Carolina Monteiro é jornalista desde o final da década de 90. Começou a trabalhar como estagiária na redação do Diario de Pernambuco, e permaneceu lá por dezessete anos. Hoje, é jornalista da Marco Zero Conteúdo, uma organização de jornalismo investigativo independente, da qual também é fundadora. Além das atividades como jornalista, Carolina também é professora e diretora da Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco. Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios do Jornalismo e de temas atuais no campo da inovação e comunicação.

Você trabalhou por 17 anos na redação do Diario de Pernambuco, hoje é jornalista na Marco Zero conteúdo. O que mudou no jornalismo do início da sua carreira para agora?

Talvez fosse mais fácil responder o que não mudou. Não mudou a função social do jornalismo, essa atividade continua sendo fundamental para garantir a defesa do interesse público, e vigiar os poderes políticos e econômicos. É para ser essa forma de expressão e de resistência da sociedade, contra a tentativa de ataques à democracia, à liberdade de expressão. Então, essa função social do jornalismo permanece intacta. Também permanecem intactas as questões éticas e humanistas do jornalismo. A defesa dos mais vulneráveis, a promoção dos direitos humanos, tudo isso permanece igual.

Agora, na prática profissional, eu arrisco dizer que mudou tudo. A forma como produzimos conteúdo é completamente diferente. Temos todo um arsenal de novas tecnologias, novas plataformas, redes sociais, equipamentos, softwares. A forma de distribuir conteúdo também é muito diferente, porque a distribuição antes da massificação da internet era segmentada. E agora temos uma multiplicidade de canais, telas e formas de distribuição, tanto através dos meios tradicionais, quanto através dos meios digitais.

E a forma de consumir também mudou, as pessoas também consumiam conteúdo através de canais mais limitados. Menos canais, menos oferta de conteúdo, e hoje as pessoas têm muita informação, têm muita opção, causando até um ambiente muito confuso, que permite a proliferação e o surgimento das notícias falsas num ambiente de desinformação.

É um paradoxo, porque é tanta informação que terminamos com muita dificuldade em saber separar o joio do trigo. E acredito que a função do jornalismo também é fazer essa curadoria do conteúdo, essa checagem, essa verificação do que é verdade e do que não é. Então, a forma de produzir, de distribuir e de consumir conteúdo jornalístico é completamente diferente, e isso impacta, na minha opinião, todos os aspectos da profissão.

Uma outra grande mudança, muito discutida, é a mudança no modelo de negócios. Os modelos de negócios também mudaram a forma de geração de receitas para as empresas jornalísticas. Essa receita baseada em anúncio, que foi o principal modelo de negócio durante cem anos, ruiu, porque os anunciantes migraram para anunciar no Instagram, no Facebook, no YouTube, onde é muito mais barato e muito mais eficiente para atingir um público alvo específico.

Então essa quebra do principal modelo de negócio das empresas de comunicação, também muda a forma de se pensar a sustentabilidade das empresas jornalísticas, e isso é um desafio que todas as empresas jornalísticas, de todos os portes, enfrentam hoje. Tudo é diferente de quando eu comecei, e essas mudanças impactam no dia a dia da profissão, impactam no perfil profissional, impactam no ecossistema do jornalismo de uma forma geral, e provocam muitas ameaças a modelos tradicionais e a perfis tradicionais de profissionais, mas, por outro lado, abrem muitas oportunidades pra quem tem a cabeça aberta e um olhar para o futuro. Como é que podemos aproveitar essa multiplicidade de canais, essa diversidade de modelos de negócio, toda essa tecnologia pra fazer um jornalismo diferente, pra fazer um jornalismo novo, independente, financiado pelos leitores?

Então, tem duas formas de ver essa questão, tanto como ameaça, ao modelo tradicional do jornalismo, quanto como oportunidade para novas formas. Eu prefiro enxergar pelo campo das oportunidades e, por isso, eu saí do Diário de Pernambuco, entre outras atividades, também para fundar a Marco Zero.

Você viveu a convergência midiática do jornalismo impresso para a internet, com o pernambuco.com, além de presenciar o nascimento de outros sites e blogs. Como uma jornalista pioneira, o que você diria para os novos profissionais que estão entrando em um mercado que vive em constante mudanças e adaptações?

