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Justiça de Transição e o pensamento decolonial: um comparativo entre o pós-ditadura empresarial-militar no Brasil e a Justiça de Transição sul-africana
Última alteração: 2019-08-08
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar criticamente o pós-conflito da ditaduraempresarial-militar brasileira, repensando uma justiça de transição pautada na descolonizaçãodo poder. Para isso, utilizar-se-á como parâmetro, para efeitos de comparação, o processo dejustiça de transição reconciliadora na África do Sul, após o período do apartheid, que foimarcado pelo antigo pensamento ético do “ubuntu”, oriundo dos povos zulu e xhosa. "Ubuntu"pode se traduzido como "eu sou porque nós somos" e representa uma existência harmoniosacom os demais indivíduos e com a comunidade, pautada no "altruísmo, fraternidade ecolaboração entre os seres humanos" (DOMINGUES, 2015). Essa filosofia se opõe aoindividualismo presente nos processos de colonização, os quais foram responsáveis pordifundir divisões de classes e do trabalho, baseadas em relações hierárquicas étnico-raciais quesuperiorizam o colonizador em detrimento dos demais povos, sobretudo os originários. Odecurso da busca pela verdade e reconciliação orientado por tal filosofia ancestral éconsiderado o início da ruptura com a colonialidade do poder e a descolonização dopensamento (PEREIRA, 2016), uma vez que deu enfoque aos povos originários, de tal formaque puderam expressar as violências que sofreram através de suas próprias culturas, bem comoempenhou-se em garantir direitos iguais a toda a população, contrariando a hierarquia criadapelos colonizadores.Desde a invasão europeia no Brasil, as relações político-sociais são marcadas pelo projetocolonial. Dessa forma, o período ditatorial reproduziu e reforçou as hierarquias estabelecidaspelos invasores, o que pode ser percebido, por exemplo, na perseguição e na criminalizaçãodos movimentos negros, em razão da sua “criminalidade potencial”, bem como qualificado,com base na Lei de Segurança Nacional, como tentativa de subverter a ordem ou estruturapolítico-social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe ou de grupo, alémde incitar publicamente ao ódio ou a discriminação racial (PIRES, 2018). No entanto,considera-se que, no Brasil, sequer houve uma justiça de transição, devido ao método deesquecimento usado pela Lei de Anistia, a qual “é recorrentemente invocada como um ‘acordopolítico' que teria permitido o fim da ditadura e a chegada do regime constitucional de 1988” (MEYER, 2012). A hipótese que se levanta é a de que é necessário haver uma justiça detransição que rompa com a matriz colonial, para viabilizar a efetiva reparação e conciliaçãopara aqueles que foram violentados pelo Estado. Para cumprir o proposto, analisar-se-á ajustiça de transição sul-africana, bem como o pós-conflito no contexto brasileiro e a sua Lei deAnistia, além de ponderar sobre a intersecção entre autoritarismo e racialização das relaçõesde poder, compreendendo o autoritarismo racial como uma continuidade da colonização dopoder, de forma a apontar os elementos presentes nos dois contextos e tencionar uma justiçatransicional brasileira, por meio da descolonização.