Nesta entrevista ao Boletim Unicap, o jornalista e ex-aluno da Unicap Geneton Moraes Neto, formado em 1977, contou sobre sua volta à Universidade, experiência profissional e comentou temas pertinentes ao jornalismo brasileiro, como a melhor preparação que o repórter precisa ter antes das entrevistas. Falou também sobre o documentário apresentado na noite desta sexta-feira (19), no auditório G1 da Universidade, “Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças” , dirigido por ele.
Marcos Oliveira – Qual a sensação de voltar à Unicap depois de 36 anos?
Geneton Moraes – É uma mistura de nostalgia com alívio por ter terminado o curso (risos). Eu cheguei aqui com 17 anos. Entrei muito novo na Universidade. Eu estava até me lembrando outro dia das coisas que vivi aqui. Por exemplo, algumas cenas absurdas que hoje seriam inimagináveis. Uma vez escrevi uma nota no Diario de Pernambuco, em uma coluna que eu tinha lá, sobre um jornal inocente dedicado ao rock que um grupo de estudantes ia lançar. O detalhe é que eu não conhecia nenhum deles. No domingo, a nota foi publicada e, na segunda-feira, quando eu estava na sala de aula do curso de Jornalismo, que funcionava onde hoje é o Liceu, um agente da Polícia Federal foi até onde eu estava, retirou um recorte do jornal, me perguntando se eu tinha escrito aquilo, como se fosse a coisa mais grave do mundo. Fizeram uma operação para descobrir quem eram os estudantes que iam lançar o jornal. Foi um absurdo a PF gastar dinheiro com carro e policiais para procurar um aluno da Unicap que tinha publicado uma nota. Graças a Deus os tempos mudaram.
M. O. – Ficando no campo da Ditadura Militar, Carlos Drummond de Andrade falou que você era “implacável”. Foi preciso ser implacável para conseguir as entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves?
G. M. – Eu até brinco com essa coisa de Drummond, por que ele falou em tom de queixa, mas ai eu falo como se fosse um elogio (risos). Depois da milésima pergunta que eu fiz, ele falou “você é implacável”. É um bom adjetivo para um repórter. No documentário que eu fiz, Joel Silveira afirma que o repórter tem que ser chato. Se não for chato, não serve para o trabalho. No caso dos generais, os dois só cederam entrevista após a quarta tentativa. Eles não queriam falar. Newton Cruz falou que ia acabar gritando, como de fato gritou muito durante a gravação. Na véspera do encontro com Leônidas, eu liguei para confirmar o encontro. Ele atendeu ao telefone e falou: “Você esqueceu que está falando com um milico? Não precisa ligar para confirmar”. Nesses casos, eu falo que ser insistente valeu a pena.
M. O. – Suas entrevistas têm sempre um estudo histórico aprofundado. Qual a importância que a História tem para o seu trabalho?
G. M. – Eu não diria que tem um estudo histórico, acho que seria muita pretensão minha afirmar isso. O que tem é o básico, um preparo meio obsessivo sobre o entrevistado. A melhor maneira de você conquistar o entrevistado é demonstrar conhecimento sobre ele. Se não fizer isso, ele pode começar a entrevista já de má vontade. Então, eu faço uma pesquisa sobre o que a pessoa já fez, para poder confrontá-lo com alguma coisa.
M. O. – Com apenas 22 anos você entrevistou Nelson Rodrigues. Como se preparar para uma entrevista tão importante, tendo tão pouco tempo de formado?
G. M. – Eu já trabalhava antes de me formar. Então, não era algo tão novo assim, mas foi uma experiência inesquecível. Ele deu a entrevista durante o jogo da Seleção Brasileira, já que escreveria uma coluna sobre a partida mas, provavelmente, ele já tinha escrito a matéria antes do jogo, por que ele não olhava para a televisão, o que é genial isso. Ele chamava de “idiotas da objetividade” aqueles que precisavam saber o placar do jogo. Nelson escreveu sobre o sentimento, a postura dos atletas, não se referindo aos resultados. Ele é um caso raríssimo de entrevistado que falava da forma como escrevia. Quando você ia transcrever o texto, dava a impressão que o próprio Nelson havia escrito aquilo, isso é excepcional. Só conheci duas pessoas assim: Gilberto Freyre e Nelson Rodrigues.
M. O. – Falando sobre o documentário que está sendo lançado este mês, Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças, como foi construída a ideia da obra?
G.M. – É um documento sobre o maior repórter que o Brasil já teve, Joel Silveira. Eu tive a sorte de conviver com ele. Nós lançamos dois livros juntos. Ao longo dessa convivência, eu gravei muitas entrevistas com ele, nunca me comportando como amigo, mas como um repórter diante de um possível entrevistado. Esse material foi transformado em um documentário, uma obra importante para estudantes de jornalismo. É preciso resgatar esse jornalismo literário de alta qualidade.
M. O. – Ainda existe espaço para esse tipo de jornalismo?
G. M. – Agora os jornais estão em uma crise de identidade, com essa revolução da internet, ferramenta que eu acho super bem vida. Não podemos pensar em um jornal engessado com as informações feitas de forma mecânica A salvação deve ser o investimento nesse trabalho mais literário e autoral.
M. O. – O maior legado de Joel Silveira é esse jornalismo autoral?
G. M. – Sim, e a qualidade do texto também. Nós brasileiros temos um complexo de ex-subdesenvolvidos, não reconhecemos que somos pioneiros em algumas coisas que Joel fazia. Ele já desenvolvia em 1940 um jornalismo literário. Muito antes do que os grandes mestres do jornalismo americano fazem hoje. É preciso reconhecer o nosso pioneirismo.
Fonte: Assecom/Unicap