Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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odem provas ilícitas fundamentar a condenação de jovens negros? – Uma análise da produção probatória na apuração de atos infracionais análogos ao tráfico de entorpecentes em Recife/PE
Treicy Kariny Lima de Amorim, Jessé Oliveira Neto

Última alteração: 2019-07-09

Resumo


A pesquisa busca analisar a atuação dos(as) magistrados(as), membros do Ministério Público e da Defensoria Pública em instruções relativas a atos infracionais análogos ao tráfico de entorpecentes nas quais surgiram sérios indícios de ilegalidade na formação da prova. O referido objeto de estudo adveio de observações de audiências realizadas ao longo do ano de 2016 nas 3a e 4a Varas da Infância e Juventude de Recife/PE, responsáveis pela apuração de atos infracionais. Ao presenciar essas instruções – cujo objetivo inicial era compreender como se efetiva (ou não) a Doutrina da Proteção Integral na prática judiciária –, começou-se a notar em algumas delas, de forma aleatória, especialmente em audiências relativas ao tráfico de drogas, indicativos de ilegalidade da prova, em virtude de indícios de tortura em exames traumatológicos, testemunhos policiais com baixíssimo grau de coerência, denúncias dos(as) representados(as) e de suas famílias no sentido de que as apreensões de drogas teriam sido forjadas, etc. Diante desse material colhido pelo método qualitativo, tendo por referencial teórico o legado da Criminologia Crítica, foi possível inferir que, apesar de todos os indícios, os(as) juízes(as) afastam qualquer discussão sobre a legalidade e constitucionalidade dos meios de provas utilizados, tudo para não atrapalhar a condenação dos(as) jovens. Essa completa falta de preocupação com a legalidade das provas indica que, muitas vezes, o que realmente importa para a condenação do(a) adolescente são as convicções dos(as) magistrados(as), como: 1) a de que as drogas são o grande mal da sociedade e precisam ser combatidas a qualquer custo; 2) que os policiais, em seus depoimentos, são revestidos de uma fé pública quase inquestionável; 3) que esses(as) adolescentes precisam ser neutralizados, não importando se, para tanto, procedimentos legais são postos em segundo plano. As provas acabam sendo apenas detalhes; pouco importa sua legalidade ou ilegalidade. A fim de corroborar as hipóteses lançadas, serão feitas descrições das audiências, bem como das decisões tomadas ao cabo. Diante dessas posturas punitivistas e inquisitoriais, foi natural traçar um parâmetro com: o a) Direito Penal do Inimigo, que defende que alguns indivíduos não devem ser considerados cidadãos, ou seja,

não devem gozar das garantias estabelecidas pela Constituição; como verdadeiros inimigos, precisam ser neutralizados b) a construção da imagem do negro como um “não ser” que deve ser exterminado. . Questiona-se, portanto, como ideologias e impulsos punitivistas podem obscurecer a racionalidade na prática interpretativa. Com isso, é possível concluir que, em alguns casos, o sistema o qual tem como discurso oficial a Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, na verdade, pode não garantir nem mesmo os direitos fundamentais do devido processo legal e do acesso à justiça. Apesar da transição teórica promovida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em que a pessoa menor de 18 anos passa de objeto de tutela para sujeito de direitos, o que se verifica é que, em nome do combate à criminalidade, tudo é possível, inclusive ignorar os caminhos procedimentais e critérios interpretativos albergados constitucionalmente.