Existir é Resistir: o papel do Judiciário nos Golpes Institucionais

Às 18hrs, no auditorio G1, acontecerá o segundo painel do dia “Existir é Resistir: o papel do Judiciário nos Golpes Institucionais.” Os convidados são Cecilia Nascimento – Professora de Direito da UPE e Advogada do MTST, Juliana Passos – Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Direito da UFPE com pesquisas sobre regimes autoritários e justiça de transição na América Latina e Manoel Moraes – Professor de Direito da Unicap, Coordenador da Catedral Dom Helder Câmara de Direitos Humanos e Membro da Comissão da verdade.

A participação vale como Atividade Complementar. Faça as inscrições por email dceunicap2018@gmail.com, enviando nome completo, matrícula, período e curso ou na hora do painel, em frente ao auditório G1, com os membros da Ruptura ;)

“Bela, Realizada e Feliz” – O estereótipo que oprime as mulheres no séc. XXI.

Por Andrea Almeida Campos
Professora de Direito – UNICAP
Conselheira da Cátedra Dom Hélder Câmara de Direitos Humanos
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O estereótipo de fato, opressor, ditatorial e angustiante para a mulher do séc. XXI é o “Bela, Realizada e Feliz”  Fácil detectar esse fenômeno quando sabemos que vivemos, atualmente, na sociedade do espetáculo, da imagética, do narcisismo dos “selfies”. E, claro, que o estereótipo também esmaga os homens. A primeira vez que constatei de modo incontroverso o fenômeno, eu ainda morava em São Paulo. Não havia ainda o Facebook, mas a febre da revista Caras. Um amigo meu, profissional famoso, teve o seu filho sequestrado. Ele quase foi aniquilado pela dor. Acompanhei como amiga o seu desespero. Uma semana depois que o seu filho havia sido resgatado, lá estava ele estampando um evento social na revista Caras, sorrindo, titular de uma vida perfeita. Choquei-me, mas, principalmente, tive pena dele. Pena, por ele não ter tido o direito, sequer, de se recuperar, em paz, de um trauma. Pena, por ele ter que estar violentando a si mesmo para corresponder a uma imagem do que esperam dele e a uma imagem que ele precisa vender para angariar os seus clientes. Mas, voltemos às mulheres que é o foco dessa reflexão, mas que está inserida nessa mesma problemática. Quanto à ditadura da beleza, essa sempre existiu desde tempos imemoriais, em todas as sociedades, quer seja ocidentais ou orientais. O que hoje me causa espanto é a profunda carência, a profunda solidão, a necessidade e a dependência de reiterados elogios, ainda que falsos e amarelos, e de “curtidas”. Isso fica patente aqui na Internet, principalmente, nas redes sociais. Essa dependência revela um vácuo afetivo, um vazio emocional assustador. E elogios e curtidas não vão saná-los. O que os sana são relações afetivas presenciais, sinceras, de qualidade. As mulheres precisam priorizar as suas relações pessoais acima de priorizar “selfies” e admiração virtual. As adolescentes estão mais angustiadas do que nunca, fazendo plásticas, sucessivos branqueamentos dentários e implantes de cabelos, para tão somente “saírem bem na foto”. E as adultas, principalmente, as que se sentem frustradas ou solitárias, escravizam-se, também, a essa penosa situação. Todas fazem uso do que as oprimem como uma droga: “postei, fui elogiada, fui curtida, senti-me um pouco melhor, até dobrar a próxima esquina e cair, novamente, num profundo vazio…”. Na vida presencial, a opressão é perpetuada e entre as próprias mulheres. Ao encontrarmos com uma conhecida, muitas não querem saber como está a sua vida, mas fazem logo uma análise perfunctória de seu cabelo, de seus dentes, de seu corpo e de sua roupa, para só depois, dizer com alívio “é, ainda bem que estamos todas bem”… Eu só fico com cara de “como é que é?” rs. Por óbvio que se for uma amiga íntima eu vou logo abrir o debate e chamá-la à reflexão. Se bem que fui agora pensar em minhas amigas íntimas e constato com alegria que estão todas dando de ombros pra tudo isso rs. Quanto ao ser uma “mulher realizada”, o estereótipo não é ‘Ser do Lar”, a ditadura atual é a de a mulher ser a super-profissional, a super-competente, a super bem-sucedida. Não é, primaziamente, trabalhar porque gosta, porque se sente útil, mas trabalhar para ser “admirada”. Ouvi isso de uma aluna enquanto, juntas, tomávamos um café: “quero ser uma excelente profissional para ser admirada”. Na hora, eu não disse nada, fiquei muda, estupefata. Ela é uma menina ótima, e logo vi que estava caindo em uma armadilha, que estava sendo catapultada pelo estereótipo. Na hora, também, não disse nada porque gosto de ouvir as pessoas sem ser professoral e eu queria ouvi-la mais para aquilatar a extensão do problema, a extensão da opressão. Quanto ao aparentar ser “feliz”, uma outra armadilha. A dor, o sofrimento, fazem parte da vida, por que negá-los? Negá-los é de certa forma, ser conivente com eles e não enfrentá-los, não debelá-los. O que me preocupa é, justamente, essa dor que está por debaixo dessa necessidade de autoafirmação de aparente felicidade. Quem, de fato, sente que leva uma vida não digamos feliz, mas satisfatória, tem essa necessidade de autoproclamar-se feliz? Se uma pessoa de minhas relações pessoais assim me dissesse, eu logo lhe diria “querida, o que está te passando?”, “posso te ajudar?”.

