Última alteração: 2019-07-18
Resumo
Com o deslocamento da mulher da esfera privada para a esfera pública, cresce, nestes trópicos, o número de encarceradas (o Brasil é o quarto país que mais encarcera mulheres, comaumento de 656% entre 2000 e 2016, contra o aumento de 293% da população prisional masculina). Cerca de 74% dessas mulheres assumem também a maternidade e, seguindo uma tendência internacional e de expansão nacional (a exemplo das Regras de Bangkok e do HC coletivo 143.641), a Lei no 13.769, de dezembro de 2018, modificou os artigos 318-A e 318- B do Código de Processo Penal, para assegurar como poder-dever do magistrado a conversão da prisão preventiva por prisão domiciliar para mulheres grávidas, puérperas, mães de menores de 12 anos e/ou mães de deficientes sob sua guarda. Tal garantia só seria afastada em face a crimes praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa, ou ainda quando de situações rotuladas como "excepcionalíssimas". Entretanto, a vagueza do que constitui excepcional dá margem para narrativas que corroboram com a estrutura de seleção e subalternização decorrentes do enquadramento dessas mulheres enquanto mães criminosas, assim consideradas não somente pelos aparelhos institucionais do Sistema de Justiça Criminal (SJC), mas também pelo seu aparato informal e pela moralidade vigente. Através da concepção de marginalidade, percebe- se uma deslegitimidade potencializada do sistema penal latino-americano, tendo como signo de sua expressão a morte: cabe compreender, nesse diapasão, as inúmeras formas de produzir morte para além da dimensão que visa o desligamento total das funções vitais do corpo. Assim sendo, no interior das malhas prisionais brasileiras, a noção de vida é explicada em permanência com a morte, e a necropolítica é intensificadora dos processos de mortificação desse corpos não considerados dignos de vivenciar a maternidade em todos os seus aspectos (período pré-natal, pós parto e com suas crianças em crescimento). Ademais, sendo a raça um dos motores da necropolítica, deve-se pensar quais cenários emergem a partir de uma américa latina racializada e quais são os desdobramentos advindos disso, principalmente no que se refere à construção de políticas de extermínio e à instauração de estados de exceção. Dados tais fatos, o presente trabalho propõe realizar aproximações entre a criminologia crítica e os saberes construídos a partir da decolonialidade e da pós-colonialidade - tal qual o de necropolítica, de Achille Mbembe -, no intuito de analisar qualitativamente uma amostragem de habeas corpus, em Pernambuco, em que se indeferiram os pedidos de concessão de prisão domiciliar de mulheres- mães. A análise - que terá apoio em bibliografia sobre a temática - visa extrair as
justificativas jurídicas ou não, utilizadas pelo juízo para conceituar as situações “excepcionais”.Nesse sentido, busca-se também perceber a incidência, nestas justificativas, de outros fatores para além do delito em si, no qual gênero, classe e raça (utiliza-se, para tanto, marcadores apontados por autoras como Lélia Gonzalez e Vera Regina Pereira de Andrade) são capazes de criar um exército de mulheres que, quando não mortas pela realidade fática do sistema carcerário, são assim consideradas simbolicamente.