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Como um território de conhecimento que reproduz “as realidades” debatidas pela História, pelas Ciências Sociais, a literatura pode ser um espaço de tensão entre essas duas representações discursivas e relacionar fatos histórico-sociais a criações alegóricas, em busca de uma ressignificação de tais fatos, visto que a alegoria metamorfoseia a linguagem e o conteúdo de um discurso, por dizer uma coisa e pretender que se entenda outra. Nesse sentido, em O Santo Inquérito, de Dias Gomes, as experiências vivenciadas no julgamento da personagem Branca Dias – uma cristã-nova – representam alegorias de um momento histórico brasileiro. Na referida peça, o dramaturgo propõe a reescritura de determinados episódios da História do país através de ações dramáticas e de conflitos alegóricos. Assim, o julgamento de Branca Dias pode estabelecer, simbolicamente, pontes entre o momento histórico real da Santa Inquisição, o momento histórico da Ditadura Militar e o momento histórico ressignificado no enredo de O Santo Inquérito. A peça se vale de um inquérito para traçar a inter-relação de tais momentos. Em realidade, as falas do Padre Bernardo e as de Branca Dias geram um teor de ambiguidades, sugerindo que se poderia estar diante de um Tribunal da Inquisição ou de um Tribunal de Segurança Nacional. Seja dito de passagem que no discurso do Padre Bernardo as palavras são tão acusativas, que não dão a Branca Dias a possibilidade de defesa. Não se tem propriamente um interrogatório, senão uma denúncia, sem deixar saídas à acusada. A compreensão dessa leitura está pautada no principal procedimento teórico adotado neste trabalho, denominado por Fredric Jameson de alegoria nacional. Nesse sentido, a linguagem alegórica foi – e tem sido, ainda, – uma das ferramentas mais recorrentes e um ambiente no qual se podem evidenciar determinados momentos em que homens e ideias são julgados historicamente.