Última alteração: 2019-07-10
Resumo
Claudia Mortari(UDESC/FAED/AYA)
A promulgação da Lei Federal 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de históriae cultura africana e afro-brasileira nas instituições de ensino brasileiras, e as Diretrizes
Nacionais de Educação para as Relações Étnico-Raciais e História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Diretrizes 2004) portadora de orientações significativas para a sua
implementação, contribuiu para a discussão, proposição, ampliação e produção deconhecimentos no campo das Ciências Humanas, possibilitando a visibilização dediversas experiências de sujeitos de origem africana e um alargamento essencial dareflexão histórica. No entanto, tal tarefa encontra desafios pontuais nos diversos espaçosde produção de conhecimento, incluindo o universitário, lugar que nos situamos: oposicionamento epistemológico e político de questionamento do saber epistêmicoocidental/colonial, que resulta no epistemicídio de saberes e histórias das Áfricas eAméricas, o descentramento do eurocentrismo e a valorização das teorias e
epistemologias do sul que pensam com e a partir de corpos e lugares étnico-raciais/sexuais que foram subalternizados pelo processo histórico da colonialidade
(GROSFFOGUEL, 2008). Neste sentido, o objetivo da presente comunicação écompartilhar, a partir da experiência de ensino e pesquisa, as possibilidades e osdesafios do uso de narrativas africanas que evidenciam experiências, visões e formas deser, estar, viver e ler o mundo e, portanto, expressam dinâmicas, histórias, lutas ememórias de grupos diversos contribuindo para a ampliação do conhecimento e para adignidade humana (CASTRO-GÓMEZ, 2007; MBEMBE, 2014; MUDIMBE, 2013;QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2003). O trabalho, pautado nas questões teóricascolocadas pelos estudos pós-coloniais e decoloniais, comprometido com a interpretaçãodecolonizada acerca das histórias de populações africanas, propõe uma posição deconstrução de conhecimento sobre, com e a partir de lócus de enunciação eepistemologias outras. O que podemos aprender com africanos, a partir de suasnarrativas, que nos possibilita construir interpretações outras acerca do passado? Épossível a formulação de categorias novas de análise histórica a partir de seus saberescompartilhados? Aqui, temos como objetivo específico perceber as intenções,posicionamentos e a forma como seu próprio ser-mundo e interpretar a história
atravessam a construção narrativa do autor nigeriano Igbo Chinua Achebe (1930-2013)em especial na sua obra A Flecha de Deus (1964), em entrevistas e ensaios do escritor.Este, ao partir de seus lócus de enunciação expressa uma perspectiva central acerca desua própria existência: a humanidade e a agência, em contraponto a uma visãohegemônica de objetificação das populações africanas, no passado e no presente. Talafirmação, que pode parecer simples e óbvia, tem como objetivo realizar umaprovocação visando abrir possibilidades para o reconhecimento e ações de aprendizadosnovos e mútuos que, necessariamente, devem partir de um posicionamentodesestabilizador e decisivo na leitura dos aportes discursivos que fundamentam emoldam o pensamento ocidental deslocando o lugar no qual modelos de análise, emespecial os históricos, são pensados. Neste sentido, torna-se possível o diálogo desaberes, a convivência de diferentes formas culturais de conhecimento sem que estejamsubmetidos à hegemonia da episteme ocidental, constituindo-se num dos caminhospossíveis para a árdua empreitada de decolonização (CASTRO-GÓMEZ, 2007).