Última alteração: 2019-07-25
Resumo
O discurso jurídico penal gestado e desenvolvido no ocidente estabelece a pena de prisão como critério de solução de conflitos, a partir das chamadas teorias legitimadoras do direito penal. No âmbito do discurso genérico acerca das funções da pena, teríamos ao menos, no Brasil, três fortes versões de discursos jurídico-penais legitimantes da pena, quais sejam: a pena como contra motivação ao cometimento de novos delitos (prevenção geral negativa); a pena como uma estratégia de ressocialização do indivíduo (prevenção especial positiva); e a conhecida teoria dialética unificadora, que reúne em parte ambas as perspectivas anteriores, do jurista alemão Claus Roxin (1986).
No Brasil, embora a doutrina divirja ou ainda aponte na direção de melhores opções que orientem a elaboração, interpretação e aplicação do direito penal pátrio, o nosso Código Penal, bem como a nossa Lei de Execuções Penais, Lei. n. 7.210/84, fazem opções expressas sobre a necessidade da pena retribuir, prevenir (art. 59, do CP), e integrar o condenado ou internado à sociedade (art. 1°, da LEP), ou seja, opta por uma espécie de teoria eclética ou dialética unificadora.
É necessário questionar se a sociedade descolonial que se mostra necessária irá adotar estas teorias construídas e reunidas pelo saber eurocêntrico ou se construiremos nossas próprias práticas de justiça a partir de novos modos de pensar o sistema criminal. A partir do incômodo em se ter uma teoria penal amplamente colonizadora, este trabalho irá analisar a compatibilização entre as teorias legitimadoras da pena e a percepção daqueles que foram excluídos da construção do saber penal europeu clássico: os apenados.
Assumindo a diversidade epistêmica como horizonte desejado, num mundo em que todas as racionalidades existentes possam contribuir (MIGNOLO, 2004), a fim de evitar o distanciamento entre as teorias penais e a realidade da pena, e por entender a linguagem como exercício de poder, o objeto de estudo serão práticas discursivas encontradas em letras de músicas, do gênero rap nacional. A partir de raps marcantes no cenário nacional em que sejam expressas opiniões de detentos, ex-detentos ou ainda pessoas ligadas à
população carcerária e/ou seus egressos, sobre as realidades vivenciadas dentro e fora do sistema, serão questionados os efeitos da pena sobre suas vidas para que se responda o problema: quais são as funções reais da pena de prisão?
Tem-se como hipótese que há um descrédito quanto às funções manifestas da pena por parte de quem as cumpre, sendo a construção teórica de Zaffaroni e Batista – teoria agnóstica da pena – (2003) um marco de ruptura dos países da margem quanto ao discurso penal legitimante eurocêntrico. Acreditamos que na linguagem prisional, que observaremos em letras de rap, encontraremos críticas contundentes à função da pena de prisão, que ademais vem sendo denunciada há décadas por manifestações culturais desta natureza. Como abordagem metodológica foi escolhida a análise do discurso a fim de mapear as conexões entre a linguagem e as críticas sócio-políticas expressas nas músicas “Homem na estrada” do grupo Racionais MC’s e “Sem Chances” do grupo 509-E.