Por Marcelo Dantas
Jornalista Moacyr Dantas, o pai menino dessa peleja
Na região Norte do país, um menino travava uma luta que encharcava – de suor, de chuva e do rio. A peleja era para pegar um bicho, que era maior do que grande. O rabo era quase uma sucuri, o corpo um elefante, a cabeça um dragão. Se os antigos fossem contemporâneos confundiriam com uma quimera, mas era criatura mais gostosa, assadinha e acompanhada de farinha é uma maravilha.
Com uma faca na boca mergulha no fundo do rio e corta a linha da rede. De algum modo, provavelmente cinematográfico, coloca aquele ser, que parecia a espada de um gigante, numa canoa que quase morre afogada. Remava antes que o anoitecer engolisse a lamparina.
Nem sucuri, elefante, dragão ou quimera, muito menos a espada de não sei quem, o danado do bicho era um peixe, o pirarucu, aliás, Pirarucu, para fazer jus à grandeza. Já o menino era um menino mesmo, que morava em algum ponto do Amazonas, ponto esse chamado Curari. A criança, que não tinha medo nem de se engasgar com a espinha do nadador, cresceu, viajou e me deu a oportunidade de chamá-la de pai.
Moacyr de Sena Dantas é uma daquelas figuras que até quem tem raiva ama, que faz rubro-negro torcer pelo Santa Cruz, que não dorme ao saber que tem gente sem cama. O jornalista nasceu na década de 1930 e pegou o país em tanta transformação, que nem a Metamorfose Ambulante do Raul Seixas conseguiria acompanhar. Atravessou com bravura os tempos hemorrágicos da ditadura empresarial-militar, foi perseguido, preso e torturado, mas não parou de construir um mundo que fizesse valer o lema dos russos, lá de antes dele nascer, um mundo que atendesse ao clamor por paz, terra, pão e trabalho.
Hoje, painho não vai poder ler esse texto do jeito que eu gostaria. Foi uma das vítimas do vírus, o da falsa facada, que incentiva a morte com um riso canalha na boca putrefata.
Hoje, painho está lendo de um jeito que ainda tento entender, um jeito que carrega tanta dor nesse músculo cansado, trancado por uma gaiola torácica, que encolhe com a umidade das lágrimas.
Hoje, painho vira menino e mergulha no rio de pelejas com o peixe, sem apressar a remada por conta da noite, sem ter a fome apertando por trás do umbigo, sem preocupações com uma sociedade adoecida pelas máquinas de fazer dinheiro, pelas máquinas de moer humanos.
Hoje, painho, aliás, Painho.
Marcelo Dantas, filho de Elizete e Moacyr, criado no meio da Educação, Jornalismo, Cultura e Movimentos Sociais, cresceu e foi estudar História, para entender que queria ser escritor e jornalista. Vive tentando materializar o abstrato.* Historiador (UFPE), estudante de Jornalismo (Unicap) e escritor (contos publicados nas antologias “Luz Severa”, editora Bagaço, e “Tempo Partido”, editora Novo Estilo).
Estou super emocionada com o seu texto Marcelo Dantas, texto espetacular como esse, nunca havia lido. Aonde Moacyr (Painho) estiver, ele está muito feliz por você ter herdado dele o dom da escrita e o dom da justiça social.
Que jeito poético, sensível e forte de escrever sobre seu pai, uma figura humana extraordinária e um herói do povo trabalhador brasileiro. Militante comunista que lutou por toda sua vida por justiça social, igualdade e Socialismo. Parabéns Marcelo Dantas pelo mergulho nas águas de seu pai Moacir.
Coisa mais linda!Palavras cheias de amor, que orgulho Marcelo, meu jornalista,filho de camaradas de luta, que só reforça a certeza que para obtermos uma sociedade justa necessitamos criar filhos pensantes, atuantes e cheios de amor.
Marcelo,
Conheci teu pai quando eu tinha a sua idade. Hoje, estou na faixa etária da que ele tinha naquela época.
Convivemos mais nos tempos do PCB – eu estudante, ele dirigente – do que como colegas jornalistas.
Lembro da doçura cheia de atenção de Moacyr, como lembro de sua ferocidade cheia de respeito quando defendia suas posições.
Aos 20 e poucos anos, alimentava a pretensão de ser amigo daquele cinquentão tão gentil e tão enérgico.
(Tá, o fato dele ser tricolor ajudava muito, não vou mentir).
O vírus o levou, como levou Beto Rezende, outro da “base dos jornalistas”. E deixou um buraco enorme em meus afetos.
Torna-se impossível não pensar nas metáforas e histórias narradas por Sr.Moacyr, sempre com uma percepção bela e audaciosa da vida. Marcelo, você herda tudo isso do seu pai. Texto belíssimo.