A pergunta já traz uma parte da resposta. Acompanhar essas mudanças e essas adaptações, que eu prefiro chamar de transformações, é conhecer as tecnologias, conhecer as mudanças sociais, estar atenta às mudanças, e aproveitar essas oportunidades. Então, é estar sempre atualizado, e uma coisa que parece óbvia, mas que eu vou fazer questão de repetir, consumir conteúdo jornalístico. Como professora, eu encontro em sala de aula muitos estudantes de jornalismo que não consomem conteúdo jornalístico, que não consomem conteúdo de entretenimento, cultura, literatura, o que é fundamental também. Não lêem sites noticiosos, jornalísticos, não assistem canais jornalísticos no YouTube, não ouvem podcasts jornalísticos, não consomem perfis de jornalismo nas redes sociais. Esse é um problema grave que eu tenho identificado.

Então, eu diria para consumir jornalismo em qualquer formato, em qualquer plataforma da sua preferência, e estar atento às mudanças, as transformações para tentar enxergar as boas ideias nelas todas.

Atualmente o jornalismo e a liberdade de imprensa andam sofrendo diversos ataques. O que é preciso fazer para manter o jornalismo vivo em momentos como esse?

O que se precisa fazer é resistir. Resistir, fazendo jornalismo de qualidade, buscando as oportunidades, e, ao mesmo tempo, conscientizando a sociedade de que não só a liberdade de imprensa, mas a democracia, a liberdade de expressão, as conquistas sociais e os direitos humanos também estão sob ataque no Brasil. Então, o que a sociedade precisa fazer? Resistir. O jornalismo é uma grande arma, uma grande ferramenta nesse contexto exatamente para qualificar o debate público, para manter as pessoas informadas, para diferenciar o que é verdade do que é mentira. E pra manter, de certa forma, minimamente, as condições para o Estado democrático de direito continuar existindo. Ao mesmo tempo, a sociedade precisa também entender que tem que apoiar, assinar, pagar, doar. Conteúdo de qualidade custa caro, é difícil de fazer, precisa de profissionais qualificados para isso e as pessoas precisam retomar o hábito de consumir e pagar por conteúdo jornalístico. Acho que essa é uma virada de chave que é fundamental para a sociedade no momento atual, especificamente no Brasil e em outros países que também sofrem esse tipo de ataque, diante dessa onda extrema direita que varre o Brasil desde 2018.

Como já dito antes, você trabalha na Marco Zero Conteúdo, uma organização de jornalismo investigativo independente. Por que o jornalismo independente é importante?

Neste contexto de ataque à imprensa, de crise também econômica, financeira, uma crise que afeta as empresas tradicionais jornalísticas, o jornalismo independente é fundamental, porque, como o nome já sugere, ele busca sua independência, tanto do poder político, quanto do poder econômico.

Na maioria das vezes essas empresas não dependem de anúncios para se sustentarem, então conseguem manter a sua independência editorial, fazer o papel de curador nessa superabundância de informações, e fazer a defesa de todos esses valores que estão em ataque. O jornalismo independente, na minha perspectiva, é fundamental para enfrentarmos esse momento que estamos vivendo hoje. E pra tentarmos garantir que nunca mais tenhamos as nossas liberdades, os nossos direitos e as nossas conquistas ameaçadas. A jornada independente é um dos motores de resistência e de mudança.

O que você espera do futuro do jornalismo?

Eu quero muito ser otimista, embora o cenário atual no Brasil não esteja favorecendo o otimismo em absolutamente nenhum aspecto, mas eu quero acreditar que o jornalismo vai resistir, vai continuar existindo como um agente, como um motor de mudança para a sociedade, vai continuar exercendo a sua função social necessária, mas que também vai buscar se reinventar cada vez mais.

Buscar inovação tecnológica, inovação social, inovação de modelos de negócios, de formatos. E contamos muito com as novas gerações para essa tarefa de salvar, manter, inovar e transformar o jornalismo.

Você agora também é diretora da Escola de Comunicação da UNICAP, diretoria essa que envolve 4 cursos diferentes de graduação, além dos MBAs, especializações e o Mestrado em Indústrias Criativas. Como essa integração entre os cursos pode mudar a formação dos alunos de jornalismo?

Tem sido um privilégio ocupar essa função. Eu estou há pouco mais de três meses no cargo. E uma das questões que a gente vem trabalhando muito internamente é exatamente como a gente pode integrar esses cursos. Como é que fotografia, publicidade, jornalismo e jogos digitais podem conversar além do que já se conversam atualmente. Mas essa transdisciplinaridade precisa estar cada vez mais refletida. Ela pode ser um DNA, pode ser uma marca registrada da nova Escola de Comunicação da UNICAP, pode estar refletida nos currículos dos cursos, que estão passando por um processo de revisão e renovação, na oferta de novos cursos de graduação e de pós-graduação, e que tirem partido também dessa transdisciplinaridade e da formação do perfil dos egressos, dos alunos que vão deixar a escola de comunicação com a perspectiva bem mais expandida do campo da comunicação, e não mais dentro das caixinhas das suas áreas de atuação mais específicas. Então, essa transdisciplinaridade é uma aposta que vai se refletir tanto no ensino quanto na pesquisa e nas ações de extensão dentro da Escola da UNICAP. Essa é uma meta, um objetivo que a gente vem trabalhando internamente, envolvendo os coordenadores dos cursos, os professores, os funcionários, e os alunos, nessa construção que eu espero seja uma construção coletiva.

