Por: Guilherme Anjos
Na última segunda-feira (03), data marcada pelo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) deu início às atividades da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação — uma homenagem ao ilustre comunicador que há 60 anos fundou o curso de Jornalismo da UNICAP.
“A Cátedra é um espaço de fomento à cultura da pesquisa científica, da produção e difusão de conhecimento, nesse caso em particular, da área da Comunicação“, afirma Juliano Domingues, jornalista, doutor em ciências políticas e coordenador da Cátedra Luiz Beltrão. A iniciativa é mais um dos diversos projetos da Escola de Comunicação da UNICAP que segue o legado de Luiz Beltrão, criando um ambiente que promove a construção do conhecimento entre estudantes de graduação e profissionais da área. “Um ponto de encontro, de reflexão compartilhada sobre a prática comunicacional, por meio de eventos científicos, como mesas-redondas, seminários e colóquios“, completou.
A ideia de uma Cátedra voltada para pesquisa no campo da comunicação não é novidade dentro da Universidade, e sim o resultado natural da tradição de inovação em estudos em Comunicação estabelecida por Beltrão, e mantida pela UNICAP e pelo curso de Jornalismo. Os trabalhos realizados pelo Mestrado em Indústrias Criativas, assim como a própria Escola de Comunicação, inaugurada neste ano, também são outros frutos desse caminho.
“A ideia estava no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UNICAP como uma das metas a ser realizada até 2022 e, agora, se torna realidade, como fruto de um processo gradual de consolidação da pesquisa na nossa Universidade“, contou Domingues.
Para celebrar o início das atividades da Cátedra, a UNICAP, juntamente à Escola de Comunicação e ao Curso de Jornalismo, proporcionou um evento on-line no canal do Youtube da Universidade. A cerimônia, que durou aproximadamente duas horas, contou também com uma apresentação cultural e uma conversa sobre a vida e a obra de Luiz Beltrão.
“O momento presente, apesar de tudo, não poderia ser melhor para inaugurar a Cátedra Luiz Beltrão, reconhecendo o seu legado e pioneirismo“, afirmou o prof. dr. pe. Pedro Rubens, Reitor da UNICAP, em seu discurso de abertura da cerimônia. Para o Reitor, o período de pandemia carece de boas notícias que gerem resistência e fortaleçam as convicções e missões educativas. Além disso, o Reitor também acredita que a Comunicação ganhou ainda mais importância durante os últimos anos, com o cerceamento da liberdade de imprensa, os ataques aos jornalistas e a onda de fake news. “Paradoxalmente, esse cenário grave e preocupante também nos faz reagir, ser criativos e deixar de adiar projetos“, completou.
Após as falas de abertura, a palavra foi passada para Luiz Beltrão — neto do comunicador homenageado. “Se a obra de Luiz Beltrão é fenomenal ao ponto de ser escolhido como onomástico de uma Cátedra universitária, nós como familiares queríamos deixar claro: ela é apenas o coronário de uma vida pautada pela ética e pela preocupação com os outros, em particular pelos mais humildes e desfavorecidos”, afirmou Beltrão, agradecendo a homenagem feita em nome de seu avô — um ícone em pioneirismo e inovação no cenário da Comunicação.
Durante a cerimônia, o prof. dr. Juliano Domingues apresentou a identidade visual da Cátedra, criada pelo professor Breno Carvalho, assim como as atividades a serem executadas durante os próximos anos. A primeira ação apresentada, o Colóquio Luiz Beltrão, consiste em realizar colóquios com pesquisadores do campo da comunicação sobre pesquisas desenvolvidas ou ainda em desenvolvimento. Outra atividade proposta são ciclos de seminários Icinform, que propõem debates ontológicos e epistemológicos no campo da comunicação, assim como uma integração entre os cursos da Escola de Comunicação e o Mestrado em Indústrias Criativas. Uma terceira ação, chamada de Criatividade para Sustentabilidade, promoverá mesas redondas e workshops sobre impacto social da comunicação, em parceria com o Instituto Humanitas e a Cátedra de Direitos Humanos Dom Helder Câmara. Ainda em homenagem a Luiz Beltrão, a Cátedra também propõe uma premiação para os melhores trabalhos do curso de graduação em Jornalismo.
Após a apresentação, a cerimônia abriu espaço para uma conferência com a professora doutora Maria Cristina Gobbi sobre a vida, legado e perspectivas de Luiz Beltrão. “Hoje é um dia muito especial, não somente pela inauguração da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação, mas também por ser o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. Essa comemoração é importante para que não esqueçamos jamais que uma imprensa livre, ética e independente é essencial”, afirmou Gobbi em suas declarações iniciais.
VIDA E LEGADO
Luiz Beltrão nasceu em 1918, no município pernambucano de Olinda, onde também viveu durante boa parte de sua vida. Em 1939, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, e, no ano seguinte, recebeu o registro de jornalista profissional. Dois anos depois, ingressou na Folha da Manhã, onde trabalhou durante 17 anos. Em 1943, concluiu os seus estudos e recebeu o título de bacharel em direito.
Durante sua vida adulta, Beltrão nunca parou de produzir, e buscou exercer sua profissão de diferentes maneiras. Nunca se limitou a um veículo, muito pelo contrário, teve passagens marcantes pelo rádio, por jornais, revistas e assessorias de imprensa. Em 1951, Beltrão se tornou o presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco (AIP), e durante sua estadia no cargo, também se tornou o vice-presidente da Federação Nacional de Jornalistas Profissionais.
Além de comunicador, Beltrão também era um acadêmico, e um ferrenho defensor da formação para o exercício da profissão. Na década de 50, viajou para os Estados Unidos e pôde conhecer escolas de jornalismo e os jornais e revistas da região — e também conquistou um título de cidadão de New Orleans. Em 1953, durante o 5º Congresso de Jornalistas, em Curitiba, apresentou a tese “Liberdade de Imprensa e Formação Profissional”, defendendo a exigência do curso superior para a profissão de jornalista. Entretanto, os cursos de jornalismo eram raros no país, assim como a bibliografia disponível.
Em 1959, Beltrão se tornou professor, e durante esse período, desenvolveu sua paixão pela pesquisa e pela docência. Apesar das duras críticas que sofria de seus colegas jornalistas, Luiz Beltrão fez uma forte campanha para a criação de um novo curso de Jornalismo — uma idealização realizada em 1961, quando fundou o primeiro curso superior de Jornalismo de Pernambuco, na UNICAP.
Em 1963, juntamente com a sua primeira turma de jornalismo, criou o Instituto de Ciências da Informação (Icinform) — o primeiro do Brasil. Em 1965, também ao lado de seus alunos, criou a primeira revista acadêmica brasileira no campo da comunicação, chamada “Comunicações e Problemas”.
Em 1967, apresentou sua tese sobre de doutorado sobre “Folkcomunicação” na Universidade de Brasília, mas, apesar da aprovação de membros da banca, não recebeu o título — uma consequência da Ditadura Militar. Apenas em 1981, ao fim do regime, Beltrão recebeu seu título. No entanto, o registro da requisição data de 67, o que o torna o primeiro Doutor em Comunicação do Brasil.
Em 1985, um AVC o deixou paralítico, durante a dramatização de um de seus contos. Luiz Beltrão faleceu um ano depois, em 24 de outubro de 1986, mas o seu legado resiste até hoje. As contribuições de Luiz Beltrão para o campo da comunicação e para a área do jornalismo reverbera incansavelmente até a atualidade, seja com suas teorias sobre Folkcomunicação e jornalismo opinativo, ou com sua defesa da formalização do ensino do jornalismo no país.