Esta semana a escritora mineira Conceição Evaristo conquistou o prêmio Juca Pato 2023 como intelectual do ano. O prêmio é organizado pela União Brasileira de Escritores e concedido a personalidades que tenham publicado livro no Brasil no ano anterior e se destacado em qualquer área do conhecimento. Conceição recebeu a honraria pela publicação de Canção para ninar menino grande, onde narra as contradições e complexidades da masculinidade negra.


Com 76 anos, Conceição é a primeira intelectual negra a receber o prêmio. Doutora em Literatura, Conceição enfrentou diversos embates, comuns aos que nascem periféricos, negros e pobres neste ou em outro país. Nos seus livros, a autora aborda o racismo, desigualdade e discriminação de gênero e classe. Traz ainda o universo da mulher negra a partir da “escrevivência”. O termo foi criado por ela para se referir ao estilo de escrita derivado do cotidiano, das lembranças e da experiência de vida.


Mas não venho destacar a narrativa do sofrimento, tão comum nessa teia discursiva em que a pessoa negra, se aparece, é na lembrança da escravização, nos casos de racismo, na violência cotidiana que colabora para o genocídio dos jovens negros. Aqui trago a alegria de falar de livros em que me reconheci. E que quero apresentar para vocês.
Leitora voraz desde os 7 anos de idade, fui a única da família a ler toda a coleção de Érico Veríssimo que pertencia à minha mãe. No correr da vida, mais autoras e autores. Clarice, Graciliano, Machado de Assis, Rubem Fonseca, Isabel Allende, Saramago, Gabriel Garcia Marques, Fernando Sabino, Hilda Hilst, Jefferson Tenório, Itamar Vieira, foram tantos que falho miseravelmente nessa lista rápida.


Encontrei Conceição pessoalmente na oitava edição da Festa Literária das Periferias – Flup, em 2019, no Museu de Arte do Rio (MAR). Ana Maria Gonçalves e ela recebiam o prêmio Carolina Maria de Jesus, que homenageia personalidades que tiveram sua vida transformada ou que transformaram a vida do outro pela literatura.


O movimento de ler autoras negras me fez compreender melhor o mundo, encontrar respostas e descobrir belezas. Ele começou em 2018, com o livro Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano, de Grada Kilomba. Depois dela, em 2019, Escritos de uma vida, de Sueli Carneiro, Lugar de Fala, de Djamila Ribeiro, Empoderamento, de Joyce Berth, Interseccionalidade, de Carla Akotirene, os três da coleção Feminismos Plurais. Estava tentando entender melhor o mundo com essas mulheres. E dar bases à minha nova linha de pesquisa.


Depois, foi a vez de Mulheres, Raça e Classe, de Angela Davis, assim como Mulheres, Cultura e Política, da mesma autora. Chegaram nas minhas mãos Irmã Outsider, de Audre Lorde, Ensinando a Transgredir: a educação como prática da liberdade, O Feminismo é para todo mundo, Olhares negros: raça e representação, de bell hooks. O Pacto da Branquitude, de Cida Bento.


Tem ainda Zami: uma nova grafia do meu nome. Uma biomitografia, de Audre Lorde, um dos livros mais lindos que li, um dos poucos em que sublinhei passagens inteiras. Tudo sobre o amor, Pertencimento e Escrever além da Raça, novamente de bell hooks – promoção maravilhosa da Editora Elefante.


Em 2023, nas férias de janeiro, li A Vestida, de Eliana Alves Cruz. De um fôlego só, na praia, empréstimo de uma tarde nas areias do Pina. E compreendi por que o livro de contos tinha recebido o prêmio Jabuti 2022. De Eliana também é Solitária. Na trama contada por três narradoras, reconheci manchetes de jornais que nos chocaram imensamente. E me encantei com a forma de organizar a história.


Chego finalmente em Olhos D’água, Becos da Memória, Ponciá Vicêncio e Canção para Ninar Menino Grande, de Conceição Evaristo. Lembro de ter pensado: “Quer dizer então que a gente pode escrever assim?” A criança-promessa Ayoluwa. Tio Totó com uma pedra pontiaguda no peito. Os desencantos de Ponciá. O choro de Fio Jasmim.


E nas escrevivências dessas mulheres reconheci e reencontrei Carla menina, de olhar inquieto, e a Carla de hoje, que escreve nas frestas do tempo, quase escondido, no aprendizado vivido em tantas escritoras. Leia mulheres negras.

Por Carla Teixeira