Portal de Conferências da Unicap, v. 2, n. XXIII, 2021: Semana de Estudos Linguísticos e Literários da Unicap

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O IMPACTO SOCIAL DOS TEXTOS NA CULTURA: ANÁLISE DO FESTIVAL ITAQUIENSE DE TEATRO
Eduardo Vieira da da Silva

Última alteração: 2021-10-21

Resumo


O IMPACTO SOCIAL DOS TEXTOS NA CULTURA: ANÁLISE DO FESTIVAL ITAQUIENSE DE TEATRO

Autor: Eduardo Vieira da Silva*

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cristina dos Santos Lovato

1.INTRODUÇÃO

Neste trabalho, fazemos um resgate histórico dos vinte anos do Festival Itaquiense de Teatro (FIT) e de seus impactos na cultura local. Tomamos como referência teórica a Análise de Discurso Crítica (ADC) da vertente Anglo-Saxônica. Nossa pesquisa é um modelo de análise do discurso que se baseia no estudo dos gêneros jornalísticos informativos e no modo como eles recontextualizam o festival FIT na mídia do município em que ele é realizado. Trazemos os resultados parciais de uma pesquisa que está sendo desenvolvida em um projeto para o Curso da Especialização em Desenvolvimento Regional e Territorial da Universidade Federal do Pampa, campus Itaqui, município da região da fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul. O objetivo dessa pesquisa é potencializar o turismo cultural e promover o desenvolvimento local. Buscamos propor também uma contraposição à homogeneização resultante da globalização de modo que se valorize a singularidade da cultura da região e se dê voz aos agentes locais.

Localizada às margens do Rio Uruguai, na fronteira do Brasil com a Argentina, a cidade de Itaqui tem um histórico de eventos culturais, incluindo o FIT, que podem ter no turismo uma estratégia para o desenvolvimento cultural e econômico. O munícipio conta ainda com o Festival de Músicas para o Carnaval, o Festival Tradicionalista Casilha da Canção Farrapa, além de outras manifestações artísticas estabelecidas no Calendário de Eventos Oficiais do Município de 2009, disponível em http://www.camaraitaqui.rs.gov.br/?action=legislacao_leis&tipo=1&sel=2&texto=cale&pagina=2. Instituído em 2000, o FIT começou como um evento destinado exclusivamente a grupos teatrais da cidade, de acordo com uma reportagem publicada no jornal local Nossa Época de 22 de abril daquele ano. Conforme matérias do periódico, na edição de 2003, já se pôde observar a presença de companhias teatrais de outras cidades gaúchas, como Porto Alegre e Santa Maria.

Após um hiato de dois anos de interrupção, em 2017 e 2018, o FIT foi retomado em uma espécie de parceria público-privada formada pela Prefeitura de Itaqui com grupos culturais da cidade. Naquele período, grupos da Argentina, Paraná e Rio de Janeiro participaram do festival, indicando as aptidões que podem ser mais bem aproveitadas para o setor de turismo no município. Nesse contexto, é possível verificar como a dinâmica do desenvolvimento pode conseguir revelar recursos inéditos e constituir uma inovação (PECQUEUR, 2005, p.12). A cultura é um dos recursos que pode ser ativado em Itaqui em prol do desenvolvimento da região. A seguir, a metodologia utilizada no presente trabalho é apresentada.

2.METODOLOGIA

Para esse estudo, adotamos a técnica de pesquisa documental. A abordagem teórica-metodológica é a Análise de Discurso Crítica (ADC) da vertente Anglo-Saxônica, de Norman Fairclough (2001 e 2003, por exemplo). São analisados os gêneros jornalísticos nota, notícia e reportagem em quinze textos de dois periódicos locais, os jornais Nossa Época e A Verdade entre os anos de 2000 a 2020. Os textos coletados foram tabulados, analisados e interpretados. O FIT teve edições ininterruptas entre 2000 e 2014. Para reformas no Theatro Prezewodowski – administrado pela Prefeitura de Itaqui –, o evento foi suspenso em 2015 e 2016 e retomado em 2017. Em 2020, voltou a ser cancelado em função da pandemia de coronavírus.

