Foi durante o período em que eu cursei o curso de Jornalismo na Unicap que conheci Jomard Muniz de Britto (JMB). Para quem não conhece, trata-se de um importante cineasta pernambucano e pretendo entrelaçar essa exposição com nossos encontros e desencontros – claro, que irei focar nos nossos contatos pela condição narrativa que me encontro enquanto manipulador do tempo dramático da história, mas é importante pontuar de antemão que há saltos temporais.
Conectando melhor com o que eu disse anteriormente, quando estava praticando entrevistas principalmente com audiovisual – mas também em outras mídias -, que tive a oportunidade de conhecer JMB como convidado em várias práticas disciplinares ao longo do curso de Jornalismo. Sempre tive interesse por artes e de modo mais especial pela música e pelo cinema. Então, convocar Jomard para explorar temáticas culturais e artísticas foi o primeiro estímulo para tomar conhecimento sobre sua trajetória e produção em várias linguagens – do teatro à docência, do cinema à filosofia, da poesia aos trabalhos com Paulo Freire, são muitas as facetas de JMB. É preciso destacar que a Católica foi o palco inicial para nossos encontros e trocas.
Vou apresentar um pouco mais esse nosso querido personagem. Faz-se necessário destacar que o foco é em suas produções audiovisuais. No primeiro semestre de 1974, teve início a produção audiovisual de Jomard Muniz de Britto, que veio passando do super-8 das décadas de 1970 e 1980 ao VHS das décadas 1980 e 1990. Atualmente, na tecnologia digital, seu último trabalho data de 2005: Aquarelas do Brasil. Jomard Muniz transpôs, para a tela, crítica cultural ou reflexões metalinguísticas – indo, esteticamente, do poema processo à pop-filosofia, do tropicalismo ao mais recente trabalho com os Atentados Poéticos. Estando seu campo de atuação ligado ao que JMB definiu, mais profundamente, como a Língua dos três pppês:poeticidade, política e pedagogia.
Jomard Muniz de Britto registrou e dialogou com a obra de artistas plásticos, como Paulo Bruscky, Sérgio Lemos, Miguel dos Santos e Bernardo Dimenstein, além de outros profissionais, a exemplo do fotógrafo Rucker Vieira, famoso pelo documentário Aruanda – inspirador das imagens do Cinema Novo glauberiano –, dos jornalistas Geneton Morais Neto e Paulo C. Cunha Filho, do ator paraibano, Luiz Carlos Vasconcelos, e do músico pernambucano, Alceu Valença.
A sua formação cinematográfica começou no período do Cinema Novo e do surgimento do chamado Cinema Marginal ou Marginalizado ou Independente ou de Invenção. Dialogou, também, com cinemas estrangeiros como o formalismo russo, o underground americano, o cinema de autor francês e o neorealismo italiano.
Uma característica importante que permeia toda essa produção de JMB é o uso de baixas tecnologias – o que acentua a linha marginal de seu cinema – obviamente mais acessíveis, porém de menor alcance de distribuição e, consequentemente, de público espectador. “Como abrir o super-8 a um público amplo, não restrito ao amadorismo pequeno-burguês ou ao “intervencionismo” cineclubista?” (BRITTO, 1977) desafio lançado por Jomard em 1977, mostrando esse contexto e sua preocupação com toda a cadeia produtiva da indústria cinematográfica, além da criação por si mesma.
Não só pela utilização de equipamentos mais precários que se caracteriza essa verve marginal, mas também pelos temas marginalizados e as tensões estilísticas impressas nas formatações audiovisuais. Alexandre Figueirôa explanou bem o contexto da produção audiovisual jomardiana na época do super-8, o que ainda pode ser aplicado a sua manifestação fílmica:
Se tomarmos, por exemplo, a obra de Jomard Muniz de Britto, vamos encontrar um painel representativo da inquietação de uma geração de artistas que encontrou no super 8 um de seus veículos mais dinâmicos. Jomard Muniz, ao enfatizar em seus filmes a crítica à cultura oficial, tornava-os palco das manifestações que sobreviviam à margem das instituições governamentais e que por serem livres do ranço academicista eram mais vivas e expressivas, além de mostrarem o que uma parcela ativa de novos artistas estavam realizando. Os filmes de Jomard Muniz, entretanto, não eram simples tribunas de ataques às instituições culturais – entidades e pessoas, mas do que isso – entrelaçando-as e estimulando o espectador a travar conhecimento com ambas. Filmes como O Palhaço Degolado e Inventário de um Feudalismo Cultural são um retrato de como Jomard concebia sua obra dialogando com a modernidade e o tradicional para determinar as contradições de nosso tempo (FIGUEIRÔA, 1994, p.196).
É preciso agora contextualizar toda essa apresentação das obras audiovisuais de JMB, pois são trechos selecionados da minha Dissertação de Mestrado cursado no PPGCOM/UFPE intitulada: Uma poética audiovisual da transgressão em Jomard Muniz de Britto. Trabalho científico em que analiso uma boa parte das obras audiovisuais de Jomard com a perspectiva estética da transgressão. A citação de Alexandre Figueirôa também não é à toa pois, além de ter sido meu professor no curso de Jornalismo da Unicap e hoje companheiro de labuta, foi através da obra dele sobre o Cinema Super-8 pernambucano que conheci mais à fundo a obra de JMB e muitas das nossas produções audiovisuais.
Não posso deixar de mencionar que esses encontros e desencontros com Jomard renderam também um álbum conjunto com minha banda na época, A Comuna, e o próprio artista intitulado: JMB em Comuna. No projeto, ele recita seus atentados poéticos e nós d´A Comuna compusemos a trilha sonora. Não deixe de escutar a faixa que abre o disco, Em nome do Pai nosso: https://youtu.be/b70A9ZiUrsE. São muitas memórias que entrelaçam minha trajetória com Jomard, não dá para falar de todas mas ficam algumas delas registradas nesse texto.
Por fim, além do texto produzido para o mestrado orientado por Paulo Cunha, também na época junto ao autor disponibilizei na nascente plataforma Youtube muitas das suas obras ao público interessado. Então, agora fiquem com o filme O Palhaço Degolado de Jomard Muniz de Britto feito em Super-8 no ano de 1977, na cidade do Recife. Boa sessão de cinema!
LINK: https://youtu.be/nvm1w-utZXM
Por Ricardo Maia