por Israel Teixeira
Vista como tabu, a existência de pessoas transexuais – pessoas que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento – ainda é pouco discutida, o que acontece também quando se trata da representação de suas identidades no cinema. A transfobia – o preconceito direcionado à população trans –, é um dos grandes obstáculos enfrentados por esta comunidade, principalmente no Brasil, que segue pelo décimo terceiro ano consecutivo como o lugar mais perigoso para uma pessoa transsexual viver. Pelo menos 125 travestis, homens e mulheres trans foram assassinadas devido a sua identidade de gênero entre outubro de 2020 e setembro de 2021 no Brasil. Os dados são do projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT) da ong Transgender Europe (TGEU). A transfobia é um grave problema social que afeta diretamente o direito à vida das pessoas transexuais.
O cinema tem colaborado para visibilizar a causa LGBTQIA+ e retratar positivamente a transexualidade. No entanto, por décadas pessoas trans foram representadas de maneira estereotipada no cinema e na TV, em um retrato da sociedade de cada época.
Uma prática comum ainda hoje é o transfake. O termo refere-se à interpretação de personagens transgêneros por atores e atrizes cisgêneros – pessoas que se identificam com o gênero atribuído no nascimento –. Segundo a atriz e pesquisadora Renata Carvalho, fundadora do Movimento Nacional de Artistas Trans (Monart), o transfake pode comparado ao “blackface”, que nada mais é do que uma prática racista em que atores brancos pintam o rosto de preto, simulando serem negros, de maneira cômica e grotesca. O “transfake” ocorre na comédia e no drama, excluindo a presença de pessoas transgêneras, alimentando o preconceito, criando ou se baseando em narrativas distantes da realidade desta população. É o exemplo do filme “A Garota Dinamarquesa”, lançado em 2015 pelo diretor Tom Hooper, onde a personagem de Lili Elbe, interpretada pelo ator cisgênero Eddie Redmayne, se descobre como uma mulher transgênero ao longo da trama.
Eddie Redmayne no filme “A Garota Dinamarquesa”
de Tom Hooper, 2015.
A falta de representatividade midiática e artística e a manutenção de estereótipos negativos sobre as pessoas trans reforçam a visão que grande parte da população brasileira têm de que pessoas transgêneros são indivíduos que se “fantasiam”. A falta de inclusão desses sujeitos nos espaços cinematográficos, descarta também as oportunidades de trabalho. A taxa de desemprego no Brasil entre as pessoas que integram a comunidade LGBTQIA+ é de 17,15%, mas quando relacionada apenas às pessoas trans, o percentual sobe para 20,47%, de acordo com estudo feito pela plataforma #VoteLGBT com a Box1824, em 2021.
Um cinema que inclua pessoas trans pode beneficiar essa parcela da população, ao estimular o contato do público com narrativas sem estereótipos e com representações verdadeiras. Podemos comemorar a conquista da atriz Michaela Jaé Rodriguez, conhecida pelo seu papel como Blanca Evangelista na série da FX, ‘Pose’, se tornando a primeira atriz transgênero da história a receber um Globo de Ouro. MJ Rodriguez, como é conhecida, venceu a categoria de Melhor Atriz em série de drama na edição 2022 do prêmio — marcando, ainda, a primeira vitória da produção, que estreou em 2018. São muitas vozes na luta pela representatividade e a abertura de espaços colabora para o reconhecimento de suas identidades no mundo todo.
MJ Rodriguez em Pose, 2018.