A análise dos textos se concentrou no significado representacional para verificar o modo como o festival é representado na mídia local. Analisamos como as informações são seletivamente filtradas quando recontextualizadas em termos de quais foram incluídas ou ganharam mais destaque e/ou quais foram excluídas ou não receberam destaque (FAIRCLOUGH, 2003, p. 136). Segundo Fairclough (ibidem), os princípios que orientam o processo de recontextualização são:

a. Presença/ausência: quais elementos/aspectos de um evento estão presentes ou ausentes, quais receberam destaque e quais ficaram em segundo plano;

b. Abstração: grau de abstração e/ou generalização com que um evento é recontextualizado – tratado –;

c. Arranjo (organização textual): como os eventos são contados;

d. Adição: o que é acrescentado na recontextualização do evento – explicações, legitimações, motivos, causas, propósitos, imagens e avaliações –.

Na próxima seção, os dados levantados a partir desses procedimentos e princípios teóricos-metodológicos são discutidos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para esta pesquisa, optamos por analisar os gêneros jornalísticos nota, notícia e reportagem, por serem os mais recorrentes no jornalismo informativo e nos jornais analisados. O gênero jornalístico diz respeito a um texto, discurso e narrativa, porém, os conceitos são de frágil definição nos estudos sobre a atividade jornalística (SEIXAS, 2013, p.165). Vale registrar que existem, ainda, as categorias do jornalismo: informativo, interpretativo e opinativo, relacionados a outras instâncias no âmbito da esfera jornalística; a título de ilustração os gêneros discursivos artigo, coluna, crônica ou editorial. Esse aspecto evidencia a diversidade de eventos comunicativos da agenda jornalística na produção de informações.

Conforme Marques de Melo (2003), nota é o "relato do que pode ser notícia" (apud POSSELT, 2017, p.44). Por outro lado, a notícia é a "descrição integral do acontecimento de forma objetiva e privilegiando o famoso lead (grifo nosso)" (ibidem). A reportagem trata da "ampliação de um fato importante" (ibidem). Entre os gêneros citados, o mais recorrente nas nossas analises foi a nota, oito ocorrências. Notícias foram verificadas em quatro edições e reportagens, em outras três.

A escolha por textos curtos na cobertura do evento pode ser considerada um indicativo dos princípios que orientam a recontextualização do festival pela mídia local. Em relação ao grau de abstração, o evento é representado na maioria dos textos de forma genérica, sem aprofundar conceitos. Quanto aos princípios de adição e vocabulário, foram identificados no gênero reportagem a presença de explicações, legitimações e avaliações (sublinhado nos trechos a seguir) como "o FIT ganhou nível estadual" (2003), "sucesso de público, que prestigiou em excelente número" e "quem foi não se arrependeu" (2009), além do uso de vocabulário que atribui valoração positiva ao evento, como "referência no teatro" (2018).

A preponderância do gênero nota pode sugerir o grau de importância que é atribuído pela imprensa local ao evento, sem destaque e expressão, especialmente, na edição de 2000, ano em que o festival iniciou. O espaço dedicado pelo jornal Nossa Época ao evento de estreia do festival, em 22 de abril de 2000, foi restrito a uma espécie de prestação de serviço, sem foto, limitou-se a divulgar horários e programação. A partir da nota, a representação do evento foi mais concreta, restringindo-se a um tratamento específico do acontecimento. As potencialidades do Festival não foram avaliadas no nível de uma prática ou de uma estrutura social.

ITAQUI NA ROTA DOS FESTIVAIS GAÚCHOS

Em 19 de abril de 2003, o jornal adotou o gênero reportagem para descrever a chegada dos primeiros grupos de fora de Itaqui no festival. O texto foi colocado no topo da página e com duas fotos dos espetáculos teatrais. O jornal Nossa Época ressaltou que "o FIT daquele ano ganhou nível estadual", salientando as outras sete cidades do Estado presentes, e finalizou ressaltando que " a cada ano os festivais que acontecem no estado revelam o empenho dos grupos em mostrarem trabalhos de excelente nível, demonstrando a força do teatro gaúcho", e que "Itaqui, através do IV FIT marcará presença na rota dos festivais gaúchos". As expressões "excelente nível" e "rota dos festivais" indicam a ocorrência de um vocabulário que atribuiu avaliação positiva ao evento, salientando o crescimento do festival e o potencial turístico que surgia. A adição de adjetivações, dependendo da forma como são usadas pelo repórter, podem sensibilizar o leitor e aumentar o seu interesse pelo acontecimento.

