Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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O Cocar no Asfalto: reconhecimento de povos indígenas viventes em contextos urbanos
Eduardo Braz Marinho Rolim

Última alteração: 2019-07-22

Resumo


A negação do caráter indígena a populações ameríndias que vivem em contextos urbanos tem como deslinde lógico a negação de suas demandas territoriais (OLIVEIRA, 1999): “só é titular de um anseio territorial indígena, o indígena”. Povos indígenas que vivenciaram com os crescimentos das cidades em direção aos seus territórios e viram as áreas utilizadas para caçar, fazer seus ritos, ter seus lugares sagrados sendo diminuídas gradualmente pelo processo de conurbação, têm agora, uma imposição da sociedade não índia: vivam aldeados, separados em reduções!

De forma similar ao processo de reduções coloniais, em que os povos foram alocados territorialmente em pequenas porções de terra, hoje, essa imposição se dá no campo cultural, com a subalternização dos indígenas (SPIVAK,2010) que devem permanecer em suas comunidades e não podem superar as fronteiras territoriais/culturais (SAID, 1979) sob pena de ultrapassar os limites de sua indianidade, portanto, passíveis de serem descaracterizados e, consequentemente, terem seus direitos negados.

O assombro pela mutação cultural de povos indígenas em contextos evidencia o olhar colonizante ainda presente (QUIJANO, 2005), que tem dificuldade em aceitar os processos adaptativos e historiográficos de povos que tiveram, sistematicamente, o esbulho territorial e cultural. A negação sobre os processos de hibridação (CANCLINI, 2006: 19) é, na melhor das hipóteses, um projeto tão presunçoso quanto preguiçoso, que demonstram a incapacidade de observar no outro.

Faz-se necessário pontuar que, em se tratando de grupos que se definem coletivamente (LITTLE, 2001), o reconhecimento de direitos transindividuais é imprescindível, pois ao individualizar os direitos destas coletividades, as mesmas se enfraquecem (SANTILLI, 2005). Os direitos coletivos não nascem de uma relação jurídica determinada, mas de seus sistemas de territorialidade (ZHOURI,2010).

O sistema jurídico deve trazer, então traço emancipatório e plural, ao fundar sua legitimação na consensualidade dos grupos de interesses e nas diferenças culturais, a operacionalização da Justiça, nos marcos do pluralismo democrático e emancipatório, que transpõe radicalmente princípios de igualdade de teor individualizante e formal,

interagindo para um contexto histórico e comunicativo de igualdade social efetiva (WOLKMER, 2007).

O reconhecimento dos processos decoloniais de afirmação cultural não necessariamente partem de uma compreensão estagnada sobre uma cultura indígena, mas de uma compleição interdisciplinar e relacional (SANTOS, 2003). As ontologias ameríndias são compostas pelo processo construtivo de saberes e escolhas que não se sustentam por uma sistematização apriorísticas sobre seus modos de ser, pensar e viver (VIVEIROS DE CASTRO, 2019). A negação de identidade, em que só índios em um modelo hiperideal (RAMOS, 1994) estereotipado, são legitimado para requerer as terras tradicionalmente habitadas é resultado de um conhecimento jurídico limitador e que serve para impor uma visão colonizada e afastada sobre os povos indígenas. Não reconhecer os processos adaptativos dos povos ameríndios em contextos urbanos serve como estratégia para negar, desde a sua origem, os direitos que lhes são próprios.

 


Palavras-chave


indianidade; cidades; reconhecimento.