O padre belga José Comblin foi um dos mais importantes representantes da Teologia da Libertação. Trabalhou na América Latina desde 1958. A convite de Dom Helder Câmara veio para o Recife, onde foi professor do Instituto de Teologia – ITER. A partir de 1969 esteve à frente de seminários rurais em Pernambuco e na Paraíba. A metodologia que desenvolveu foi da formação na ação, adaptada ao ambiente social dos seminaristas, e essa experiência lançou as bases para a sua Teologia da Enxada. Suas ideias atraíram a suspeita do regime militar. Foi expulso do Brasil em 1971. Exilou-se no Chile durante 8 anos. No seu livro A Ideologia da Segurança Nacional, publicado em 1977, destrinchou a doutrina que servia de base para os regimes militares na América Latina.
Foi expulso por Pinochet em 1980. Ao desembarcar no Recife, foi preso na Polícia Federal, considerado ainda “persona non grata” já em tempos de redemocratização! Ultimamente morava na cidade de Barra, no interior da Bahia. Levava vida simples e comprometida com uma Igreja humilde e a serviço dos pobres. Sua dedicação maior sempre foi à formação de comunidades de base, além de escrever muitos e importantes livros, onde avivou a profecia da liberdade. Para ele, liberdade é a base da vocação evangélica, a conclusão final de toda a história bíblica e o fundamento da nova existência para a humanidade toda. Entendia que anunciar o evangelho é anunciar a liberdade, pois “No início do cristianismo, evangelizar era despertar para a liberdade e passar a pensar livremente” (COMBLIN, J. O povo de Deus. Paulus, 2002, p.412).
Pois bem, uma vez Comblin chegou e me sussurrou: “Olha, eu tou pensando em morrer e quero que você ajude a deixar minha biblioteca resguardada e a serviço do povo”. Dessa conversa, em uma assessoria conjunta que fizemos às CEBs em João Pessoa, surgiu o projeto de doação dos livros do Padre José à Universidade Católica de Pernambuco, que foi ratificado por ele mesmo em um
Café Teológico no ano de 2009. Os livros começaram a chegar desde então e mais ainda após o seu
falecimento, em março de 2011. Com a colaboração dedicada da Irmã Mônica Muggler, secretária e cuidadora de Comblin, com a ajuda do nosso Mestre em Ciências da Religião, Paulo César Pereira, pastor batista que
defendeu dissertação sobre Comblin e acabou seu amigo, bem como com o apoio da diretora da nossa biblioteca, Jaíse Leão, temos já mais de três mil livros catalogados e à disposição de pesquisadores e da comunidade. Atendendo ao desejo do próprio Comblin, à exceção das suas obras mais raras, os livros estão disponíveis no acervo público, para serem manuseados pelos frequentadores da
Biblioteca Central da UNICAP. Mais ainda: pelo sistema informatizado, qualquer um pode acessar com um clique a “Coleção Pe. José Comblin”, na íntegra ou por autores, títulos ou temáticas específicas. Isso pode ser feito mesmo de casa, através da internet.
Por aí é possível começar uma pesquisa e desmistificar as coisas: já podemos comparar, por exemplo, o que Comblin leu sobre Marxismo (veja
aqui: 96 livros) com o que ele leu sobre Bíblia (veja
aqui: 456 livros). E assim, sobretudo se a gente vai depois aos livros mesmo e analisa as notas e observações aí deixadas pelo padre José, vamos compreendendo melhor as influências que recebeu a sua obra com
mais de 60 livros escritos e acima de 300 artigos publicados – muitos deles também disponíveis na nossa biblioteca. Todo esse acervo já está atraindo pesquisadores: Adriana Thomé, que escreve uma dissertação sobre Comblin na Universidade Metodista de São Paulo, veio fazer estágio de quatro meses aqui, para aproveitar do “tesouro”; Alzirinha Souza, que faz doutorado sobre Comblin na Universidade Católica de Louvain, está vindo para ver os livros e arquivos do mestre… Outros certamente chegarão, seduzidos por uma obra monumental (ainda mais se considerarmos as condições em que Comblin viveu), tanto quanto pouco compreendida e/ou abrigada pela sua própria Igreja.
Penhorados, agradecemos à comunidade dos jesuítas da UNICAP e sobremaneira ao nosso reitor e professor do Mestrado, Padre Pedro Rubens, pela teologia aberta e visão de futuro na acolhida dessa biblioteca emblemática. Temos muita satisfação em ter ajudado a prestar esse serviço público ao direito de uma fé mais esclarecida, ao mesmo tempo em que resguardamos a memória do profícuo e íntegro mestre do cristianismo, nosso amigo padre José, que ficou feliz em vislumbrar as suas ideias discutidas criticamente e os seus ideais atualizados e encarnados no campus da gente – onde aos poucos vai surgir um núcleo de estudos do seu pensamento. De 25 a 27 de maio de 2011, durante a Semana de Teologia da Universidade, que tratou do tema “O Cristianismo em diálogo”, já aconteceu no hall da Biblioteca Central a
exposição “Padre Comblin: o teólogo da enxada“, com mostra da sua obra. Agora, no dia 30 de janeiro próximo, com solenidade no Seminário de Olinda às 17h, estará se formando a “Turma José Comblin” do Bacharelado em Teologia da Católica, nome que foi votado pelos estudantes. Foi-se o homem, multiplicam-se os seus pensamentos – porque a vida e os livros que deixou trazem uma inquietação libertária e tão humanizante, que só pode ser divina! Resultam de uma inculturação tão regionalizada e encarnada do cristianismo, que se torna universal!
Gilbraz.
selecionando “Col. Pe. José Comblin” na opção Localização Interna.