Por outro lado, o festival ainda era denominado pela comissão organizadora do evento como "teatro amador". Vale esclarecer que, no cenário dos festivais de teatro do interior do Rio Grande do Sul, essa expressão é utilizada em função de que a maior parte dos grupos não vivem apenas do teatro, desempenhando atividades profissionais paralelas em outros setores. Por isso, não são chamados de profissionais. Não se trata de fazer juízo de valor sobre o trabalho. Embora não fosse o objetivo, o termo "amador" pode ter gerado interpretações depreciativas junto ao público no que diz respeito à qualidade dos espetáculos teatrais.

O gênero notícia apareceu na edição de 15 de abril de 2006. O texto se concentrou na divulgação dos dados básicos do fato, em um relato objetivo e sucinto, informando do que se trata o acontecimento, quando e onde vai ocorrer, ou seja, valendo-se daquilo que o jargão jornalístico define como lide. Na perspectiva dos princípios de recontextualização de um evento social, é possível notar a ausência de uma narrativa que possibilite adições de palavras que acrescentem motivo ou propósito ao festival. Também há elementos excluídos, como a polifonia, em que outros atores sociais poderiam ter voz e contrapor pontos de vista. Assim como ocorreu com o gênero jornalístico nota, a escolha pela notícia demonstrou ser insuficiente para construir uma identidade cultural para o evento.

Os gêneros estão associados às práticas sociais da atividade jornalística. A escolha do gênero já pode sugerir o valor e a importância atribuída por quem produz a informação. Nesse caso, é possível questionar se o festival é considerado pela mídia local como uma mercadoria cultural, que poderia se tornar um atrativo turístico, como, por exemplo, os desfiles do carnaval de rua ou as festas da Semana Farroupilha no mês de setembro, que ganham mais destaque. Esses eventos estariam na identidade local, ao contrário do FIT, segundo o que foi representado na imprensa.

Em 12 de abril de 2014, os organizadores decidiram suprimir a expressão "amador" e o evento foi divulgado como 15º Festival Itaquiense de Teatro. A informação foi publicada pelo jornal mais uma vez como um serviço, com horários e programação, em um formato de comunicação institucional.

DE AMADOR À REFERÊNCIA

Como mencionado anteriormente, o FIT passou por um período de dois anos sem ser realizado. A volta foi em 2017, em um novo formato de organização em que grupos culturais da sociedade puderam integrar a comissão que promoveu a retomada do festival com a prefeitura da cidade, uma espécie de parceria público-privada. Nessa edição de retorno, a atração principal foi o espetáculo apresentado pelo grupo Estudio Teatro, da província de Corrientes, na Argentina, vencedor na categoria infantil. O formato foi repetido nos anos seguintes.

Com dez cidades representadas, a 17ª edição realizada em 2018 marcou a estreia de grupos do Paraná e do Rio de Janeiro. A Companhia Emerson Betiati do município de Ibiporã (PR) e a Gene Insanno Companhia de Teatro de Araruama (RJ) subiram ao palco do Theatro Prezewodowski. Os dois grupos também puderam conhecer o interior do município, durante o evento Cavalgada da Mulher Gaúcha, proporcionando uma integração cultural. Esses fatos foram destacados em reportagem de página inteira, com quatro fotos, no jornal A Verdade, em 4 de agosto daquele ano, que trouxe na manchete a frase "Festival consolida Itaqui como referência no teatro". O evento, que em edições anteriores era chamado de "amador", passa a ser retratado na imprensa local como "referência no teatro", proporcionando uma narrativa favorável ao festival, conforme a Figura 1 ilustra na sequência:

 

Figura 1 – Trecho de reportagem no jornal A verdade (Fonte: arquivo do jornal A Verdade)

Além de chamar a atenção para as potencialidades do turismo local, durante esse encontro entre o teatro e o tradicionalismo no interior de Itaqui, a reportagem também relatou que os artistas cariocas percorreram quase dois mil km para se apresentarem no FIT. O grupo conquistou seis prêmios no evento daquele ano. Por fim, o jornal informou que se tratou de "uma das raras participações" de um grupo do Rio de Janeiro em festivais gaúchos de teatro. O gênero reportagem mostrou que abre mais possibilidades para adicionar legitimações, motivos ou propósitos ao evento, o que poderia ser mais difícil de acontecer nos gêneros nota e notícia.

4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa foi possível identificar que o Festival Itaquiense de Teatro (FIT) foi modificando seus objetivos desde sua criação em 2000. Se na primeira edição a ideia era proporcionar um espaço para as companhias teatrais locais demonstrarem suas atividades cênicas, em 2017 e 2018 o FIT ganhou destaque da imprensa local por receber grupos de fora do Rio Grande do Sul, como Paraná, Rio de Janeiro e Argentina. O evento causou impacto tanto no turismo quanto no intercâmbio cultural, além de oferecer ao público acesso a bens culturais regionais. Isso também agregou à Itaqui a imagem de cidade que pode ser considerada uma referência em teatro no Estado.

