Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO COMO PONTE ENTRE A EPISTEMOLOGIA OCIDENTAL E A DECOLONIALIDADE
Zenaida Luisa Lauda-Rodriguez

Última alteração: 2019-07-08

Resumo


Os possíveis riscos de grandes empreendimentos têm sido objeto de oposição de muitas comunidades indígenas e locais, gerando diversos conflitos socioambientais. Algumas destas comunidades, como forma de resistência, questionaram os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e os licenciamentos ambientais outorgados a estes empreendimentos, antes do início de suas atividades, por meio da judicialização dos conflitos. Entre os argumentos levantados, foi invocada a aplicação do Princípio da Precaução por graves e irreversíveis riscos que estes projetos poderiam causar sobre seus territórios e suas formas de reprodução social. Tais são os casos do projeto de extração de fosfato em Anitápolis-SC, Brasil, e o projeto de Extração de Ouro Conga em Cajamarca, Peru.

A fim de entender a incidência deste princípio em estes conflitos, este trabalho abordou diversos estudos sobre o princípio da precaução e analisou sua conexão com as teorias da Ecologia Política e a Colonialidade do Poder/Saber/Ser. Para embasar empiricamente esta análise foram estudados, de forma comparativa, os dois casos de conflitos mencionados.

A análise do princípio da precaução constitui um tema complexo e controverso devido às diversas críticas sobre a sua aplicabilidade. Sua análise torna-se ainda mais desafiadora no contexto de conflitos socioambientais por grandes empreendimentos. Nos seus estudos mais clássicos, este princípio compreende duas etapas claramente definidas: a avalição de riscos (etapa técnica-científica sem ingerência subjetiva), e a gestão de riscos (etapa de decisão política). Sob esta perspectiva, os riscos são definidos por meio de métodos científicos bem estabelecidos, e as comunidades indígenas ou locais só poderiam reivindicar uma eventual participação na última etapa do processo, isto é, na tomada de decisão sobre os riscos já definidos em seus territórios.

No entanto, estudos mais recentes sobre este princípio advertem da complexidade no tratamento dos riscos pautado por dois fatores: as limitações do conhecimento científico ocidental (principalmente nos sistemas complexos) e a construção subjetiva do risco, cuja percepção variará de acordo às experiências e visões do mundo do grupo que a concebe. Assim, a etapa de avaliação de riscos, dita isenta de subjetividade, também reveste um conteúdo político, pois existiria uma disputa pela definição do risco (quem define o que há de ser protegido?). É este elemento subjetivo advertido pelo princípio da precaução que nos conecta com as teorias da Ecologia Política e a Colonialidade do Poder/Saber/Ser.

As disputas pela definição do risco são geradas a partir das diferenças na sua percepção, valoração e distribuição entre os diferentes atores do conflito. A teoria da Ecologia Política nos ajuda a entender estas disputas, sobretudo no que diz respeito à valoração da natureza. A teoria da Colonialidade nos auxilia na compreensão da valoração a partir da análise do Ser e do Saber das comunidades indígenas e locais que disputam a definição dos riscos. Assim, sob esta articulação teórica, este trabalho defende a necessidade do reconhecimento e incorporação das comunidades e seus saberes nos processos de análise de riscos desde a sua avalição (momento de definição dos riscos). Não apenas em exercício de seu direito de participação, mas também pelas limitações do conhecimento científico ocidental, que podem ser complementadas com os conhecimentos e saberes das comunidades em disputa, legitimadas a participar deste processo por serem elas as que conhecem melhor os seus territórios e as que sofrerão os impactos diretos gerados por grandes empreendimentos. Isto permitiria processos de analise de riscos mais robustos e com maior legitimidade.