Por Alexandre Figueirôa

Vista de Vila Velha, em Itamaracá

Início dos anos 1980
Depois de largar o curso de engenharia pela metade, me aventurei no jornalismo. Entrei no Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco em 1980 e tive sorte. Já no segundo semestre eu era repórter de geral do hoje extinto Diário da Noite. Com as aulas de Salett Tauk, Carlos Benevides, Lucia Noya, Vera Ferraz, Eduardo Ferreira, Teresa Cunha, Valdelusa D’Arce, entre outros, fui alinhando a prática e os ensinamentos em sala de aula. Na época, no currículo, havia a disciplina Jornalismo Comparado. Foi nela que travei contato com a professora Valdelusa. Rigorosa, exigente, com ela não tinha boquinha não. Como sempre fui um bom aluno (não serei modesto), nossa convivência foi pacífica. Eu sabia que ela era uma jornalista experiente e importante do Diario de Pernambuco e já fora Chefe do Departamento de Comunicação Social, portanto, como era meu costume, ficava atento aos conhecimentos que ela transmitia. Achava-a uma figura curiosa. Usava brincos combinando com os colares, o cabelo sempre arrumado e pintado e tinha um olhar irônico e “abusado”, por trás dos óculos, que eu não conseguia desvendar direito o significado.

Início dos anos 1990
Em 1992, para minha surpresa, o professor Carlos Benevides, então Chefe do Departamento de Comunicação Social da Unicap me convidou para fazer um teste para ser professor de Jornalismo Impresso. Na época trabalhava no Caderno C do Jornal do Commercio e a proposta me encantou. Mas, para ser aceito teria que ministrar uma aula, uma espécie de teste para ver se levava jeito como docente. No dia da avaliação, na minha frente, Carlos Benevides, Lucia Noya e Valdelusa D’Arce. A tensão inicial, todavia, foi se desfazendo na medida em que ministrei a aula fictícia. No final, sorrisos e elogios. Embora aprovado, o medo do novo desafio pela frente era evidente. Carlos e Val, com quem nos tempos de aluno havia estabelecido uma relação mais estreita, me tranquilizaram. “Vai dar tudo certo, Xando”, disseram contentes por tudo ter saído como esperado. E, logo, lá estava eu na sala dos professores, um local o qual só via de soslaio nos tempos de aluno. Me juntei a Aline Grego, Yvana Fechine, Ildefonso Fonseca, mas era com Valdelusa, agora Val, agora colega de ensino, com quem mais gostava de conversar. Descobri que ela não era “abusada” como imaginara, mas uma pessoa divertida e generosa. Ria com suas histórias e adorava quando ela dava um muxoxo e dizia “daiguileife, darling” para sinalizar algo com o qual ela tinha algum tipo de reprovação.

Início dos anos 2000
Após voltar do meu doutorado na França, concluído em 1999, voltei a sala de aula e reencontrei Val. Ela, então, me convidou para conhecer o sítio que ela tinha adquirido em Itamaracá, na estrada de Vila Velha. Um domingo de janeiro do primeiro ano do século 21 fui conhecer o lugar e me apaixonei. Val me disse: por que você não compra esse lote ao lado do meu? Não pensei duas vezes. Agora, além de ex-aluno e colega de trabalho, éramos vizinhos. Val amava Itamaracá e todos os finais de semana aparecia por lá. Construí uma casa, plantei um jardim e, por muitos anos, sempre que vinha para a ilha saia com ela para tomar uma cervejinha, ir à praia e almoçar no restaurante de Seu Sissi e Dona Marluce, em Vila Velha. Foi assim que conheci seus amigos prediletos, o seu irmão (um cinéfilo inveterado), as sobrinhas e sobrinhos, que ela amava e cuidava como se fossem filhos. Os anos passaram, Val saiu da Unicap, aposentou-se do Diario de Pernambuco e abriu uma escola de enfermagem. Não tinha ressentimentos por não estar mais na ativa como jornalista ou professora. Nas nossas conversas sempre tinha um espaço para lembrar dos bons momentos que ela tinha vivido na Unicap e no DP. Gostava de relembrar as viagens que fez como repórter e editora do caderno de turismo, os bons alunos que a orgulhavam pelo sucesso alcançado, o período em que foi secretaria de Turismo de Itamaracá, as amizades com Reginaldo Rossi e Gretchen, de quem se recordava com humor e carinho. A amiga, no entanto, continuava mestra. Ficava feliz com minhas conquistas e nunca deixava de me incentivar quando lhe falava dos meus projetos profissionais.

Ah, o tempo…
Nos últimos anos, porém, nos víamos pouco. A idade, as limitações pela saúde frágil não permitiam a Val a desenvoltura e a liberdade de antes. Do meu lado, as inúmeras obrigações profissionais, o pós-dourado fora do país, foram tornando esparsos os nossos encontros. Agora Valzinha se foi. Não vamos mais comer juntos a feijoada de Dona Xôxa, não saberei mais as fofocas dos bastidores do jornalismo pernambucano e nem ouvirei ela dizer, quando alguém se metia a besta na frente dela, o taxativo: “então tá, darling!” seguidos de uma risada irreverente e um beijinho no ombro. Assim é a vida. Seguiremos com a lembrança dos seus ensinamentos e a saudade de sua alegria.

Alexandre Figueirôa é jornalista, doutor em Estudos Cinematográficos e professor do curso de Jornalismo e do Mestrado em Indústrias Criativas da Unicap. Teve o privilégio, como muitos dos professores do curso, de ter tido Valdelusa como professora e amiga.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Vila Velha, Itamaracá