refletir sobre problemas locais, nacionais e internacionais que afetam as pessoas, “tentando ajudar o Brasil a viver, com dignidade e, possivelmente, com proveito, a hora grave que está enfrentando.”
A disciplina Justiça deveria abordar conteúdos como a reforma agrária, a pobreza, os projetos de desenvolvimento e a política internacional. Mais que tudo, a disciplina deveria se aproximar de uma perspectiva que desconstruísse as mentiras “patrióticas” de então, no sentido de “desfazer a impressão aviltante de que, em certas áreas do plano oficial, sim é não, e não é sim…” Pensemos, hoje, nas negações da pobreza, do extermínio e da tortura, entre tantas outras. “O Povo tem direito de saber”.
Dom Helder pregava que a educação por trás da disciplina Justiça fosse crítica, em particular em relação aos grandes acordos internacionais, e mundialmente conectada, de modo a que “o sopro de Deus” viesse a “despertar forças vivas” de universidades latinoamericanas, africanas, asiáticas e europeias. “Assistiremos, então, a prodígios como a não-aceitação de uma 2ª. Conferência Bretton Woods, pois não basta modificar o Fundo Monetário Internacional (FMI), e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)”.
Vinte e seis anos após a outorga do doutorado de honra a Dom Helder Camara, a Universidade Católica de Pernambuco encontra as condições adequadas para cumprir o desejo do Dom da Paz com a instituição da Cátedra de Direitos Humanos, que leva o seu nome. Apesar do tempo passado, a universidade o faz em grande estilo, pois a Cátedra UNESCO/UNICAP Dom Helder de Direitos Humanos pretende ser um espaço interdisciplinar para ampliar o significado dos direitos humanos em nosso Estado e região, por meio de diversas atividades acadêmicas que abrem a instituição ao cenário mundial. Para além de uma disciplina isolada, será buscada a integração de conteúdos de direitos humanos na vida institucional.
Jayme Benvenuto
Catedrático
Não sei se o relativismo moral de Dom Helder é bom para nominar uma cadeira sobre direitos humanos em uma Universidade que se diz católica.