Por Rafael Gueiros

No início do ano de 2020, por meio de redes sociais como o Twitter, Instagram e até o TikTok, foi popularizada uma linguagem mais inclusiva e acessível, chamada de linguagem neutra. Ela conta com pronomes que não se identificam com um gênero específico, palavras como “elu”, “linde”, “todes” e muitas outras variações com o objetivo de incluir pessoas independente de gênero. Mas existem relatos de culturas tão antigas quanto a havaiana que usam de um conceito de “terceiro gênero” para descrever aqueles que não se identificam com homens ou mulheres, popularizado hoje, principalmente, pela existência de pessoas conhecidas como “não-bináries”. Quem é não-binárie não se identifica totalmente com um gênero ou outro, encontrando-se fora dos papéis de gênero impostos pela sociedade.

Apesar do conceito não ser atual, a linguagem neutra encontra resistência para ser aceita, principalmente por pessoas mais tradicionais e conservadoras. O principal argumento contra a linguagem neutra é o de que não se pode reinventar a língua portuguesa.  No entanto, é possível perceber que o preconceito existe. Ainda que não tenha sido oficializado, o pronome neutro vem causando um dilema no jornalismo pela divisão que cria entre respeitar pessoas que usam o pronome neutro e usar o português oficial. 

Já existem exemplos do uso do pronome neutro no jornalismo brasileiro. Um deles foi durante um programa no SporTV, quando a narradora Natália Lara usou o pronome “elu” para se referir a Quinn, jogadore de futebol canadense que é não-binarie e usa pronomes neutros. O fato provocou uma grande debate no meio jornalístico, Por um lado, o argumento que o pronome neutro destrói a língua portuguesa, por outro, que é necessário respeito acima de tudo.

No jornalismo independente, principalmente nas iniciativas populares nas redes sociais, o pronome neutro é amplamente usado para se referir a artistas, musicistas e até ao público geral. Grandes empresas jornalísticas como a Folha de São Paulo ou o Diario de Pernambuco estão pouco a pouco inserindo o assunto em suas postagens nas redes sociais e, ainda, nas reportagens, principalmente em suas versões online. A repercussão sobre o uso do pronome neutro é gigante, principalmente por empresas mais conservadoras. Mesmo assim, textos como “Estamos prontes para o gênero neutro?”, de André Fischer, da Folha de São Paulo e O guia das Nações Unidas em relação à linguagem neutra na língua inglesa vêm popularizando o tema.

Em 19 diferentes estados brasileiros a linguagem neutra é tema de um total de 34 leis estaduais opostas ao uso do português inclusivo. O foco da maioria delas é a proibição do uso em escolas e na administração pública, com a justificativa da “defesa da família”. Em matéria publicada pela Marco Zero Conteúdo, coletivo pernambucano de jornalismo independente e investigativo, a presidenta da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), Symmy Larrat, ressalta que “Com esse discurso de ódio, nos retiram da família, nos expulsam, nos colocam em vulnerabilidade”. Além das leis estaduais, o Governo Federal proibiu que projetos apoiados pela Lei Rouanet usem o pronome neutro.  

A linguagem não é imutável, ela se adapta de acordo com as próprias mudanças da sociedade. Assim como o idioma é fluido, também é o conceito de gênero. Proibir o uso da linguagem inclusiva é apagar um grupo inteiro de pessoas que já é invisibilizado pela sociedade. Os Estados Unidos e a Suécia já adotaram o pronome neutro. O Canadá e a Argentina têm projetos de lei garantindo o uso do pronome neutro nas escolas e até no hino nacional, graças ao trabalho de ativistas. Ampliar o acesso à informação e o debate sobre a linguagem neutra tem sido uma das pautas de influencers como Mar Faciolla, Alok Vald-Menon e Bryanna Nasck, que usam as redes sociais para debater o conceito de gênero. Materiais como o do estudante de letras Gioni Caê de Almeida, que elaborou o Manual para o uso da linguagem neutra em Língua Portuguesa, colaboram também para evitar o binarismo de gênero e mostrar que a mudança estimula a inclusão de todes.