Os últimos acontecimentos relativos à “Lei das Fake News” (como ficou conhecido popularmente o Projeto de Lei nº 2630/2020), que envolveram reviravoltas e manobras políticas, estímulo de cerco a deputados, acusações de “poderes de censura” e de “fim da liberdade de expressão”, me fizeram lembrar bastante de uma de minhas leituras de férias do ano passado. E, acredite, isso tem tudo a ver com você, estudante, professor ou profissional de jornalismo. Tem a ver com todo mundo, na verdade.
O livro em questão foi/é “Ecologia” (Editora Dublinense, 2022, 512 págs.), da inventiva escritora portuguesa Joana Bértholo. A premissa é simples e ao mesmo tempo aterrorizante: num mundo totalmente distópico, as big techs começam a deter o controle da linguagem humana. Como se não bastasse o perigo, essas mesmas grandes corporações tecnológicas passam a cobrar por todo e qualquer uso de palavras e também a monitorá-lo. Todo uso mesmo, por menor que seja.
Imaginem o cenário: o nosso último grande refúgio de liberdade individual, a palavra, sendo regrada, envelopada e comercializada por meio de um algoritmo regido pelo mercado, com seus interesses e estratégias, seus planos e conexões. Vamos, assim, acompanhando na história a saga de personagens em meio a toda essa realidade assustadora (…e verossímil também) como Ana, Candela, Darla e o casal Tápio e Carolina. Durante a leitura, ficamos nos questionando sobre o que ocorre quando só nos resta dizer aquilo pelo que nosso dinheiro pode pagar.
O fato é que o PL 2630/2020 chegou para estabelecer normas que já deveriam ter sido estabelecidas há tempos e, sejamos justos, vale deixar bem claro aqui que ele não resolve todos problemas, nem de longe. Transparência, combate à desinformação e origem dos conteúdos deveriam estar claros desde o “início do jogo”, que é o fluxo comunicacional nas redes sociais e nos apps de mensagem instantânea, por exemplo. De um lado, temos a grande maioria das big techs insistindo no discurso de perseguição; do outro, temos uma necessidade urgente de fazer com que as responsabilidades sejam atribuídas e postas.
E eis aqui uma palavra (que, por enquanto, é gratuita) para se juntar à liberdade e à linguagem, bem no finzinho do nosso texto. Responsabilidade. Em tempo: aqui não falo sobre responsabilidade com o que é dito, nem tão pouco sobre o direito de dizer e o dever de responder por aquilo que se diz (isso é um desdobramento desse assunto e merece outro texto, ou vários deles…). O fato é que nós jornalistas, diante de toda dessa discussão, já deveríamos saber essa lição de cor, fazendo tão bem o que sabemos fazer desde sempre: usar as palavras.
Por Dario Brito