Por fim, eu sei que, às vezes, a realidade da vida de uma pessoa está tão insuportável, que nada como espalhar a imagem do “Bela, realizada e feliz” para tentar se sentir, nem que seja por alguns instantes, um pouco melhor. Mas isso é pouco. A vida pede mais e nós podemos, sim, ter mais da vida. E ter mais pode se resumir a desescravizar-se dos estereótipos, de não se sentir compelida a se adequar aos padrões para ser digna de atenção e de amor. Alforriar-se. Perceber a mágica que é estar aqui, agora, presente neste mundo, neste dia e nesta hora, e receber de alguém que está ao seu lado, um olhar e um sorriso de afeto e até quem sabe, dar e receber um beijo. E até quem sabe, sentir-se consigo mesma, até quem sabe, mesmo, feliz.

“A Mulher Pernambucana”

Andrea Almeida Campos
(Professora de Direito da UNICAP, Conselheira Consultiva da Cátedra Dom Hélder Câmara de Direitos Humanos, advogada e escritora)

 

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Palestra feita na tarde do dia 16 de dezembro de 2015, por ocasião da outorga da Medalha do Mérito “Heroínas do Tejucupapo”, promovida pela OAB, seccional Pernambuco, às mulheres pernambucanas que se sobressaíram em seus respectivos campos de atuação no ano de 2014.

0-1“Muito boa tarde, minhas senhoras e meus senhores. Com imensa alegria por estar nessa sessão solene, agradeço o convite que me foi feito pela Presidente da Comissão em Defesa da Mulher Advogada da OAB-PE, Dra. Adriana Rocha de Holanda Coutinho e pelo Presidente da OAB-PE, Dr. Pedro Henrique Reynaldo Alves, em nome dos quais cumprimento toda esta insígne Mesa e todas e todos que estão aqui presentes, mormente as que foram agraciadas com a Medalha do Mérito “Heroínas do Tejucupapo” aos quais me dão a honra de receber as minhas palavras. Espero que a qualidade do que aqui será dito, esteja à altura de tão nobre audiência.

I. Palavra: Em cada uma de suas letras, lança-se uma semente para o mundo.

É nas palavras que se gesta o significado do mundo. Dá-me a tua palavra, aquela que te significa, e te direi quem és. Tendo essas premissas como verdadeiras, passo a fazer a arqueologia da palavra “Pernambuco” para poder, por fim, encontrar o coração que pulsa em suas entranhas, descobrir de onde vem e para onde vai o seu sangue. Poderei, então, tocar em sua essência, Pernambuco, e decifrarei a sua alma.

A palavra Pernambuco vem do tupi antigo “Paranambuco” que significa “cova do mar”, “fenda do mar”. Conversando, recentemente, com o linguista francês Christian Leray, professor da Universidade de Rennes, ele me disse se por perplexo pelo fato da palavra mar em português ser um substantivo masculino e não feminino. Respondi-lhe que, de fato, logo o mar, nascente de toda a vida, gestante de toda a existência, verdadeiro líquido amniótico que embalsama cada um dos seres com a fonte feminina primordial. Não sem razão a palavra mar em francês é no feminino, sem falar em sua homofonia “la mer” e “la mère”, ou seja, ouve-se a palavra “mar”, como se ouve a palavra “mãe”. Mar-mãe, berço da vida. E é isso que significa a palavra “Pernambuco”, cova do mar, útero da mãe, ventre de mulher.

Diante disso, peço licença para clamar pelo auxílio de Camões à minha fala, já que “cesse tudo o que a musa antiga canta, que um outro valor mais alto se alevanta”. E esse valor mais alto, gestado nesse ventre, é o valor da mulher pernambucana.

Convido-os a se aconchegarem a meu regaço, como quem se esparrama sob o teto da copa de uma árvore à beira de um rio de águas plácidas num fim de tarde sobranceira a fim de ouvir histórias. Mas essa não é “qualquer história” encantada por ser fruto de nossas imaginações. Convido-os a ouvir uma história especial, pois essa é a nossa história, a história de cada um de nós. E se ela nos faz sonhar, nos faz sonhar menos por seu encanto ser forjado na matéria do sonho e muito mais por seu encanto ser forjado na matéria do real.

II. A Índia Arco-Verde.

Conta-nos o pernambucano Henrique Capitolino em sua importante obra “Pernambucanas Illustres”, vinda à estampa em 1879, que antes de ter sido fácil a ocupação da capitania de Pernambuco por seu donatário Duarte Coelho, esta sofreu grande resistência e obstáculos, estes erigidos pelos nativos e guerreiros ocupantes dessas terras, os índios tabajaras, também chamados de caetés. Estes viviam na aldeia indiana de Marim, como era denominada a Taba dos Caetés, uma humilde povoação nas selvas americanas com as suas palmeiras e os seus colmos de palha. Marim dos Caetés vivia em paz sob o sol dos trópicos, com o seu governo, com a sua religião e com os seus costumes. Debruçada sobre as margens do oceano Atlântico não tinha por horizonte um dia ser Olinda, mas ser a eterna Marim. Mas, foi, justamente nesse local onde singravam os índios guerreiros iguaras que Duarte Coelho quis fundar a sede de seus domínios, diante do qual teria pronunciado a frase proverbial “Oh! Linda situação para uma cidade!”. Com essas palavras foi lançada a primeira pedra do confronto entre portugueses e indígenas. Inicialmente, Duarte Coelho conseguiu desalojar os índios, mas estes primitivos senhores do solo sitiaram a nascente cidade portuguesa e reduziram-na à mais crítica circunstância por falta de alimentos e foram vencedores. Essa estratégia nos mostra que, apesar de nossos índios serem tidos como atrasados, de cultura neolítica, em relação aos demais índios americanos, temos, aqui, o emprego da mesma estratégia utilizada pelos russos para derrotar Napoleão na invasão da Rússia em 1812. Mas, voltemos ao “Napoleão de Pernambuco”, o nosso Duarte Coelho.

