Por Maria Clara Monteiro

O Intercom, Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, homenageia o educador pernambucano Paulo Freire, com o tema “Comunicação e resistência: práticas de liberdade para a cidadania”. Conhecido pelo jeito humanizado e acolhedor de educar, Freire transforma a maneira com que as pessoas enxergam a sala de aula. Com isso, vários professores se tornaram adeptos ao método freiriano.

Dentre estes, a professora da Unicap, jornalista, pedagoga e mestre em Estudos Avançados em Educação, Aline Grego. O seu primeiro contato com Paulo Freire foi na graduação de Jornalismo, mas foi no curso de Pedagogia que ela teve a vivência da prática pedagógica proposta pelo educador. “É uma educação zelosa em que você apenas não repassa o conteúdo, você procura, a partir dos temas que são abordados em sala de aula, discutir o contexto deste tema: porque é que as coisas acontecem, as possíveis razões para que isso ocorra, e também tentar, dentro dessa conversa, buscar possíveis soluções alternativas, de forma clara e evidente”, explica Aline.

Há muitos anos dentro do universo escolar, Aline relata que possui inúmeras memórias em relação ao seu trabalho como educadora. Uma, em destaque, aconteceu na escola municipal da Comunidade do Coque, no Recife. Atualmente, a escola não existe mais, porém foi palco de inúmeras atividades educomunicativas. Os alunos, impressionados com filmes e programas japoneses, refletiam sobre os possíveis heróis das tramas. Em uma das conversas, o assunto se tornou o dia a dia dos pais.

“Uma das alunas parou e disse assim: ‘ora, os heróis mesmo são os nossos pais, não são desses filmes que a gente assiste’. Ela lembrou que o pai dela acordava 4:30 da manhã para trabalhar, pegava o ônibus cheio e era difícil pra ele. Então, eu fiquei muito feliz, porque ela foi capaz de ter essa dimensão, de compreender que existiam pessoas, talvez mais heróis perto dela, do que aqueles que eles entendiam, na ficção, como sendo os verdadeiros heróis”, contou a pedagoga.

Andrea Trigueiro, jornalista, professora do curso de Jornalismo da Unicap, doutora em comunicação e educomunicadora, também conheceu Freire na Universidade, e, a partir daí, não o largou mais. “No curso de Jornalismo, logo no início, ao estudar teorias da comunicação, eu me deparei com o pensamento de Paulo Freire. Eu identifiquei que as minhas preocupações, as problemáticas que me chamavam a atenção, já eram respondidas e já tinham sido entendidas por Freire, de uma forma muito amorosa. Então, eu fui ver o quanto ele entendia e defendia o diálogo amoroso entre as pessoas e a educação”, relatou Andrea.

A forma como Paulo Freire enxerga todos os saberes e destaca as suas respectivas importâncias fortalece a hierarquia horizontalizada. Para Andrea, dessa forma, é possível entender que todos os sujeitos aprendem e ensinam em harmonia. “Ele coloca essa horizontalidade em todas as suas relações didáticas. Então, a partir dessa premissa, todos têm direito a voz, a se expressar. O professor não é detentor dos saberes, não é aquele sujeito que sabe tudo, em diálogo com alunos que não sabem nada. Ele olha pras pessoas de uma forma integral, pensando na comunicação e na educação de forma libertadora, para que cada um tenha autonomia de escolhas, de pensamentos e de expressão no mundo”, expôs a educadora.

Assim como Aline, Andrea também vivenciou experiências na sala de aula com o método “educomunicativo”. Ela destacou o “Rádio na Real”, um projeto de programa de rádio desenvolvido na disciplina de Radiojornalismo e que foi além da Universidade.

“Eu e os alunos decidimos que íamos pegar esses nossos aprendizados e iríamos aplicá-los. Essa sala de aula escolheu aplicar junto com crianças do ensino fundamental das escolas públicas do Recife. Então, fizemos uma parceria com a Secretaria de Educação do município e os alunos planejaram oficinas e executamos juntos. Eles construíram, junto com essas crianças de nove a doze anos, técnicas de rádio, com práticas educomunicativas, de forma dinâmica, lúdica, participativa, dialógica”, revela a jornalista.

Com todo o suporte necessário, as crianças desenvolveram programas com temáticas ligadas aos direitos humanos, como bullying, intolerância religiosa e feminicídio. “Aprenderam a fazer matérias, texto, gravar e entrevistar gente. Essa experiência foi maravilhosa. Esse programa foi veiculado pela Rádio Frei Caneca. Venceu editais e virou artigo, também ganhou uma Expocom Nacional. Nós tivemos experiências incríveis dos meus alunos fixarem o aprendizado, a partir do momento em que eles estavam ensinando, porque quando a gente ensina, a gente também aprende muito”, aponta Andrea.

O aluno do 4º período do curso de Jornalismo, Micael Morais também ingressou em um projeto com práticas educomunicativas. A EducomDH – Escola de Comunicação e Direitos Humanos, uma iniciativa da professora Andrea Trigueiro. “A Educomunicação em si tem isso de aprendermos com o que temos, com o que sabemos. É um projeto construído por alunos e tem sido uma experiência maravilhosa. Tenho aprendido bastante, e estou tendo a oportunidade de colocar em prática minhas habilidades. A Educomunicação é um método super positivo na minha formação, porque está me dando a oportunidade de desenvolver habilidades que eu sempre fui muito tímido em fazer, como, por exemplo, matérias em audiovisual. Sempre foi um sonho, mas eu tinha muita vergonha de fazer, e com a prática, estou conseguindo me desenvolver mais”, narra Micael.

Para a professora Aline, Paulo Freire via no comunicador uma responsabilidade de cidadania e pedagógica. “Ele entendia que a educação é um processo comunicativo. O grande legado é ver a liberdade, o pensamento livre e crítico, capaz de empoderar as pessoas, de fazer com que a cidadania seja não uma palavra vazia. É uma pedagogia preocupada, sobretudo, com os menos privilegiados, com os que tenham mais dificuldades, não porque não foram capazes de aprender; mas porque havia sido negada a possibilidade de desenvolverem seus conhecimentos”, declara.

“O legado de Paulo Freire qualifica o Jornalismo na medida em que propõe uma educação libertadora. E quando a gente consegue aplicar Paulo Freire na sala de aula, educativamente, para a construção do profissional de Jornalismo, a gente está trazendo aspectos humanistas. A construção dos saberes, um ambiente com confiança, onde o erro não é punido, mas faz parte do processo de aprendizagem, onde não tem pergunta boba, nem pergunta proibida, onde todos podem refletir sobre si, sobre o mundo, entender o seu papel, a sua contribuição e lutar pelo mundo melhor, onde haja justiça”, atesta Andrea.