Por Marcelo Dantas
Marcelo Dantas, filho de Elizete e Moacyr, criado no meio da Educação, Jornalismo, Cultura e Movimentos Sociais, cresceu e foi estudar História, para entender que queria ser escritor e jornalista. Vive tentando materializar o abstrato.
Dentro do caminhão, no sol mais quente da manhã, os ossos da coluna se destacam. Dá para perceber o calor cansado daquelas vértebras, costelas, fêmur, crânio, tíbia, peles, sebos – restos. O estômago não está à mostra, mas o vazio está lá, entre a ausência da carne e das políticas públicas.
Mais que postes, em cada esquina há desastres compondo a pintura. Noites de sonos incertas sob marquises, violências que cercam as maiúsculas minorias, fome que trança o interior da barriga. Para cada absurdo desses existem olhos fechados (para uns a morte, para outros a inindiferença).
A foto choca, a matéria comove, a realidade indigna, mas o que fazemos?
Dom Helder Camara era tido como santo ao dar comida aos mais pobres, mas quando perguntava por que eles são pobres o elogio vinha sob uma outra lente. O Dom da Paz nos provoca a reflexão de que a fome urge, mas ela não está ali à toa. De um lado, 13,6% dos brasileiros já ficaram um dia sem comer na pandemia, do outro, apenas 20 pessoas no mundo acumularam 1,77 trilhão de dólares no fim de 2020. A desigualdade coloca essas cores numa mesma paleta para lembrar que vivemos num sistema injusto e explorador de corpos, tempos e almas.
A existência não é um quadro exposto numa galeria, com luz e temperatura adequadas. A interação pode ultrapassar a faixa que indica o limite, tirar a tela da moldura barroca e intervir com pinceladas sólidas, aquarelas e sprays.
Dar comida a quem tem fome é um ato de se imaginar na situação do outro, mas não pode parar aí. Estudar e fazer parte de articulações que lutam contra esses e outros males é necessário. Não basta ser santo, tem que entender quem faz, e como faz, o mundo ser assim. Do despertar da consciência, saber que a mudança estrutural é possível, pois enquanto houver uma pessoa com fome, o sangue vai continuar a ser a tinta das elites.
Como eu sempre digo, enquanto houver uma pessoa com fome é o sinal de que a política econômica é excludente. E devemos nos indignar, não somente, tentar mudar o quadro como nos ensinou Jesus.