Duarte Coelho, para a Capitania que lhe fora doada, havia se dirigido em companhia de sua esposa Dona Brites de Albuquerque e de seu cunhado solteiro, Jerônimo de Albuquerque. Este último em um de seus inaugurais encontros com os bravos indígenas locais, perdeu um olho, vazado pelas setas de suas flechas, e se fez prisioneiro condenado à morte e a alimentar os corpos dos inimigos. Convém lembrarmo-nos que os nossos índios nativos eram canibais e que era costume comer o inimigo a fim de adquirir as suas forças e demais qualidades. Assim como era também, costume – oh! Sensível delicadeza! – oferecer àquele que no outro dia seria oferecido à tribo como alimento, uma de suas índias a fim de amar-lhe durante a sua última noite em vida. Esta índia seria a sua “esposa de sepulcro”. Com Jerônimo de Albuquerque não foi diferente e quem lhe foi oferecida para adoçar os seus últimos suspiros com a delicadeza dos frutos, do cauim e dos seus lábios, foi a filha do cacique, a índia Arco-Verde, também chamada de Tabira, a princesa tabajara orgulhosa, altiva e sedutora.

Amanheceu e com a manhã, também amanhecia uma índia americana inflamada pelo amor, um amor ardente, abrasador, que dardejava nos braços do português à morte condenado. A fim de salvá-lo dessa que também seria a sua condenação, a condenação a uma vida a ser vivida na ausência do que para ela haveria de ser o seu único e definitivo amor, ou seja, a sua condenação à mais triste morte que é a morte em vida, a índia Arco-Verde, desesperada, pôs-se aos pés de seu pai, o Cacique Tabajara. Rogou em lágrimas pelo perdão ao inimigo, pelo livramento da morte daquele cuja morte também seria a sua morte. Envolvido pelas súplicas de sua adorada filha, o Cacique perdoou o seu inimigo branco. Fez-se a aliança de paz entre a tribo e a comitiva de Duarte Coelho, assim como o casamento entre o homem branco, Jerônimo, e a índia tabajara, Arco-Verde, os nossos primeiros “Ceci e Peri” às avessas. Ao fazer a defesa de seu amado e pedir por sua absolvição, Arco-Verde foi a primeira advogada brasileira.

Mas, não cessa aqui a história da pernambucana nativa que possibilitou a Duarte Coelho ter o domínio das terras que lhe haviam sido destinadas como integrantes de sua Capitania Hereditária. Que possibilitou a fundação da Capitania de “Paranambuco” por meio de suas habilidades de advogada e de diplomata, selando a paz entre os inimigos. A bela e apaixonada Arco-Verde batizou-se no domingo do Espírito Santo e teve o seu nome convertido para “Maria do Espírito Santo Arco-Verde”. De sua união com Jerônimo de Albuquerque, união esta que não recebeu os ritos da Igreja, nasceram oito filhos. Um deles, dona Catarina, casou-se com Felipe Cavalcanti, fidalgo florentino, consórcio do qual descende a tão numerosa, até hoje, família Cavalcanti. Outro nobre filho dessa união foi o distinto guerreiro, Jerônimo de Albuquerque Maranhão, que juntou seu nome à terra conquistada do Maranhão. Mas, Jerônimo de Albuquerque, o pai, tampouco foi fiel a sua salvadora, tendo ficado conhecido como o “Adão de Pernambuco”, gerando um número incontável de filhos para a nova terra lusa. Não bastasse cumprir com o preceito bíblico do “Crescei e Multiplicai-vos”, Jerônimo de Albuquerque que, como aqui foi dito, não se casou com Arco-Verde nos ritos da Igreja. E sim, por ordem de sua soberana portuguesa, contraiu núpcias com Dona Felippa de Mello, filha de Dom Christóvão de Mello que viera residir em Pernambuco. Essa foi a paga de Jerônimo de Albuquerque a sua índia salvadora. Do casamento do português Jerônimo com a portuguesa Dona Felippa não sobreviveram filhos. Essa foi a paga da Justiça que tarda, mas não falha, e, também. a paga do nosso Destino. Todos os filhos de Jerônimo que povoaram essas terras têm, também, sangue indígena. Somos todos filhos desse sangue que lançou a gana abrasadora das índias pernambucanas ao infinito.

III. E falando em Justiça, cabe aqui, e em todo lugar, fazermos Justiça a tão pouco lembrada, Dona Brites de Albuquerque.

Os romanos em sua proverbial sabedoria já diziam: “a terra é dos braços daqueles que nela trabalham”. E é por ter em Pernambuco desembarcado aos dezessete anos de idade e ter em Pernambuco vivido e trabalhado, tido filhos e netos, derramado o seu suor e o seu sangue até os seus últimos suspiros, aos setenta anos de idade, sem jamais haver retornado a Portugal, que não titubeamos em afirmar que Dona Brites de Albuquerque foi uma das nossas imensas mulheres, ocupando com honras, o Olimpo das pernambucanas.

