Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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Tradições Afro-ameríndias e a Descolonização de Práticas Religiosas
Thales Silva de Oliveira, Lucas Gomes Medeiros

Última alteração: 2019-07-25

Resumo


A emergência das teorias pós e descoloniais nos espaços institucionais e foradeles atentam para a necessidade de compreender quais as dinâmicas de saber epoder se interconectam na produção do conhecimento e de outras práticas sociais.Além da compreensão, essas perspectivas articulam sistemáticas críticas àhegemonia do conhecimento eurocentrado que demanda a contínua subalternizaçãode outras perspectivas e cosmovisões, conferindo-lhes o status de incompletas,ingênuas ou simplesmente menores.Partimos da noção de Walter Mignolo de colonialidade do saber (2004) queentre outras contribuições aponta na modernidade à produção de um sujeitoespecífico, hegemônico e autônomo resultante de empreitadas como o Iluminismo -que enquanto movimento filosófico-racionalista conferiu legitimidade soberana àciência e retirou da teologia o lugar de centralidade que esta ocupou durante toda aIdade Média. Tal noção nos ajuda para compreender a influência da tradiçãojudaico-cristã no processo de colonialidade e a consequente desqualificação depráticas religiosas de origem não-ocidental.Não é por acaso que a tradição judaico-cristã historicamente associou-se aprocessos de colonialidade que marcam a modernidade, essas, compartilham deuma matriz epistemológica semelhante que se baseia em dicotomias clássicas comocorpo e espirito, sagrado e profano, masculino e feminino e que resvalou numprocesso de seleção de quais as categorias de sujeito são ou não viáveis.Se a modernidade baseia-se numa organização dual das práticas sociais,como a religião, por exemplo dois movimentos que a antecedem, também: aPatrística e a Escolástica respectivamente.O primeiro movimento que entende-se entre os séculos I ao VII – recebe essenome justamente por ter sido esquadrinhado pelos chamados “pais” da igreja – e osegundo compreendido entre os séculos IX e XV são recorrentemente descritoscomo mecanismos doutrinário-filosóficos por intermédio dos quais a Igreja Católicaobjetivava propagar a fé cristã associando-a a princípios do pensamento gregosligados ao eixo de pensamento socrático-platônico. As tentativas de revestir-secontra as investidas pagãs no ocidente medieval não se deram exclusivamente viabatalhas armadas, mas disputaram-se também as formas de produção do saber,podemos pensar, por exemplo, nas tentativas de explicar como se davam as
relações dos indivíduos em sociedade com o sagrado. Inquietações dessa naturezanão demandavam a estruturação de uma dicotomia entre razão e fé, percebeu-sedesde muito tempo a potencialidade no ato de conjurar esses lugares na elaboraçãode uma fé racionalizada.Associando fé e razão realizou-se uma profícua análise das escriturassagradas a partir da influência de filósofos como Sócrates e Platão. Agostinho eTomás de Aquino são associados aos dois movimentos, respectivamente, comoresponsáveis pelo entrelace entre a racionalidade ocidental e a fé cristã. Bem e mal,sagrado e profano, razão e emoção vão gradativamente sendo entendidos comopolos antagônicos e inconfundíveis e orientando o homem – entendido enquantosujeito universal – ao bem conduzir da vida e das práticas cotidianas.Ressonante ainda nos dias atuais essa perspectiva deslegitima o saber e asformas de conexão com o sagrado baseada em outros sistemas de compreensão domundo como as práticas tradicionais afro-ameríndias. Nos interessa, com essaproposta de investigação, apontar algumas perspectivas cosmológicas que informamterreiros de Candomblé, Umbanda e Jurema Sagrada e como essas se apresentamcomo desafio às perspectivas religiosas associadas aos processos de colonização egeopolítica da produção do conhecimento.