Do ponto de vista da Análise de Discurso Crítica, a conclusão parcial é a de que a escolha dos gêneros jornalísticos revela o valor atribuído ao evento pela imprensa local. O gênero nota foi o mais utilizado, embora seja o que menos possibilita aprofundar o assunto e expor as qualidades do evento. Quando os jornais utilizaram o gênero reportagem, a singularidade do FIT veio à tona, em um texto mais denso, com mais vozes, podendo gerar o interesse do público pelo festival. Com espaços de divulgação mais apropriados, o festival será valorizado e a cidade vai desenvolver junto.

REFERÊNCIAS

ITAQUI, Lei Municipal nº 3.425/09, de nove de fevereiro de 2009. Estabelece o novo calendário de Eventos Oficiais do Município e dá outras providências. Banco de Leis da Câmara de Vereadores de Itaqui. Disponível em http://www.camaraitaqui.rs.gov.br/?action=legislacao_leis&tipo=1&sel=2&texto=cale&pagina=2

PECQUEUR, Bernard. O desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimento para as economias do sul. Campina Grande: Raízes, 2005.

RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise de Discurso Crítica. São Paulo: Editora Contexto, 2006.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

FAIRCLOUGH, Norman. Analyzing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003.

SEIXAS, Lia. Teorias de jornalismo para gêneros jornalísticos. São Paulo: Galáxia, 2013.

POSSELT, Graziele. Gêneros jornalísticos na contemporaneidade: uma análise dos jornais Folha do Mate e O Informativo do Vale. Lajeado: Univates, 2017.

ITAQUI vive 1º Festival de Teatro. Nossa Época, Itaqui, 22 de abril de 2000.

FESTA do teatro em Itaqui. Nossa Época, Itaqui, 19 de abril de 2003.

VII Festival Itaquiense de Teatro Amador começa dia 20. Nossa Época, Itaqui, 15 de abril de 2006.

BARBOSA, Juliano. Itaqui conhece os vencedores do Festival de Teatro. Nossa Época, Itaqui, 25 de abril de 2009.

PARTICIPE do 15º Festival Itaquiense de Teatro. Nossa Época, Itaqui, 12 de abril de 2014.

FESTIVAL consolida Itaqui como referência no teatro. Jornal A Verdade, Itaqui, quatro de agosto de 2018.


Palavras-chave


Estudos Linguísticos Unicap

Referências


ITAQUI, Lei Municipal nº 3.425/09, de nove de fevereiro de 2009. Estabelece o novo calendário de Eventos Oficiais do Município e dá outras providências. Banco de Leis da Câmara de Vereadores de Itaqui. Disponível em http://www.camaraitaqui.rs.gov.br/?action=legislacao_leis&tipo=1&sel=2&texto=cale&pagina=2

PECQUEUR, Bernard. O desenvolvimento territorial: uma nova abordagem dos processos de desenvolvimento para as economias do sul. Campina Grande: Raízes, 2005.

RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise de Discurso Crítica. São Paulo: Editora Contexto, 2006.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

FAIRCLOUGH, Norman. Analyzing Discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003.

SEIXAS, Lia. Teorias de jornalismo para gêneros jornalísticos. São Paulo: Galáxia, 2013.

POSSELT, Graziele. Gêneros jornalísticos na contemporaneidade: uma análise dos jornais Folha do Mate e O Informativo do Vale. Lajeado: Univates, 2017.

ITAQUI vive 1º Festival de Teatro. Nossa Época, Itaqui, 22 de abril de 2000.

FESTA do teatro em Itaqui. Nossa Época, Itaqui, 19 de abril de 2003.

VII Festival Itaquiense de Teatro Amador começa dia 20. Nossa Época, Itaqui, 15 de abril de 2006.

BARBOSA, Juliano. Itaqui conhece os vencedores do Festival de Teatro. Nossa Época, Itaqui, 25 de abril de 2009.

PARTICIPE do 15º Festival Itaquiense de Teatro. Nossa Época, Itaqui, 12 de abril de 2014.

FESTIVAL consolida Itaqui como referência no teatro. Jornal A Verdade, Itaqui, quatro de agosto de 2018.