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Sofrimento em saúde mental em férteis terrenos decoloniais
Última alteração: 2019-07-10
Resumo
Fruto de um trabalho de conclusão na ‘Residência Multiprofissional em Saúde Mental com Ênfase no Cuidado do Usuário e da Família’, em Garanhuns/PE (2017-2018), esse texto se propõe a discutir compreensões sobre sofrimento em saúde mental que dialoguem com o pensamento decolonial. Para Barreto (2018), a contemporaneidade no ocidente é constituída por pensamentos técnicos e calculantes, onde o sofrimento, enquanto o reconhecimento da dor, deveria ser domesticado num mundo que preza pela sedação e por uma ciência da felicidade. Já Maia (2017) identifica no sofrimento, expressado em diferentes formas, a insurgência de narrativas de movimentos sociais e ampliam a visibilidade de suas lutas. Dito isso, identificamos teóricos/as que observam a experiência do sofrer como inerente ao viver e também como um instrumento de reconhecimento individual e coletivo de opressões sociais. Uma pesquisa bibliográfica não sistemática (CORDEIRO; et. al; 2007) e narrativas (BENJAMIN, 1987) da trajetória da Residência foram percursos metodológicos, uma vez que o contato direto com pessoas que acessam os serviços públicos em saúde mental da cidade nos demonstrou intervenções centralizadas em saberes médicos-psiquiátricos de contornos coloniais. Dos manuais de diagnósticos psiquiátricos até a medicalização, na sua maioria vimos uma diminuição da singularidade da pessoa para uma centralidade no diagnóstico e nas drogas psiquiátricas; deixando práticas como escutas, acompanhamento as famílias e/ou vínculos, participação em grupos terapêuticos e intervenções em comunidades num plano interventivo inferior. O acolhimento em saúde mental, por exemplo, é uma intervenção mediante a qual a narrativa de vida é escutada e a promoção em saúde começa a ser trilhada segundo as necessidades expressadas num processo contínuo e necessariamente interdisciplinar – onde sempre a/o usuária/o do serviço protagoniza sua trajetória (MINOIA; MINOZZO; 2015). Vale dizer que na experiência da residência nem sempre os limites institucionais permitiam grandes veredas, pois o saber médico-psiquiátrico é visto como um recurso ‘rápido’ a determinadas situações. Mesmo com obstáculos, estudos decoloniais nos foi profícuo por identificar a colonialidade dos saberes em questão. Não como uma forma de recusa completa, mas de pensar em múltiplos modos de estar no mundo (LEDA, 2015). O pensamento decolonial, como enfatiza Santos (2018), identifica na própria modernidade o cerne da colonialidade dos saberes: onde países colonizadores difundiram mundo afora suas epistemes. Decolonial é uma forma de resistência organizada que já vinha acontecendo de povos indígenas, latinos asiáticos e africanos. Acrescentamos os argumentos de Leda (2015): de como o projeto de decolonialidade não é somente acadêmico e ainda endossa saberes que sempre existiram e que foram subalternizados ou silenciados nos processos de colonização epistêmica. Na saúde mental percebemos como o pensamento decolonial pode romper com paradigmas ou instaurar práticas que vão de encontro a estes. O sofrimento, experiência coletiva e/ou individual, pode ser acolhido segundo saberes locais e construir novos horizontes interventivos nos serviços públicos de saúde. Com isso, apontamos a importância de criação – ou ressignificação – de práticas em saúde mental através do pensamento decolonial, cujo qual pode retirar – ou amenizar - camadas problemáticas na experiência do sofrimento, tais como a medicalização e patologização.