Como nesse momento já aludimos, Brites de Albuquerque era a esposa do donatário das terras pernambucanas, Duarte Coelho Pereira. Portuguesa de nascimento, dona Brites, também chamada de Beatriz, integrava a poderosa família dos Albuquerque, citados por Camões em seu “Lusíadas” como uns dos “barões assinalados”. A jovem esposa desembarcou tenramente em Pernambuco nos alvores do séc. XVI, no ano de 1535, inícios da colonização do Brasil, acompanhada de seu consorte Duarte Coelho que recebera a posse da Capitania por doação do el-Rei, Dom João III. Foram precisos apenas alguns anos para que a adolescente se transformasse em uma mulher de fibra e começasse a exercer com galhardia o seu poder. Em torno de 1553, ao retornar o seu esposo a Portugal junto aos filhos desse conúbio, Duarte Coelho de Albuquerque e Jorge de Albuquerque Coelho, dona Brites, aos trinta e cinco anos, assumiu, interinamente, o governo da Capitania. Tendo o seu marido falecido em Portugal no ano seguinte, dona Brites, então viúva e sem o aconchego de seus filhos, passa a governar a Capitania de Pernambuco, sendo alcunhada de “Capitoa”, tomando para si todas as obrigações e todas as honras adjacentes ao título. O seu governo seria resolvido quando o seu filho mais velho, Duarte Coelho Pereira, que ficou estudando em Portugal junto ao seu irmão mais novo, atingisse a maioridade. Chegado esse dia, em 1560, os dois irmãos retornaram a Pernambuco. Duarte Coelho Pereira assumiu o governo, no entanto, tão somente até o ano de 1572 quando ele e o seu irmão Jorge de Albuquerque Coelho foram chamados de regresso a Portugal a fim de serem incorporados à armada do rei Dom Sebastião que se alteava sobre a África. Partiram para nunca mais voltarem, pois foram ambos feridos de morte na batalha de Alcácer-Quibir em 1578. Mais uma vez, dona Brites, em situação de desamparo pela morte de seus filhos, assumiu o governo da Capitania, dessa vez, definitivamente, até a sua morte em 1584. Dona Brites viveu cinquenta anos de sua vida em terras pernambucanas, tendo aqui, como já falamos, chegado aos dezessete. Desses cinquenta anos, vinte foram governando essas terras. O seu marido, Duarte Coelho, em Pernambuco viveu e sobre Pernambuco governou por apenas dezoito anos, no entanto, apesar de serem vários os monumentos a este dedicados por essas terras e o seu nome clamado multiplicadamente através dos séculos, dona Brites é uma reles desconhecida para os pernambucanos. Para esta não foi dedicada sequer um nome de uma rua, de uma praça, de quaisquer logradouros. Dona Brites que, durante o seu governo, manteve a ordem e a paz na Capitania, Dona Brites que combateu com firmeza e serenidade as insurreições indígenas, Dona Brites que legislou e controlou sobre as mais diversas matérias de interesse dos colonos, Dona Brites que foi uma exímia planejadora urbana, construindo e urbanizando núcleos tais como o de Olinda. Dona Brites de quem nada se diz e nada se fala, mas cujos restos mortais, sepultados na cidade onde viveu e morreu, a cidade de Olinda, tornam estas terras férteis para aqueles que se nutrem de sua força sem nunca haverem conhecido nem sequer escutado o seu nome.

IV. Dona Rita Joanna de Souza, a primeira Poeta do Brasil.

Se o primeiro poeta do Brasil, então, terras de Santa Cruz, foi o pernambucano Bento Teixeira, que deu à estampa o poema épico “Prosopopeia” em 1601, graças à primeira tipografia brasileira, o “templo de Guttemberg” estabelecido em Pernambuco, a primeira poeta brasileira de reconhecido valor não apenas em solo pátrio, mas também, alhures, foi a pernambucana, nascida em Olinda no ano de 1696, dona Rita Joanna de Souza.

Rita Joanna viveu em uma pacata Olinda em tempos tumultuosos, nos tempos de grandes heróis como o Zumbi dos Palmares. Apesar de às mulheres, historicamente, haver sido cerceado o direito à educação, o direito a se valer da pena da escrita e dos horizontes que se descortinam pela leitura, Rita Joanna, ainda adolescente, fez estudos de Geografia e de História, tendo escrito apostilas sobre essas ciências. Dedicou-se à poesia e, também, à pintura. Segundo Henrique Capitolino (1879), ipsis litteris,

(…) em suas pinturas matizavam-se os cerros de sua cidade natal, Olinda, os corncheos de suas torres coroados de nuvens azuladas, a belleza das noites americanas aclaradas pelos scintillantes raios das estrelas, ou pela branda e suave luz da lua, os encantos da aurora, a singeleza e graça das açucenas, cujas caçoulas se abriam com as gotas do orvalho e os raios do sol! Poetisou as gloriosas tradicções de seus antepassados, os ciumes e arrufos da altiva Olinda e da humilde povoação dos pescadores que se erguia a seus pés, os encantos e efflúvios que trescalava o seu coração de mulher, o seu seio de virgem”(…).

O seu reconhecimento em terras pátrias e em terras estrangeiras pode ser aquilatado na nota sobre ela feita por J. Norberto em sua obra “Brasileiras Celebres” de 1862, cujo um trecho dispomos abaixo, ipsis litteris:

Pernambuco, a provincia heroica, patria de tantos filhos benemeritos, deve ufanar-se de poder contar entre os nomes das senhoras illustres, que ha produzido, o da joven Rita Joanna de Souza, que muito honrou as bellas artes e letras, e de cujo talento fazem honrosa menção o abbade Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana, Froés Perim no Theatro Heroino, Ferdinand Diniz no Résumé d’histoire littéraire du Brésil, o Conselheiro Balthasar da Silva Lisboa nas Notas Biographicas, e muitos outros.
A jovem pintora, professora e poeta muito mais poderia ter oferecido a essas terras e ao mundo, não tivesse a morte lhe colhido em pleno desabrochar. Rita Joanna desenlaçou-se desta vida aos vinte e dois anos de idade. Pássaro abatido em pleno alçar de seu voo. No entanto, o seu ascender foi o bastante para tingir o céu de Pernambuco com as suas cores e inaugurar os versos femininos nas páginas de nossa história.

