Adriana Dória Matos

Elas estavam todas bem aprontadas para aquele momento. Chegaram com todo o aparato: as roupas especiais, pessoas da família e amigos que lhes serviam de apoio e primeiro público, os fotógrafos que lhes fariam deslumbrantes, e o cenário de sonho para emoldurar tudo.

A primeira que apareceu foi a mocinha, vinha com a mãe, o pai, duas irmãs mais novas, meninas ainda, o fotógrafo e a fotógrafa. Além deles e suas máquinas profissionais, o pai e a mãe dispunham também das câmeras dos seus celulares para os registros.

A beira do mar era o cenário em comum e, assim como eu, outras pessoas estavam por ali, aproveitando aquela tarde gostosa em que o mar rugia e se movimentava afoito numa conversa com o vento, que soprava forte.

A mocinha de 15 anos se postava diante das câmeras, olhava bem para todas elas – as dos fotógrafos e as dos pais, aproveitava aquele momento de atenção total que seria eternizado em imagens, imitava gestuais de modelo. As duas meninas, que de início também ficaram mobilizadas pela encenação, logo se dispersaram, tiraram as sandálias e foram brincar com as ondas, ensaiando passos de dança. Uma delas segurava os três balões em forma de coração cujo vermelho vibrante serviria em breve como acessório para outra cena da Estrela da Tarde.

Enquanto essa caravana se encaminhava mais ao sul da orla, apareceu a primeira grávida e seu séquito. Ela e a fotógrafa postaram-se à nossa frente, de modo que não foi nenhum esforço assistir àquela sessão. Ela usava um vestido branco, com cauda, colado ao corpo, que ressaltava a majestade de sua barriga.

Ali, com o mar ao fundo, cabelos voando, ondas lambendo os pés, a mulher me trouxe Yemanjá, que é a mãe de todos os orixás, portanto, a provedora da vida. Não sei como aquela família toda de branco – mãe, feto, pai, irmã mais velha – que se postou diante do mar e da câmera zelosa da fotógrafa acolhe essa Mãe Ancestral, mas eles pareciam que estavam na festa de 2 de fevereiro, quando os brasileiros celebram a Rainha do Mar. Gostei de contemplar aquilo e até cantarolei: “Eu vi, eu vi, eu vi minha mãe Yemanjá/ Eu vi a sereia, eu vi a sereia cantar…”.

Mas aquela tarde de quase primavera tropical ainda me reservava a visão de outras maternidades. Outras geradoras que se desejam eternizadas em fotografias produzidas, em roupas especialmente escolhidas, em cores, adereços, símbolos desse desejo nosso de transcender ao banal dos dias, daquilo que em geral não se fotografa, porque desprovido dessa beleza que imaginamos e queremos mostrar ao mundo. São imagens distantes daquilo que se constitui a existência palpável que não se verá nas fotos, mas que será o pão nosso de cada dia.

Num colorido que se misturava perfeitamente às cores que o ocaso vai tecendo, as outras grávidas vestiam, cada uma na sua fantasia, vestidos longos em rosa e amarelinho. Suas poses, à distância, se misturavam aos tons da areia e à cartela sofisticadíssima que o crepúsculo cumpria. De vez em quando, um flash quebrava aquela harmonia que teimava em se instalar entre elas e a natureza, lembrando o artifício a que se propunham.

O dia foi se despedindo e, àquela altura, os vultos ficavam cada vez mais indistintos, eram formas que se desmontavam, cenas que se extinguiam, partiam, aqueles aparatos todos ocupando caixas, sendo guardados para outra ocasião, para outra tarde limpa e bela, em que os elementos da natureza – água, terra, ar e o fogo da vida – se prestarão como moldura. Supus, junto com o anoitecer, que fotos dormirão nos álbuns de família, impressos, se tanto, folheados em momentos especiais quando, de todo absortos das nossas obrigações, desejaremos mais uma vez sonhar com aquela brisa de céu e mar que, no entanto, mal vivemos, ocupados que estivemos em eternizar nossas poses.

Adriana Dória Matos, jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco, com mestrado em Teoria da Literatura pela UPFE, professora do curso de Jornalismo da Unicap e editora da revista cultural Continente.