Portal de Conferências da Unicap, IV Seminário Internacional Pós-Colonialismo, Pensamento Descolonial e Direitos Humanos na América Latina

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DIREITOS HUMANOS COMO LINGUAGEM DE EMANCIPAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA
Tiago Muniz Cavalcanti, Juliana Texeira Esteves

Última alteração: 2019-07-10

Resumo


Os direitos humanos nominam as necessidades mais importantes das pessoas, relacionadas à dignidade, à liberdade e à igualdade, positivadas em declarações e convenções internacionais, e refletem, com isso, posições jurídicas universalmente reconhecidas ao ser humano em caráter supranacional. São, portanto, direitos proclamados em âmbito global que representam uma linguagem de emancipação social em torno da qual parece existir consenso, já que a maioria das democracias liberais estão alicerçadas em seu discurso. No entanto, se o compromisso com os direitos humanos é universalmente proclamado em termos jurídicos e políticos, por que imperam a fome, a miséria, a xenofobia, as guerras, a destruição da natureza? Por que dezenas de milhões de pessoas ainda são vítimas da escravidão mundo afora? O presente trabalho pretende responder a esses questionamentos a partir dos elementos de interseção presentes na teoria crítica marxista e no pensamento descolonial de Boaventura de Sousa Santos. Ao tentar compreender por que os direitos humanos permanecem como demandas não realizadas, os marxistas questionam os seus próprios fundamentos através de uma análise histórica do seu processo de reconhecimento: a concepção jurídico-positiva de tais direitos surge no bojo do movimento político e cultural burguês-liberal. Eles surgem para proteger liberdades essencialmente individuais, e isso é visível pela consagração do direito de propriedade como inviolável nas declarações do final do século XVIII. Para a teoria marxista, portanto, os direitos humanos foram consagrados para servir ao próprio capitalismo. Muito embora o sociólogo português não se considere um marxista, tendo inclusive tecido críticas contundentes ao eurocentrismo e ao monoculturalismo da teoria marxista, que seria, segundo ele, produto legítimo da modernidade e seus limites, o anticapitalismo presente em sua sociologia é capaz de aproximá-lo do marxismo ao analisar o fracasso dos direitos humanos como linguagem de emancipação. Para Boaventura, o consenso ideológico em torno dos direitos humanos exerce uma função legitimadora do poder político que lhes proclama obediência, e é por isso que existe uma discrepância entre as declarações universais e a vida prática dos cidadãos: no marco das relações sociais capitalistas, existe uma incompatibilidade teórica entre os direitos humanos e a sociedade onde se pretende realizá-los. A presente pesquisa analisará os trabalhos mais recentes de Boaventura, onde ele passou a estabelecer um recorte nas sociedades capitalistas contemporâneas, dividindo-as em sociedades metropolitanas e sociedades coloniais. Se nas primeiras é possível reivindicar direitos, nas segundas existe uma exclusão abissal onde os habitantes são absolutamente desprovidos de direitos realisticamente reivindicáveis, embora até possam ser formalmente reconhecidos. É exatamente nesse lado colonial onde os direitos humanos permanecem como promessas descumpridas. Deve-se exortar, por fim, que a análise crítica realizada pelo presente estudo não significa a defesa da supressão dos direitos humanos, mas observá-los conforme sua interação histórica com a ordem social vigente e a possibilidade de se lhes garantir alguma eficácia.