V. Pernambuco: Terra de Cornélias. A Esparta Brasileira

Se a afirmação de que “um filho teu não foge à luta” precisa de provas, há provas mais do que suficientes e cabais na história de Pernambuco. Conhecido como solo de um povo essencialmente guerreiro, inquieto e desacomodado, esta terra que foi a primeira a proclamar uma República independente no Brasil, foi palco de enfrentamentos tais como a Guerra dos Mascates, a Batalha dos Guararapes, a Confederação do Equador e a Revolução Praieira. E, se no mais das vezes, os guerreiros eram homens, coube às mulheres pernambucanas o cultivo, a formação e a educação desses guerreiros. Como forma de desincumbência desse mister, as mulheres pernambucanas foram, historicamente, verdadeiras Cornélias, mães de soldados corajosos e combativos.

Como disse Henrique Capitolino (1879) “no coração das mães residem os nobres sentimentos que mais tarde hão de germinar no coração dos filhos. Um povo que possui em seu seio as Cornélias, com certeza terá os Gracos”, em referência à nobre romana, Cornélia, mãe dos irmãos Gracos, nascida em Roma no século II a.C.. Cornélia era a filha mais nova de Cipião, herói da II Guerra Púnica. Após a morte do pai, Cornélia casou-se com um homem bem mais velho do que ela, Tibério Graco, com quem teve três filhos: Tibério, Sempronia e Caio Graco. Logo depois, enviuvou. Louvada em prosa e verso como uma mulher cultíssima, de forte caráter e alta determinação, Cornélia, uma vez viúva, recusou inúmeros pretendentes à sua mão, inclusive, o rei Ptolomeu, a fim de dedicar a sua vida, exclusivamente, à formação e à educação de seus filhos. Os seus filhos, os Irmãos Gracos, tribunos romanos, são conhecidos por suas combatividades. E, continua Capitolino (1879): “Antes do sentimento democratico dos Gracos fazer explosão, já se alimentava e criava no coração de Cornélia”. Pois bem, muitas e heroicas foram as mulheres pernambucanas que criaram os seus filhos para resplandecerem e darem o seu sangue, no qual corria em ebulição o sangue delas, às frentes de batalha. Em suas correntes de apego materno, jaziam, de mãos dadas, as correntes do desapego, ao ofertarem seus filhos à inafastável luta.

Quando vigoravam em Esparta, as leis de Licurgo, as mães cujas criaturas não eram apenas filhos, mas, primordialmente, cidadãos e soldados, tinham por atribuição entregar-lhes os escudos das batalhas e o faziam dizendo “com ele ou sobre ele”, ou seja “vencedor ou morto” e se, porventura, recebiam a funesta notícia de suas mortes, firmes redarguiam “foi para morrerem pela pátria que eu os criei e eduquei”. Assim também agiam, com palavras diversas, mas com o mesmo denodo e força, as mães dos pernambucanos. Dentre essas bravias mulheres estava Dona Adriana de Holanda, nome que me chamou a atenção, ao pesquisar em meus alfarrábios, por ser o mesmo da Dra. Adriana de Holanda, advogada, professora e amiga minha desde as bancas da Faculdade de Direito do Recife e que aqui me convidou para proferir essas palavras sobre a mulher pernambucana. Dra. Adriana de Holanda que também é mãe e que desde a sua tenra juventude tem se desincumbido com heroísmo desse mister. O mister de ser mãe não de guerreiros, mas de guerreiras, nesse eterno palco de batalhas que dia a dia nos desafiam no estado de Pernambuco, no Brasil e no mundo. Mas, deixemos cochilando o século XXI e voltemos os nossos corações ao séc. XVII, que é onde espero que, neste momento, estejamos todos nós. Dona Adriana de Holanda foi casada com um fidalgo italiano, Dom Christóvão Lins e com ele deu à luz uma numerosa descendência de soldados guerreiros que se distinguiram na Batalha dos Guararapes contra os holandeses e, em especial, nas Batalhas de Porto Calvo onde residia. Dona Adriana de Holanda teve longa vida e veio a falecer em 1647 com a idade de cento e dez anos. Longa vida a todas as Adrianas! Seculares Cornélias de seus filhos, os Gracos pernambucanos!

VI. As Heroínas de Tejucupapo.

Corria o ano de 1646. Estávamos em plenas batalhas contra a ocupação holandesa. Recife, assim como outros pontos do domínio holandês, encontrava-se assolado pela fome. Os holandeses, com o escopo de guarnecerem os seus soldados de alimentos, enviaram diversos navios a Pernambuco. Nesses navios viajavam seiscentos homens sob o comando do Almirante Lichtart. Aportaram na praia de Maria Farinha ao norte de Olinda e Recife e fizeram os preparativos de desembarque a fim de iludirem os nossos chefes, pois que levantaram âncora e dirigiram-se para o povoado de Tejucupapo, pretendendo tomar de surpresa o povoado de São Lourenço. Sabe-se que naquele tempo os pernambucanos dormiam com as armas às cintas. Estavam sempre atentos e preparados para a luta. E pobres dos holandeses ao subestimá-los, pois, antes de tomarem o povoado de surpresa, foram eles próprios tomados de surpresa, já que o povo de Tejucupapo e de São Lourenço já haviam tido conhecimento de seus ardis.

Os habitantes do povoado, em um total de cem, recolheram-se a um reduto de pau a pique, enquanto que trinta homens mais fortes e mais robustos, montaram-lhe a guarda. Ao avistarem o inimigo, derrubaram o major holandês com duas balas. Iniciou-se, assim, uma luta cruel e sanguinária.

As mulheres ferviam água e distribuíam pólvora aos combatentes, encorajando-os. Mas eis que percebem que a batalha não será ganha se elas continuarem na retaguarda, que elas precisam tomar a frente da batalha. Foi quando, uma delas se assomou do alto do Estacado, tendo em uma de suas mãos, o crucifixo, e na outra, uma espada, e conclamou as demais à luta frontal com os holandeses. Outras, também tomaram as rédeas da luta com as próprias mãos. As líderes atendiam pelo nomes de Maria Quitéria, Maria Ana, Maria Camarão e Joaquina.

