Assistir Retratos Fantasmas (2023), de Kléber Mendonça Filho, me fez pensar na ideia de Roland Barthes da imagem estática da fotografia como um “isso foi” e da imagem em movimento – do cinema, da TV, do vídeo – como um “isso é”, no sentido de Steven Shaviro, de um simulacro que persiste em se manter vivo, grávido de virtualidades. Nessa dialética entre o “isso foi” e o “isso é” é interessante observar o quanto as imagens em geral nos afetam, nos transportam a outras dimensões de vida, fazem criar mundos imaginários, fantasmas, para ser coerente com o título do filme em questão.

Muitas das conversas, matérias e comentários que tenho ouvido, lido e assistido sobre a obra mais recente do cineasta Kléber Mendonça Filho, indicada como representante do Brasil para o Oscar de 2024, tocam na questão afetiva das imagens do passado, em particular, dos cinemas de rua, do tempo em que a vida imaginária do cinema se estendia pelas calçadas e ruas das cidades, numa relação de contiguidade e/ou contraponto.

De fato, as salas gigantescas e glamourosas que ocupavam, sobretudo, a região central do Recife, e o cinema enquanto arte e diversão são presenças marcantes ao longo de todo o filme. Mas Retratos Fantasmas tem outras camadas, como muitos dos documentários contemporâneos estruturados em primeira pessoa. Em geral são filmes que partem da história pessoal do realizador para discutir de maneira um tanto quanto ensaística algo mais profundo, e exigem uma postura mais ativa da recepção para construir o sentido de suas partes, do pessoal para o social, do particular para o geral e vice-versa. 

Retratos Fantasmas não é uma celebração do passado, da beleza dos tempos em que a região central da cidade do Recife tinha charme e distinção. Mas sim um filme ensaio que reflete criticamente sobre as mudanças nos espaços urbanos de uma grande metrópole em função do movimento do capital, e o quanto essas transformações tendem a apagar o convívio entre as pessoas nesses locais criando fantasmas das mais variadas espécies. De maneira direta ou indireta essas questões estão presentes também no conjunto da obra fílmica do cineasta, citada em Retratos Fantasmas.   

Como disse Walter Benjamin em uma de suas teses sobre o conceito de história, “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”. A cada monumento erguido pela cultura capitalista erguem-se também ruínas geradas pela sanha insaciável do capital. 

As cenas finais do filme parecem emblemáticas. Seria o motorista de aplicativo que tem o poder de desaparecer a mão invisível do mercado, de Adam Smith? A sequência de farmácias seria um mero indicativo do negócio do momento ou um sintoma da barbárie? São questões para refletir. Retratos Fantasmas segue em cartaz em alguns cinemas do Recife. Vale a pena conferir.

Por Cláudio Bezerra