Dobram por Comblin, o profeta da liberdade!
E no Nordeste se ouviu um lamento e choro amargo, são os seus filhos que hoje não querem ser consolados.
Lamentamos com lágrimas e silêncio o recolhimento de José Comblin aos braços de Deus. A sua páscoa se deu apenas cinco dias depois de seu aniversário de 88 anos, o que certamente lhe veio como um presente, bem diferente de 24 de março de 1972, quando, dois dias depois do seu aniversário, ao desembarcar em Recife foi informado que agora era uma persona non grata e assim, a contragosto, foi deportado para o Chile.
Comblin foi católico no mais puro sentido da palavra, as suas idéias eram universais, ele pensou e viveu o mundo, mas sempre agiu a partir do local aonde se encontrava.
Falava exatamente o que vivia, nele discurso e ação eram uma coisa só.
Falou de pobreza e viveu toda a vida como um pobre. Não tinha absolutamente nenhum bem registrado em seu nome. Morou entre os pobres, ensinou e aprendeu com eles e quando teve que conviver com os ricos foi apenas para desafiá-los a viver uma vida mais regrada e menos acintosa aos olhos de Deus.
A aparente fragilidade de seu corpo era um contraste profundo com a força das suas palavras. Pregou com coragem e demonstrou tê-la em suficiência quando, em plena ditadura militar, escreveu a Ideologia da Segurança Nacional, onde desnudava o poder militar na América Latina.
Sua obra com mais de 60 livros escritos e acima de 300 artigos publicados é um exemplo da produção de teologia fora dos limites dos Seminários e das Universidades.
De forma incansável, alertou a Igreja para reconhecer o erro histórico de nunca ter colocado o pobre como centro de sua ação pastoral. Afirmou sem medo que a Igreja hoje carece de conteúdo e que existe um vazio eclesiástico onde resta muito pouco do evangelho anunciado e vivido por Jesus.
Anunciou também para quem quisesse ouvir, que não se deve alimentar o espetáculo da ilusão de que a Igreja pode evangelizar o mundo com “o mesmo discurso, os mesmos gestos, os mesmos ritos e os mesmos meios de expressão de outrora” (COMBLIN, J. Um novo amanhecer da Igreja? Petrópolis: Vozes, 2003, p.76).
Ouvir Comblin era estar diante do profeta e da profecia. Na sua profecia a palavra liberdade tomou uma dimensão como nunca antes se viu. Para ele liberdade é a base da vocação evangélica, a novidade do evangelho de Cristo, a conclusão final de toda a história bíblica e o fundamento da nova existência para a humanidade toda. Entendia que anunciar o evangelho era anunciar a liberdade, pois “No início do cristianismo, evangelizar era despertar para a liberdade e passar a pensar livremente” (COMBLIN, J. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p.412). Não se cansou de dizer que “Jesus apareceu justamente como a pura representação do pensamento livre” (Id.). Hoje Comblin é um homem inteiramente livre, atingiu a dimensão plena de tudo que anunciou.
Comblin foi um homem que não deixou de sonhar um único dia. Aos 70 anos ainda plantava jardins e com 88 ainda construía Escolas Missionárias. Escolas e jardins eram para os outros, como tudo na sua vida. Sensível e realista tinha os olhos sempre abertos para a realidade e para os que estavam seu redor, de maneira especial todos os proscritos da sociedade.
Um dia lhe perguntei qual foi o seu maior sofrimento, já que tinha sido exilado, perseguido e incompreendido dentro e fora da Igreja. Ele simplesmente respondeu: “Dou graças a Deus que nunca me permitiu passar por sofrimento”. Ecce homo.
Comblin deixa um grande vazio no nosso meio e, para além disso, deixa órfã a teologia latino-americana. Lamentamos profundamente a morte daquele que abdicou de ser tratado como Dr. Comblin para ser chamado apenas por Padre Zé. Por ele hoje choramos, por ele hoje os sinos dobram. Quem tem ouvido para ouvir, que ouça em respeitoso silêncio.
pesquisou sobre a contribuição da teologia do Pe. José para a evangelização das cidades.