Os holandeses avançavam e eram queimados e eram esfaqueados. Insistiram por duas vezes e por duas vezes foram obrigados a recuar. Tentaram um último esforço com uma massa compacta e arrojaram-se contra o reduto armados com machados e outros instrumentos de destruição. As heroínas redobraram de valor e os holandeses espavoridos e apavorados em face de tamanho denodo e força, abandonaram o combate, deixando o campo de luta fincado de cadáveres e de munições. As mulheres de Tejucupapo, da luta, saíram vitoriosas.

No dia 07 de dezembro de 1859, Tejucupapo recebeu a visita do então Imperador Dom Pedro II que, ansioso por conhecer o lugar, assim escreveu em suas memórias de viagem em 1859:

Às 5 horas da manhã, apesar da copiosa chuva que caía, o Imperador, que nunca alterou o plano das suas viagens, partiu para Tejucupapo, como havia resolvido. A povoação é pequena: mas S. M., que se impôs como dever religioso uma homenagem ás glórias do nosso passado, foi ali expressamente para ver o lugar chamado Trincheiras, onde as heroínas Tejucupapenses, essas amazonas que se imortalizaram na história, roubaram aos homens a glória de defenderem a pátria contra o domínio estrangeiro. Ainda hoje, se veem ali os fossos e distingue-se bem a forma regular da construção que é um quadrilátero com o perímetro de 193 passos, que o Imperador teve a curiosidade de contar, trazendo, para memória deste lugar, parte do tronco de uma árvore que havia crescido dentro da trincheira. (Memórias da Viagem de SS. MM. II, Tomo II, pág. 114)

A magia e a força do feminino que está na origem de todas as coisas, transformando o caos em vida, nessas memórias do Imperador, revelam-se ao afirmar-se que uma árvore havia crescido dentro da trincheira. Ali onde jazia a batalha, onde sangrava a luta, nascera uma árvore. Uma árvore com seus frutos a alimentarem a paz, a fazerem florescer a vida, mesmo que nos porões da morte. Esse é o troféu, não recebido por nossas guerreiras, mas, generosamente, ofertado a nós, através dos tempos, pelas heroínas de Tejucupapo.

VII. Cuidar e curar. As duas primeiras mulheres brasileiras a cursarem medicina. Uma delas era uma pernambucana.

Talvez já esteja ficando enfadonho eu elencar uma mulher pernambucana como tendo sido a primeira no Brasil a protagonizar feitos e funções, seja como advogada ad hoc (Índia Arco-Verde), seja como poeta (Dona Rita Joanna), seja como governadora (Dona Brites de Albuquerque). Mas, não me impinjam essa culpa, se há alguém para ser culpado, esse alguém é a história e os livros nos quais pesquisei para ofertar-vos a minha fala!

Pois então, uma das primeiras brasileiras a seguirem um curso de medicina foi uma pernambucana de nome Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira. Como já o dissemos, ela não está sozinha nesse grande feito, mas acompanhada por uma outra mulher de iguais méritos, a carioca Maria Augusta Generoso Estrela. Ambas estudaram medicina em Nova York nos Estados Unidos, já que no Brasil era vedado às mulheres seguirem o curso médico.

A professora Elisabeth Juliska Rago, em seu texto “Gênero, Medicina e História” (2001), nos informa que em finais do século XIX, em Pernambuco, havia uma polêmica entre as concepções liberais e as evolucionistas. Esta última atribuía a proclamada “inferioridade” da mulher às razões biológicas. A controvérsia foi, novamente, trazida à tona pela petição de Josefa de Oliveira nascida em Tejucupapo (indubitavelmente, um berço de heroínas) aos dias 13 de fevereiro de 1864. Josefa Águeda era poliglota, falando fluentemente inglês, francês e espanhol, além de versada em História e Geografia, sendo alcunhada pelo jurista Tobias Barreto como “uma menina inteligente”. Mas voltemos à petição. No dia 22 de março de 1879, em sessão na Assembleia Provincial de Pernambuco, o deputado liberal, Tobias Barreto, defendeu a petição movida por Josefa de Oliveira, representada por seu pai, o republicano advogado e jornalista Romualdo Alves de Oliveira, solicitando recursos para fazer o curso de medicina nos Estados Unidos, já que as mulheres não tinham permissão legal para fazê-lo no Brasil. Josefa Águeda, inclusive, compareceu aos debates na Assembleia, apesar da tenra idade, alegando que “precisava do dinheiro para ser útil à sua província”.

Os argumentos de Tobias Barreto na defesa do pedido de Josefa Águeda figuram como um dos mais contundentes documentos em prol dos direitos das mulheres, como podemos, aqui, observar num trecho:

Eu ouso pois confiar na boa causa que trato de defender, e do culto rendido às excelências do belo sexo, ouso confiar, repito, que poderei também contribuir com algumas verdades, seriamente meditadas e francamente expressas, para arredar desta assembleia a imensa responsabilidade de um pecado imperdoável contra o santo espírito do progresso, de um crime de lesa-civilização, de lesa-ciência, qual seria sem dúvida o de ficar aqui decidido, barbaramente decidido e assentado, que a mulher não tem capacidade para os misteres científicos, para os misteres que demandam uma alta cultura intelectual. (Transcrição da Sessão da Assembleia de Pernambuco, no dia 22 de março de 1879.)

O pleito, no entanto, foi recusado pelo deputado Malaquias Gonçalves. Ainda assim, Josefa Águeda embarcou para a América do Norte a fim de realizar o seu sonho de tornar-se médica. Durante o curso no New York Medical College and Hospital for Women, Josefa Águeda conheceu a carioca Maria Augusta Estrela e ambas se tornaram muito amigas. Ainda nos Estados Unidos, fundaram o jornal literário feminista “A Mulher” que foi distribuído em vários estados brasileiros.