Além da formação acadêmica básica, na sua opinião, o que os estudantes de jornalismo devem buscar para terem êxito no mercado de trabalho?

Depende muito do que cada um entende como êxito. Algumas pessoas podem achar que êxito no mercado de trabalho é ter um cargo de chefia, um salário alto, estabilidade, e outras pessoas podem achar que é fazer o que gostam, trabalhar com o que acreditam, e enfim, é estar satisfeito com o que tá fazendo, ter orgulho do que faz e de como faz.

Então, primeiro, é entender o que é sucesso pra você. Entendendo o que você percebe como êxito, como orgulho, como prazer, é planejar. Somos muito imediatistas, achamos que o planejamento é alguma coisa muito chata e complexa, mas é fazer o exercício de se olhar no futuro. Daqui a cinco anos, onde você quer estar? Daqui a quinze anos, quem você quer ser? Procurando respostas a essas perguntas, você pode ir construindo uma carreira.

É pensar nessa perspectiva de construção, se imaginar daqui 10, 15, 20 anos, e, ao mesmo tempo, traçar a rota. Traçar estratégias, aproveitar o caminho, e também estar disposto a mudar à medida que novos desafios e a maturidade de novas experiências se apresentem. Esse planejamento é fundamental. É importante fazer esse exercício, de pensar no futuro, e pensar também no que é sucesso pra você. É dinheiro, bem-estar, qualidade de vida, trabalhar com o que gosta, com o que acredita? Se você conseguir juntar tudo isso, parabéns, você é um super privilegiado, e seria bom que todo mundo pudesse ser assim também.

Quais inovações você pensa em trazer para a Escola de Comunicação ?

Na minha perspectiva, talvez a grande inovação seja o trabalho em conjunto, o trabalho em equipe, é a construção coletiva que estamos propondo. Então, tudo tem sido muito discutido, muito debatido, todo mundo tem contribuído bastante com as ideias, com as propostas, com as soluções pros problemas, e isso pode ser uma grande inovação. É essa construção coletiva, colaborativa, transparente, ética e humanizada. Antes de sermos professores, ou gestores e alunos, somos pessoas. E temos trabalhado muito para buscar ouvir, pois é importante ter uma escuta muito ativa das demandas, dos desejos, das necessidades, das frustrações, sejam de alunos, funcionários, professores. Eu quero inovar nesse sentido. Construir coletivamente um projeto que seja de todos nós, que não é meu, não é dessa gestão, não é desse grupo de coordenadores, não é desse corpo docente, não são desses alunos, mas é nossa. Essa é a grande inovação que eu, pelo menos, estou buscando.

Como você busca se inovar enquanto jornalista?

Do ponto de vista pessoal, eu busco a inovação acompanhando as transformações. Eu consumo muito conteúdo jornalístico, acesso muitos sites jornalísticos, leio muita coisa sobre jornalismo. Converso sobre jornalismo, e não só sobre os assuntos que o jornalismo trata, porque eu vejo muito isso. Jornalista conversa sobre política, conversa sobre esporte, conversa sobre cultura e, às vezes, eu tenho a impressão de que tem gente que fala muito pouco sobre a própria profissão. Então, eu busco olhar muito pras novas práticas, pras novas tecnologias, pros novos comportamentos, pras novas redes, pras novas linguagens. Estou sempre buscando o novo. E, às vezes, a inovação vem de um outro campo, vem de uma outra área, e não necessariamente do campo do jornalismo ou da comunicação, mas ela está ali. E é uma boa ideia e é um insight interessante.

Então, é olhar para o novo com otimismo, com empolgação, com desejo também de trazer isso pro seu perfil profissional, para sua prática, pra sua ética, para sua visão de mundo. Eu não sou a pessoa que está sempre comprando equipamentos de ponta, ou buscando tecnologia de ponta. O que me interessa mais são os comportamentos, os pensamentos, as culturas novas. Isso é o que me faz me sentir atual em relação a minha profissão.