Por Alexandre Figuerôa

Cena do documentário O Outro Lado de Hollywood

A produção de filmes com temática LGBTQIA+ teve um grande crescimento nas últimas décadas. A luta dos movimentos encabeçados por gays, lésbicas, transgêneros, entre outros grupos minoritários, a partir da década de 1970, garantiu a conquista de direitos a eles sempre negados, permitiu a criminalização dos atos de homofobia e, no universo da cultura, a intolerância, a censura e a marginalização deixaram de ser a regra quando se trata de obras que abordam a homossexualidade.

Todavia, o clima de liberdade observado nos dias de hoje é algo relativamente recente. Uma das maiores fontes de realização fílmica do planeta, Hollywood, conhecida por muito tempo como a meca do cinema, desde os primórdios, colocou a homossexualidade dentro do armário. Figuras estereotipadas, criaturas infelizes, linguagem figurada, metáforas, ou pior, vigilância, punição e fins trágicos era a tônica das tramas de filmes com personagens LGBTQIA+ até a década de 1980. E uma boa opção para saber como isso acontecia é assistir O Outro Lado de Hollywood (The Celluloid Closet, 1995), documentário realizado por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, disponível em versão legendada no YouTube.

O filme é baseado no livro homônimo de Vito Russo, fruto de uma pesquisa acadêmica e publicado em 1981. Ele examina a representação de personagens que não seguiam os padrões heteronormativos nas produções cinematográficas de Hollywood, resgata a história de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros no cinema, e analisa as reflexões negativas e positivas dos personagens, e também dos atores e atrizes. Lembrando que, entre 1930 e 1968, os estúdios de Hollywood estavam sob a tutela do Código Hays, um conjunto de normas morais aplicadas a qualquer filme lançado nos Estados Unidos e que dizia o que era aceitável e não aceitável numa obra cinematográfica.

Em sua pesquisa, Russo – que participou ativamente na construção do roteiro junto com os diretores – buscava compreender por que nos filmes se falava de forma enviesada, ou simplesmente não se falava, de sujeitos atraídos por pessoas do mesmo sexo, haja vista o poder de influência e persuasão dessas obras assistidas por plateias do mundo inteiro. O mais relevante do documentário é o material de arquivo ao qual os cineastas tiveram acesso. O trabalho paciente e minucioso de pesquisa é percebido com clareza e deixa qualquer cinéfilo em êxtase pela quantidade de trechos de obras onde a temática homossexual era mais evidente, mas também pelas cenas e subtextos que estão presentes nos filmes e poderiam passar despercebidos. Dessa forma a invisibilidade a que foram submetidos personagens LGBTQIA+ é reparada, com gays e lésbicas ganhando outra dimensão, ou seja, do papel secundário nas obras originais eles se transformam em protagonistas na narrativa construída pelo documentário.

O filme segue um estilo bastante comum nos documentários norte americanos (conhecido como show and tell, mostre e conte) articulando os fragmentos dos filmes com depoimentos de pessoas que de alguma forma estão conectados com o tema. A narrativa é da atriz Lily Tomlin e foge da simples especulação. Ela traz, além de sequências reveladoras, depoimentos de quem sabe do que está falando: roteiristas, produtores e atores de Hollywood. Entre os entrevistados encontramos nomes como Whoopi Goldberg, Tony Curtis, Tom Hanks, Susan Sarandon, Gore Vidal, entre outros. Nos depoimentos, eles relatam as situações que viveram ou testemunharam. Caso de Tony Curtis ao relembrar o corte sofrido, por pressão do estúdio, no filme Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, da cena protagonizada por ele e o ator Laurence Olivier onde ocorre um flerte entre os personagens em uma banheira. A cena foi restaurada quando uma nova versão foi lançada em 1991.

Assistindo O Outro Lado de Hollywood constatamos que até os anos 80 os personagens gays entravam em cena para fazer rir, para se ter pena ou para se temer. O documentário aponta a existência de três fases da forma de abordagem. Nos anos 20, os gays são caracterizados como afeminados caricatos; a partir de 1934 são criaturas perturbadas, pecadores que têm que pagar por suas preferências sexuais, em geral se suicidam ou são mortos; e, depois dos anos 70, eles se tornam vilões e assassinos, com traços de desequilíbrio mental.

Conhecer de perto essa história é, portanto, um exercício valioso. Vale ressaltar que esse contexto, em maior ou menor escala, foi vivenciado por cinematografias no mundo inteiro. No cinema brasileiro os personagens LGBTQIA+ foram submetidos a situações semelhantes, basta lembrar das figuras estereotipadas dos gays nas pornochanchadas dos anos 70 e 80 e da censura do período da ditadura militar. Felizmente, hoje, temos uma diversidade de filmes, além de mostras e festivais, que rompem com esse paradigma e mostram uma visão real das questões de gênero no mundo contemporâneo.

*Homenagem ao crítico e cineasta Fernando Spencer que durante anos manteve no rádio e na televisão um programa intitulado Falando de Cinema.

Alexandre Figueirôa é doutor em Estudos Cinematográficos e Audiovisuais e professor do curso de Jornalismo e do Mestrado Profissional em Indústrias Criativas da Unicap.