“A mulher com deficiência tem dois estigmas, o de ser mulher e o de ser pessoa com deficiência”.

O comentário é de Pâmela Melo, 24, estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Ela vive com osteogênese imperfeita, também conhecida como “ossos de vidro”, uma condição hereditária caracterizada pela fragilidade dos ossos, e decidiu basear o seu Trabalho de Conclusão de Curso em suas experiências pessoais como PCD (Pessoa com Deficiência) e a relação com sua sexualidade. 

Segundo Pâmela, a sociedade vê a mulher com deficiência como uma eterna criança – um capacitismo que ela vivenciou, inclusive, dentro de casa, quando seus familiares questionaram suas atividades sexuais. Tal capacitismo, compartilhado por diversas mulheres com deficiência, é também machista. De acordo com a estudante, frequentemente ouve-se comentários questionando como uma mulher com deficiência teria filhos e cuidaria da casa, não apenas subestimando a atividade sexual e a aptidão materna da mulher com deficiência, mas também assumindo que o papel de uma mulher na sociedade se resume apenas à maternidade e à vida doméstica. “Se ela não casar, ter filhos e cozinhar, ela não pode fazer nada, porque na concepção da sociedade a mulher com deficiência não pode fazer nada”, afirma.

A partir dessa realidade, surgiu a necessidade de escrever sobre o Empoderamento Sexual da Mulher com Deficiência – uma pauta que, infelizmente, ainda é vista como tabu.“Empoderar-se sexualmente é ter uma voz diante da sua família, é dizer diante da sociedade, eu posso ser o que eu quiser ser, eu posso fazer sexo porque a sexualidade é muito mais do que só sexo”, explica.

Ao longo do último ano, desde o início da pandemia, uma das maiores dificuldades que Pâmela está enfrentando é, justamente, ser parte de um grupo de risco e dependente de um auxílio para sair de casa. Para ajustar a ideia inicial de seu TCC foi necessário repensar o formato e considerar a criação de um website. O portal, ainda em construção, se chamará “Sexualidade sem Barreiras”. 

Para a estudante, os debates sobre pautas feministas, LGBTs e contra a gordofobia, por exemplo, são válidos e de extrema importância, mas que, infelizmente, a luta pela mulher PCD é esquecida, inclusive, dentro do ambiente universitário. A falta de estudos e pesquisas sobre a sexualidade da mulher com deficiência atrapalha o desenvolvimento do trabalho, justamente por ser um assunto pouco comentado e representado na mídia e na comunidade acadêmica.

Essa falta de representatividade é o que mantém o tema com um status de tabu, e impacta diretamente no desenvolvimento de uma boa vida social para milhares de mulheres com deficiência no Brasil e no mundo. Quanto menos se fala sobre um assunto, menos conhecimento se tem sobre ele, o que fomenta a desinformação e o preconceito. No Brasil, a desvalorização da educação sexual já é um problema enraizado, pois a sociedade trata a atividade sexual – especialmente a dos jovens – como algo a se envergonhar. Entretanto, falar sobre sexo é tanto uma medida preventiva, como também uma forma de naturalizar o próprio corpo, e identificar violências e abusos.

Através das escutas realizadas para o seu projeto, Pâmela percebeu que a mulher com deficiência tem sua sexualidade desacreditada ao ponto de achar que nunca sofrerá algum tipo de violência. “Ao passar por uma situação de abuso, ela acha que não foi violência, mas que foi loucura da própria cabeça, que isso não aconteceria por ser uma pessoa com deficiência e não acredita que aquilo ocorreu até outra pessoa dizer que foi um abuso”.

Outro impacto da falta de exposição do tema é o pouco conhecimento sobre o vasto universo da comunidade PCD. Ao longo de seu trabalho, Pâmela se deparou com fenômenos até então pouco conhecidos – alguns deles, objetos de pesquisas recentes, que ainda estão em desenvolvimento, enquanto outros permanecem inexplorados.

A comunidade conhecida como devotees (“dedicados”, em portugues), é um dos temas relacionados à comunidade PCD que tem se tornado pauta de estudos recentes. Segundo Pâmela, os “dedicados” são pessoas com fetiches em PCDs, e que possuem até mesmo um aplicativo de relacionamento voltado a conhecer pessoas com deficiência. Outro exemplo trazido por Pâmela são os “transficientes” – pessoas que não possuem deficiência, mas que se identificam como PCD, e chegam a se ferir gravemente para “conquistar” o corpo que almejam.

No final deste semestre, Pâmela pretende apresentar seu trabalho e, com ele, dar voz a essa luta negligenciada. “Estou tentando dar o melhor de mim, não só por mim, mas pelas milhares de mulheres com deficiência que lutam por espaço, sem poder sair, estudar, que são trancadas em casa pela família por terem vergonha. É imprescindível que a gente fale e debata sobre as pessoas com deficiência e, principalmente, sobre a mulher com deficiência. Porque são dois estigmas. Dentro disso, ainda tem a mulher negra com deficiência, a mulher nordestina com deficiência, a mulher gorda com deficiência, que já são outros estigmas, tudo em cima dessa pessoa com deficiência”, afirma.