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Por: Wilma Santos

O 44º Congresso Nacional da Intercom, que será realizado em outubro, na Universidade Católica de Pernambuco, ressalta o pensamento e as contribuições do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, ao trazer a temática “Comunicação e resistência: práticas de liberdade para a cidadania”. A homenagem ocorre no ano do seu centenário de nascimento, numa tentativa de contribuir para a quebra do ciclo político de ideologia extremista que ameaça o reconhecimento de direitos e liberdade. 

Conhecido internacionalmente como um dos maiores pensadores da educação, Freire revolucionou a história da pedagogia mundial com o movimento Pedagogia Crítica, e, no ano de 2012, recebeu o título de Patrono da Educação do Brasil, com a sanção da Lei nº 12.612. 

A trajetória de Paulo Freire foi marcada por suas obras e seu método educacional, e tornou-se um exemplo para muitos outros educadores. Contatamos alguns desses freireanos para saber um pouco mais sobre as inspirações em Freire, na busca da renovação do método educativo tradicional para uma forma de troca de saberes entre educadores e educandos.

A professora de Jornalismo e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Andrea Trigueiro, doutora em comunicação, jornalista e educomunicadora, aponta as mudanças das políticas educacionais inspiradas em Paulo Freire. “A grande maioria está no campo dos movimentos populares, na educação popular e chega nas gestões, principalmente quando a gente fala de Pernambuco. Paulo Freire é um inspirador da prática pedagógica nas escolas municipais do Recife, inclusive, o Centro de Formação dos Professores da Prefeitura do Recife, na Madalena, se chama Paulo Freire.” 

Em uma experiência realizada em Angicos, município do Rio Grande do Norte, com trabalhadores rurais e analfabetos, Freire promoveu a educação de jovens e adultos e conseguiu, em curto espaço de tempo, êxito em levar as pessoas a ler e escrever. Essa experiência o fez ficar conhecido por criar um método educacional que era diferente, libertário. Por isso, foi perseguido pelo regime militar e obrigado a se exilar em outros países. Nesse período, fez visitas a várias escolas e universidades, coordenando projetos de alfabetização em países como Chile, Bolívia, Guiné-Bissau e Moçambique, com excelentes resultados.

O educador é conhecido e estudado na Suíça, Finlândia, demais países nórdicos e nos Estados Unidos. O método educacional de Freire é utilizado na Revere High School de Massachusetts, uma das melhores escolas públicas dos Estados Unidos.
Inspirado na obra “Pedagogia do Oprimido”, que propõe um método de alfabetização dialético, Freire se diferenciou e se destacou entre os intelectuais de esquerda tradicionais e sempre defendeu o diálogo com as pessoas simples, não só como método, mas como um modo de democratizar a educação. A sua prática didática tem fundamento na crença de que o educando apreende o objeto de estudo com uso de prática dialética com a realidade. 

Freire foi um educador que não se preocupou exclusivamente com as questões cognitivas, o trabalho dele não está focado nos processos neurocientíficos de aquisição do saber, de construção do saber ou de memorização. Seu trabalho se debruça sobre o deslocamento do pensamento, da educação do indivíduo consigo mesmo, para relação de um sujeito com o seu contexto. Isso é poderosamente transformador em Paulo Freire e no foco das suas percepções. 

A professora da UNICAP, Aline Grego, 61 anos, jornalista, pedagoga e mestre em Estudos Avançados em Educação publicou o livro Alfabetização do olhar (1989) como o resultado da sua dissertação. “Como Freire fala, ‘a Pedagogia do Amor é a pedagogia do oprimido’, sobretudo tentar compreender realidades diferentes da realidade do próprio professor. Tentei fazer isso durante a minha prática escolar com alunos da periferia. “A ‘alfabetização do olhar’, porque não precisa se alfabetizar nem deve ser só alfabetizado em relação ao texto. O olhar também precisa ser alfabetizado em relação ao que se vê, ao que se observa, detectar o que pode parecer invisível quando não é invisível, como pobreza, as injustiças,e, sobretudo, perceber a partir de um olhar que envolve imagem e som, que nós temos outros sentidos de aprendizado,” explica.

A ideia de Aline Grego era trabalhar do ponto de vista científico essas curiosidades, mas sendo vista de uma forma científica. Portanto, de forma investigativa, capaz de ser analisada, sistematizada, verificada para poder dar um resultado sobre ela. “Percebendo que havia esse ponto em comum, eu posso dizer que o olhar provocador inquieto de Paulo Freire, me contaminou desde quando estudante de pedagogia, para também ter um olhar inquieto e questionador como professora.” afirma Aline.

Contribuição de Freire na educomunicação e na comunicação comunitária

Tarcísio Camêlo é jornalista, educador social e defensor dos direitos humanos. Atua na produção de conteúdos audiovisuais e de rádio, documentais e ficcionais, e na incidência política para comunicação comunitária, comunicação pública e independente desde 2007. Atualmente, é pós-graduando em Tecnologias da Aprendizagem. Como educador, desenvolve formações dedicadas para crianças, adolescentes, jovens, adultos, profissionais da educação e agentes dos movimentos sociais em comunicação, direitos humanos, cinema, rádio, podcasts e novas tecnologias. Já desenvolveu trabalhos na Rádio Comunitária Alto Falante, ONG Auçuba – Comunicação e Educação e no Programa de TV Pé Na Rua. Trabalha como comunicador da Releitura – Bibliotecas Comunitárias em Rede.  

“Como jornalista e educomunicador, procuro sempre desenvolver trabalhos de forma dialógica. A prática de produção não traz o produto em si como principal fator, mas sim o processo de construção, a forma participativa, o envolvimento dos diferentes atores sociais e as trocas de experiências e descobertas de novas possibilidades comunicativas e estéticas, diferentes do que já está posto pela mídia tradicional, e sempre levando em consideração as suas identidades.” afirma Tarcísio  

No Brasil, Paulo Freire trouxe muitas contribuições para buscar a ruptura de métodos mais tradicionais e ressaltar a necessidade de atitudes críticas e transformadoras no universo escolar, buscando proporcionar ao estudante e ao professor a abertura para o diálogo e a possibilidade de expandir as situações de aprendizagem para cenários diferentes da escola e da universidade. 

“Pensando nisso, as propostas de formações que realizo são sempre em consonância com os ensinamentos de Paulo Freire priorizando um diálogo que envolva as dimensões técnicas, humanas, políticas e lúdicas por meio dos princípios metodológicos do aprender fazendo e com o intuito de não dissociar a teoria da prática. Os ciclos de formação são sempre construídos de forma que permita que pessoas possam se assumir como ser social e histórico, pensante, comunicante, transformador, criador e realizador de sonhos, mas sem que isso signifique a exclusão dos outros, à luz dos ensinamentos do pedagogo Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa (1996).”, enfatiza Tarcísio.

Essa forma horizontal e dialógica, entendendo as identidades e o contexto social que Freire apresenta, é uma das grandes colaborações do educador para a comunicação e a educação. Atualmente, as pessoas estão mais conectadas aos meios de comunicação digitais, desenvolvendo habilidades específicas para a interação com a mídia. Com os avanços tecnológicos digitais nas últimas décadas, torna-se ainda mais relevante a reflexão sobre a necessidade de mudar a maneira como os professores ensinam e como os alunos aprendem. O método proposto por Paulo Freire confronta as estratégias mais tradicionais em que os conhecimentos são adquiridos por meio de memorização ou de transmissão daqueles que “sabem” para os que “não sabem”, e defende, assim, a aprendizagem como processo ativo a partir da prática, da interação, do diálogo, dos contextos sociais e da experimentação.