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A arte de pensar sem riscos

Por: Adriana Doria Matos

Querendo ou não, a gente vai colecionando ao longo da vida uma porção de mestres. Tem sido assim, desde quando percebi que penso. Ou melhor, desde que me dei conta de que pensar é uma disciplina e uma liberdade, e que gosto muito dessa prática. Antes que eu ande por caminhos tergiversantes sobre como fui construindo indisciplinadamente meu pensar, gostaria de dizer a vocês o que me motivou a escrever este primeiro texto para este espaço a partir da ideia e do título acima: “a arte de pensar sem riscos”.

Essa frase abre a crônica Brincar de pensar, que Clarice Lispector escreveu para o Jornal do Brasil, publicada em agosto de 1967. Ou seja, Clarice já estava nessa brincadeira quando eu mal balbuciava minhas primeiras palavras. Então, vamos ao primeiro indício: Clarice Lispector é uma das minhas mestras, junto a tantas e tantos outros que se encontram no meu caminho de exercitar o pensar. Obrigada, Clarice, por isso. 

Além de autora de romances e contos personalíssimos, Clarice foi uma cronista sensacional, daí o fato de ela estar sendo citada com ênfase nesta estreia, que se pretende cronicamente inviável (essa expressão carregada de sentido para uma brasileira, como eu, que também me motiva uma porção de pensamentos…).

No mencionado texto, Clarice diz o seguinte: “Não fossem os caminhos de emoção a que leva o pensamento, pensar já teria sido catalogado como um dos modos de se divertir”. Sabida como era, ela comenta depois que pensar pode ser uma ação levada como quem brinca, como quem exercita um hobby, podendo ser, desse modo, um movimento leve. O que não quer dizer, de modo algum, frívolo. Não nos deixemos engabelar.

“Como hobby”, diz Clarice sobre essa prática, “apresenta a vantagem de ser transportável”. “Em certas horas da tarde, por exemplo, em que a casa cheia de luz mais parece esvaziada pela luz, enquanto a cidade inteira estremece trabalhando e só nós trabalhamos em casa, mas ninguém sabe – nessas horas em que a dignidade se refaria se tivéssemos uma oficina de consertos ou uma sala de costuras – nessas horas: pensa-se.” Tanta conversa pode render esse único paragrafozinho de Clarice…

Mas, fiquemos por aqui, por hora. 

O que gostaria de compartilhar com vocês, simplesmente, é o meu apreço pelo pensar nas várias formas que ele pode conformar. Mas um pensar que não pese. Um pensar que acolha, instigue, emocione. Ou, como queria Clarice, que pensar que divirta. Porque – gosto de pensar assim – embora tanta situação nos leve a acreditar que tudo está “cronicamente inviável” (ai ai, meu Brasil), há sempre aquela luz que inunda a sala. Muita luz cega, não é? Mas uma luz bem colocada nos conforta e guia.

Assim, sigo meus mestres, buscando pensar também com ludismo. E, para me despedir de vocês, deixo a pergunta de Clarice: “Estar ocupada – e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviada e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu?”.

*Adriana Dória Matos, jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco, com mestrado em Teoria da Literatura pela UPFE, professora do curso de Jornalismo da Unicap e editora da revista cultural Continente

 ¹O JB foi um jornal carioca que teve enorme importância na imprensa nacional, fundado em 1891, deixou de rodar em 2010, já quando tinha perdido sua relevância. Leia um pouco dessa história aqui: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/jornal-do-brasil.