Os cursos de medicina brasileiros passaram a admitir mulheres em suas bancas a partir de abril de 1879. A primeira médica a se formar no Brasil foi a gaúcha Rita Lobato, pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1887. Ainda assim, a pressão e o preconceito contra as mulheres médicas prosseguiram ardorosamente, arrefecendo-se apenas em meados do século XX.

VIII. Nasce o Feminismo em Pernambuco. A Poeta, educadora e jornalista Edwiges de Sá Pereira.

Como aqui já pudemos observar, a mulher pernambucana, cada uma a seu modo, foi guerreira e batalhadora pela tutela e pela conquista de seus direitos, desde a nossa Índia Arco-Verde. Entrementes, ainda não havíamos tido um movimento de características feministas, aquele que não apenas pleiteia pela satisfação de demandas contingenciais, geralmente, individuais, mas pela satisfação de demandas gerais e coletivas que redesenhem uma estrutura arcaica, historicamente patriarcal e opressora em relação às mulheres. Em Pernambuco quem protagonizou, inauguralmente, esse papel foi Edwiges de Sá Pereira.

Nascida no dia 25 de outubro de 1884, na cidade de Barreiros, filha do advogado José Bonifácio de Sá Pereira e de dona Maria Amélia Gonçalves da Rocha de Sá Pereira, Edwiges começou a escrever poemas desde a sua infância, assim como começou a ensinar muito cedo. Foi professora Catedrática da Escola Normal, ensinando Língua Portuguesa, História Geral e História do Brasil. Para além de educadora, como aqui já o dissemos, foi uma pioneira na luta pelos direitos da mulher. Em finais do século XIX e inícios do século XX, batalhou pela emancipação feminina, fosse através de seus escritos e palestras, fosse através de suas atitudes. Defendeu o divórcio, assim como, junto a Bertha Lutz, empunhou a bandeira pelo sufrágio feminino. Uma vez conquistado o direito a votar e a ser eleita, candidatou-se a Deputada da Assembleia Nacional Constituinte de 1934 pelo Partido Econômico.

Fundou a Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino, tendo participado do 2o Congresso Internacional Feminista com a tese “Pela Mulher, Para a Mulher”, no qual classifica a condição da mulher brasileira em três categorias: a que não precisa trabalhar, a que precisa e sabe trabalhar e a que precisa e não sabe trabalhar. A proposta era mudar, de forma mais específica, a situação desse último grupo, as condições das mulheres que tendiam a estarem à margem, quando não, a caírem na marginalidade. Edwiges se propunha a elaborar mecanismos a fim de que esses resgatassem as suas dignidades.

Poliglota e culta, foi membro efetivo da Academia Pernambucana de Letras, sendo a primeira mulher no mundo a tornar-se Acadêmica em 1920, quase cinco décadas antes que a escritora Raquel de Queiroz se tornasse uma imortal da Academia Brasileira de Letras. Lembrando-nos que Marguerite Yourcenar foi a primeira mulher a integrar a Academia Francesa e isso, tão somente, em 1980.

Atuou como jornalista, havendo editado o jornal feminista “O Lírio” e colaborando assiduamente com diversos órgãos da imprensa pernambucana e de outros estados. Dentre outros livros, publicou “Campesinas”, “Horas Inúteis”, “Joia Turca”, “Eva Militante” e “A Influência da Mulher na Educação Pacifista do após-Guerra”.

Edwiges de Sá Pereira era irmã do celebrado jurista Virgílio de Sá Pereira, assim como do conceituado médico, à sua época, Cosme de Sá Pereira, cuja distribuição de remédios em sua residência deu nome à avenida “Estrada dos Remédios” em Recife. Seu nome consta do “Dicionário de Mulheres Brasileiras: De 1500 até a atualidade”. Faleceu no dia 14 de agosto de 1958. O nome de Edwiges é uma inspiração permanente, não apenas para as mulheres pernambucanas, mas para todas que, incansavelmente, lutam por fazer valer os seus direitos e a glória de suas existências.

IX. Jus est Ars Boni et Aequi. A Mulher Pernambucana e o Direito.

Se o direito é arte, a mulher artista pernambucana, desde os seus primórdios, foi muito melhor recepcionada nas artes literárias, plásticas e dramatúrgicas, vide as nossas celebradas Rita Joanna, poeta e pintora, Alexandrina Marinho, dramaturga que escreveu o drama histórico “Branca Dias dos Apipucos” no séc. XIX e Edwiges de Sá Pereira, poeta e feminista sobre quem acabamos de discorrer, do que na arte jurídica. Por sinal, o palco da arte jurídica, o palco da arte do bom e do justo, historicamente, em Pernambuco, teve as suas cortinas soldadas a ferro e fogo contra a atuação das mulheres. As nossas Pórcias têm sido, reiteradamente, silenciadas para regozijo dos Shylocks, rememorando aqui a peça teatral do Mercador de Veneza de autoria do bardo Inglês William Shakespeare. Inobstante ter-se a possibilidade de colonização dessas terras, inicialmente, pela intervenção de uma advogada natural, a loquaz e persuasiva Índia Arco-Verde, inobstante a existência secular de vocacionadas pernambucanas para o enfrentamento de controvérsias nas barras da Justiça, a estas couberam as vendas de Têmis, não apenas nos olhos, mas como mordaças a serem atadas em suas bocas e em suas mãos.

A primeira advogada brasileira foi Dra. Myrthes Gomes de Campos, fluminense da cidade de Macaé, inscrita na então IOAB (Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil), seccional do Rio de Janeiro, em 1906. De 1924 até a sua aposentadoria, em 1944, exerceu o cargo de encarregada pela Jurisprudência do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, que funcionou no antigo Palácio de Justiça, de 1926 até 1946. Em Pernambuco, arrojadas mulheres fizeram o curso jurídico na Faculdade de Direito do Recife e se formaram bacharéis, mas tiveram dificuldades de exercer a profissão como foram os casos de Maria Fragoso, Maria Coelho e Delmira Secundina em 1888, e o de Maria Augusta C. Meira Vasconcelos em 1889. Por ser uma profissão que exige o embate direto, a tão imprescindível “luta” prognosticada por Ihering, o estado de Pernambuco, mesmo sendo herdeiro de heroínas como as de Tejucupapo, entendeu, através dos séculos, que o exercício jurídico não era uma vocação feminina. Ou será que estamos falando em monopólio do poder, já que em nenhuma outra profissão há a possibilidade de se empregar a maior força, a qual denominamos de força coercitiva, para modificar as relações sociais do que na profissão jurídica?

Até a década de setenta no século XX, o Tribunal de Justiça de Pernambuco indeferia as inscrições de bacharelas em Direito que pretendiam candidatarem-se ao concurso para a carreira de magistradas, sob o argumento de que as mulheres não teriam o equilíbrio necessário para proferirem graves decisões em razão de seus hormônios. Se é assim, por que, então, aqueles que indeferiam as inscrições, deixavam, e continuam a deixar, a criação de seus filhos e os cuidados de suas casas, secularmente sob o arbítrio e a cargo das mulheres? Em duzentos anos de existência do Tribunal de Justiça de Pernambuco, apenas quatro mulheres chegaram a ser desembargadoras. Este Tribunal está em um desonroso primeiro lugar no Brasil quanto à ausência de mulheres (apenas 1%). Atualmente, o contingente de juízas na primeira instância em Pernambuco caminha para a metade do contingente de juízes, num percentual de 35% do total. Esse dado revela que não falta capacidade às mulheres para passarem nos concursos da magistratura e iniciarem carreira, no entanto, uma vez togadas, encontram muitos entraves políticos para as suas ascensões.

Voltando à advocacia. Apesar de, atualmente, o número de advogadas em Pernambuco ser paritário ao número de advogados, sendo, segundo dados de julho deste ano de 2015, o número de mulheres correspondente a 45.8%, nunca tivemos uma Presidente da OAB em Pernambuco. No que tange às mulheres professoras de Direito, a primeira a ocupar a função de lente universitária no Brasil foi a paulista Esther de Figueiredo Ferraz no ano de 1961 na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. No entanto, a brilhante Dra. Esther que ocupou tantos cargos nos altos escalões dos governos, como o cargo de Ministra da Educação durante o Governo do General João Figueiredo, do dia 24 de agosto de 1982 ao dia 15 de março de 1985, não seguiu a carreira de Professora de Direito de forma intermitente, logo, não construiu uma carreira acadêmica de dedicação exclusiva. Esse pioneirismo com o qual já estamos tão acostumados fora da órbita jurídica, coube, enfim, à pernambucana Maria Bernadete Neves Pedrosa, professora de Direito Público da Faculdade de Direito do Recife e que, a partir de 1964, dedicou toda a sua vida ao ensino jurídico. A nossa querida e saudosa professora Bernadete Pedrosa, infelizmente, desgarrou-se dessa existência em novembro do ano de 2013. Deixou-nos como legado uma carreira jurídica exemplar, ética e comprometida. Bernadete Pedrosa tatuou o nosso mundo jurídico com a efígie das mulheres que inauguram o seu próprio tempo e constroem uma nova história.

Conclusão

Muito mais poderia ser dito já que há tanto a ser dito sobre a mulher pernambucana, minhas senhoras e meus senhores, minhas amigas e meus amigos. No entanto, mesmo ao abrigo do silêncio, sabemos que nas veias de cada um de nós, reverbera o sangue secular dessas bravas mulheres hoje por nós reverenciadas. No sangue, nos atos, nas atitudes de cada uma das Senhoras, hoje agraciadas com a Medalha do Mérito das Heroínas de Tejucupapo, escorre a força das heroínas daquele povoado. Força que se revelará a cada geração de mulheres pernambucanas que, incessantemente, plantam e colhem o devenir de nosso Estado.

Pois a mulher pernambucana, tal como as heroínas de Tejucupapo, trazem, permanentemente, em uma de suas mãos, não um crucifixo, mas a ternura, e na outra mão, não a espada, mas a coragem.

É essa mistura, esse amálgama de ternura e coragem que tem produzido a combustão e a força propulsora de nossas maiores lutas, de nossas maiores conquistas. E se a palavra Pernambuco significa cova do mar, fonte criadora, mantenedora e germinal da vida, o Estado de Pernambuco é esse ventre a cada instante incendiado. Incendiado não pelos holandeses, incendiado não pelos portugueses, mas incendiado pela altivez, pela paixão e pela audácia infinita de suas mulheres.
Muito obrigada.

Recife, auditório do Banco Central, tarde de quarta-feira, aos dias 16 de dezembro de 2015.

Artigo Ensino Religioso e Direitos Humanos

ENSINO RELIGIOSO E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA PARA A DINÂMICA DA DIVERSIDADE RELIGIOSA
Wellcherline Miranda Lima

RESUMO
Este artigo trata da discussão sobre os desafios da prática do ensino religioso dentro do panorama da religiosidade diversificada vista no ambiente escolar atrelado ao comportamento social, no aspecto religioso, oriundo do contexto histórico brasileiro de como a experiência religiosa do grupo dominador interferia no habitus social mostrando posteriormente os avanços, sob o olhar das políticas educacionais, a partir do laicismo. E refletir sobre a prática pedagógica do ensino religioso como possibilidades do exercício e da garantia da dinâmica da diversidade religiosa brasileira aplicada ao Ensino Religioso tendo como eixo integrador aos Direitos Humanos proporcionando ao respeito à diferença.

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